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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Pensamento

     Uma vez mais ela passa por mim. Por um instante nossos caminhos se cruzam. Mas, rapidamente volto à minha solidão.  Alguém percebe e vem até mim.
    “Vejo que tens um grande carinho por ela.” – Afirma.
     “Bem maior que o que tenho por mim.” – Respondo enquanto a acompanho com o olhar.
     “Ao que me parece amas em silêncio. Porque não te declaras?
     “Não. As coisas não são tão simples como parecem. Há muito mais que a distância física entre nós. Um oceano de diferenças nos separa. Mas em meus sonhos a tenho. Pelo menos isso. Lá ela habita meu mundo. Sou o arquiteto de mil maravilhas para encantar minha amada. Construo castelos, só para torná-la rainha. Pinto as mais belas paisagens, só para ver surgir em seu rosto o brilho do encanto. Colho a rosa mais delicada, de aroma mais suave, só para mostrar que esta é inferior, se comparada à sutileza e ao perfume de minha musa. E todas as noites a lua vem mais perto, só para admirar junto a mim a beleza de minha ninfa. E não há uma vontade dela que eu não realize. É o nosso lugar idílico.”
     “Mas, e se acaso a sorte olhasse em teus olhos, e te concedesse um desejo. O que pedirias?” – Pergunta-me curioso.
     “Um pensamento. Um pensamento daquela que amo.” – Respondo convicto.
     “Um pensamento? Mas porque, dentre uma infinidade de coisas, pedirias um pensamento?” – Insiste em indagar-me.
     “Porque um pensamento seria o bem mais precioso que dela eu poderia querer. Mais valioso que qualquer coisa que possas imaginar. Um tolo pediria um beijo. Mas, a mim não interessa algo tão ínfimo. O desejo que habita em mim clama por bem mais que isso. Por isso escolheria um pensamento. Nele inexistem as fronteiras, as limitações, nada é impossível. Meus sonhos poderiam alcançar a realidade. O infinito amor que sinto poderia enfim ser pleno.”
     “Mas, um pensamento por vezes é breve, se perde facilmente. E se for um mau pensamento?” – Questiona esperando por minha reação.
     “Pouco importaria se ela pensasse em mim apenas por um segundo ou se não seria um bom pensamento. Pois, esta fração de tempo seria a eternidade de que eu precisaria. Sim, um pensamento só para mim, dentre tantos outros que se entrelaçam incansáveis naquela mente. Afinal, o que importaria não seriam o tempo ou a intenção, mas sim o fato de que eu havia conseguido penetrar naquele pensar. E uma vez que lá estivesse eu deixaria minhas marcas. E estas não se apagariam, pois eu permaneceria ali e, cedo ou tarde, ela haveria de me presentear com outro pensamento. E depois outro, e mais outro, e aos poucos eu a conquistaria.
     E devagarzinho ela conheceria meu amor, e já não estaríamos tão distantes. Neste momento, eu assumiria um lugar não só em seus pensamentos, mas também em sua vida. Poderia então encarar aqueles olhos, não mais ao longe, agora bem de perto, tão perto que nossos lábios facilmente se encontrariam e eu poderia então sentir este sabor que hoje me limito a imaginar. E o que começou com um breve pensar, se tornaria real, assim como o meu sonho de amá-la. E viveríamos esse devaneio por toda a vida.
     “Mas, não seria mais fácil pedir o amor dela à sorte?” – Questiona-me uma vez mais.
     “Talvez sim. Mas não haveria verdade nesse amor. Seria algo forjado, artificial, sem qualquer encanto para mim. Não seria a mesma coisa. Um pensamento me possibilitaria plantar a semente do meu amor naquele coração. Regá-la dia após dia, vendo-a se desenvolver, fincar suas raízes sem pressa para fixar-se. Até o momento em que estivesse grande o suficiente para gerar seus frutos que eu colheria a cada sorriso, beijo ou suspiro de minha amada. Por isso eu desejaria um pensamento, pois, diferente do que muitos pensam, o amor nasce com um simples e breve pensamento para só depois, se apoderar do coração.”


sábado, 10 de dezembro de 2011

Carma

     E cá estou eu, uma vez mais, desejando o que não me pertence. O que não posso ter. Talvez seja esse meu carma, minha maldição. Justo agora que a tormentas se convertiam em leve brisa. Mas é sempre assim, não há como prever uma paixão. A vida segue sua calmaria e eis que meu olhar se depara com o olhar alheio e quando percebo já aconteceu. Não que isso ocorra com freqüência, mas, quando acontece, é simples dessa forma. Até eu fico intrigado com isso.
     Contudo, tenho por sina desenvolver paixões impossíveis. Amores platônicos, se assim preferir. Desta vez não é diferente. Ultimamente, tenho devotado meus suspiros a uma ninfa da qual não posso ser deus. Personificamos um contraste ironicamente trágico: pertencemos a mundos distintos. Sinto-me como o trovador, que se limitava a rimar seus versos amorosos para uma dama palaciana inalcançável. E eu que pensava que isso jamais existira.
     Foi dia desses que descobri meu tormento. Desde então, tenho vivido a eterna tentativa de arrancar de mim um sentimento que, dia após dia, se enraíza com força nas fibras de meu pobre coração solitário. É um padecer doloroso, mas que cessa com apenas um olhar dela. Cada sorriso que ela me lança me faz crer suportável qualquer dor. Mas, até quando poderei pagar um preço tão alto por tão pouco? Até quando suportarei sacrificar-me por dois?
     No momento, faltam-me as respostas. Mesmo porque, a falta de certezas é quem me atormenta. Sim, não há nada que me diga ser impossível consolidar o que sinto. Ninguém me impede. Nesta batalha, meu único inimigo sou eu mesmo. Tenho antes de lutar contra minhas próprias fraquezas, meus temores, minhas inseguranças. Reconheço que a possibilidade de alcançar o amor vale qualquer risco, mas algo me impede com força hercúlea.
     Mil resoluções, em vão, pensei, mas todas se desfizeram diante dela. Não conheço as razões disso, mas me vejo fraco diante de seus encantos. As palavras fogem de mim como se delas inimigo eu fosse. Meu olhar não encontra forças para enfrentar o dela. Sinto-me vulnerável diante daqueles olhos. Entretanto, meu vigor, perdido num instante, se restaura com um breve abraço. Vivo a contradição de temer meu desejo iminente de estar com ela.
     Devo confessar, enfim, que não sei ao certo o que fazer. Há, em mim, a impetuosidade que me instiga a enfrentar o mundo, se preciso for, para alcançar uma certeza, seja ela qual for. Talvez assim se abrandasse meu tormento com a dádiva da reciprocidade, ou com a dor da rejeição. Mas em mim há também uma inclinação, ainda que mínima, à desistência. Mas qual rumo tomar? Acovardar-me com a incerteza, ou arriscar até o que não tenho no destino incerto?
     Quisera eu, que o desenrolar de uma paixão fosse tão simples quanto seu princípio. Mas a cada dia me convenço mais de que tudo nessa vida se encaminha para a complexidade. Quisera eu ter a certeza de que o que sinto alcançará a magnitude do tão falado amor, desconhecido que jamais cruzou meu caminho. Já não fujo dele, mas ele insiste em se esconder. Deverei eu então ir a sua procura? Deverei eu por fim ao dito carma que persegue, provando ao mundo e a mim mesmo que tudo não passou de um engano?


Fonte Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDS3pGo8kC9eNIsb2G3IsgXo3yPjVgQ4GrZlciT3M8DfFWT6tXUzdnU68bImYAS8HMl22RM3SPNAuGOiwKpPoQpMkG_v5-sdUD54A_SgWLzEKUCeHO7eX_za1LpNBYiFgnivaChrGE6QRu/s1600/LUA...jpg

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sozinho

Talvez eu seja mesmo essa solidão profusa,
Que vive a prender-se em efêmeros laços.
Que se desfazem ao vento de maneira difusa,
Forçando-me procurar por novos abraços.

Tento me encontrar em lábios desconhecidos.
Em vão entrego-me a esta busca desmedida.
Sigo alimentando meus sonhos desiludidos
Neste devaneio eterno que me guia a vida.

Cedo aos desejos que meus olhos despertam.
Engano-me com o falso brilho do olhar alheio.
E com os beijos que dessa solidão libertam
E me guiam aos poucos enquanto vagueio.

Mas as esperanças em mim se mantém,
Ainda sobrevivem neste coração hostil.
Esperam o dia em que amarei também,
Em que me farão livre deste destino vil.




Fonte imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0Ekjj0rZJGrkUaKxxi0e4MLc8rS7E06dQ-6x8CmUB7jv3auzLMBFTipLSkX5MMIc3GB6p5OKzJz_AyK3uniQGLJrvAhTOVXNptauxR6DmFyFX6G2q2WKBQSZAcXB9vMTmj9fqv7Asst8/s1600/tumblr_kyhxgu7H7l1qb0s6q.jpg


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Diálogo

     O sol está a pôr-se no horizonte. As ruas da cidade pulsam com o fluxo incansável das pessoas que retornam para casa. Eduardo segue pela avenida principal apressado, mas não caminha em direção à sua residência. Ele anda mais um pouco e entra em um bar. Está vazio, a não ser por um homem sentado sozinho em uma mesa ao fundo, é Ricardo, que o aguarda. Eduardo caminha até ele. Senta-se à mesa. Os dois se encaram por um instante. Ricardo principia o diálogo:
     Você e esse seu olhar arrogante, te julgas tão superior a mim. Talvez seja isso o que motiva tal ira cega, que te trouxe até aqui em uma tentativa desesperada de entender as razões de tudo o que aconteceu. Poderia permanecer em silêncio deixando que as tuas dúvidas te consumissem e teus pensamentos se desdobrassem e mil hipóteses. Mas, não teria tanta graça assim, prefiro apontar suas falhas e te fazer perceber que és o único responsável pelo ocorrido.
     Não me julgo superior, simplesmente sou. Olhe para si, veja que minha superioridade lhe saltará aos olhos. Não há em ti atrativos como os meus. Aquela que pensas ter tomado de mim, é apenas mais uma dentre tantas outras que partilham de minha cama. Meu erro foi ter dado um pouco mais de atenção a ela do que devia a fiz sentir-se especial. Coitada. Mal sabe que não representa nada. Assim como o que houve entre vocês nada significa para mim. –Responde Eduardo com firmeza.
     Então devo supor que estás aqui por mera vontade de me ver e mensurar nossas diferenças? Acaso é isso mesmo? Afinal, se ela fosse mesmo apenas mais uma como dizes, não haveria razões que te trouxessem até aqui. Aliás, não haveria motivos para este diálogo, que agora parece se estender um pouco mais do que devia. Não sei. Algo me diz que ela possuía certa importância, afinal, um ego sólido não se abalaria por tão pouco. Negas com veemência, mas no fundo sabes que sentes por ela algo além de tua compreensão, que insistes em ignorar para não te sentires vulnerável.
     Pare com estas tolices. Tenho motivos mais contundentes para estar aqui. Pouco me importa o que houve entre vocês. O problema não é comigo, mas sim com ela. Ela é a culpada disso tudo. Fazendo-me passar por tal situação como se um tolo fosse. Trago em mim a certeza de que nada deixei faltar: meus beijos, minhas carícias... o sexo. Em tudo eu sempre satisfiz aquelas que me desejaram. Não vejo onde existam falhas em mim. Logo, só posso supor que o problema é com ela, a culpada por plantar esta dúvida em meu pensar, que me forçou a vir até aqui descobrir qual o problema dela. Não sei por que, mas algo me diz que deves saber isso. – Redarguiu Eduardo.
     É bem pior do que eu havia suposto. Padeces daquela cegueira voraz que acomete os que se deixam dominar pelo próprio ego. Nenhuma falha te salta aos olhos, a não ser as alheias. Culpá-la não é uma atitude nobre. Denota teu desejo de eximir-se de um crime que sabes ter cometido. Mas, como sei que não chegarás a tal conclusão sozinho, devo dizer-te com clareza que ela não tem qualquer problema. O único problema reside em ti.
     Acaso achas que deixarei que tuas palavras inflamem a infeliz dúvida que trago comigo? Sei que não fiz nada de errado, apenas quero a confirmação disso. Não deixei faltar aquilo que ela me pedia com palavras, ou simplesmente com o corpo. Por diversas noites vi o prazer desenhar naqueles olhos, e ouvi seus sussurros chamarem por meu nome. Porém, há algum tempo cessaram, como se eu já não a satisfizesse. Mas em nada mudei. Então, só posso concluir que foi ela quem mudou.
     A cada palavra que dizes vejo o quão digno de pena és. Decerto pensas que só de carícias e prazer vive uma mulher? Que podes responder a todas as perguntas com uma única resposta? Enganas-te. Imagino que, em um primeiro momento, era suficiente para ela. Mas em pouco tempo teus encantos evaporaram, se perderam sem que te desses conta. Foi então que ela veio até mim. Pois sabia que eu tinha o que ela precisava, o que você jamais poderia dar. – Afirmava Ricardo com serenidade.
     E há pouco dizia que eu sou egocêntrico. Vejo que teu ego também sabe falar por ti. Mas diga-me, o que deixei faltar? Se é que deixei. – Indagou Eduardo. Era possível ver a aflição em seu olhar.
     Não é meu ego que se manifesta neste momento. Digo-te com plena lucidez que não sabes tanto quanto pensas. Quando ela veio a ti, tinha consigo a carência física, que soubestes suprir com as carícias que de tanto falastes. Mas em pouco tempo estas cessaram, então surgiram outras sedes que não soubestes saciar. Deves lembrar aqueles dias que ela vinha a ti em silêncio e olhava em teus olhos. Tentavas o gesto costumeiro, mas ela te rejeitava. Não por não te desejar, mas sim porque há dias em que uma mulher apenas quer tua atenção, desejando que a abraces forte e faça-a sentir-se segura, protegida, que a faça perceber que estarás sempre ao seu lado.
     Em outros dias, ela parecia não se importar com o que fazias e, como não a compreendias, partias para os braços de outras, deixando-a solitária. Nesses dias, ela estava a testar teu amor, tentando saber se é correspondida por ti e, novamente, falhastes. Por vezes ela veio até você querendo expor o que sentia, mas a ignorastes e uma vez mais a deixastes sozinha. Eis mais um erro teu. Há dias em que uma mulher apenas quer ser ouvida, não importa se concordas ou não com o que ela diz, apenas ouça o que ela tem para dizer e ela te devotará seu amor.
     E foi ela quem te relatou tudo isso? – Indagou Eduardo com o desânimo típico de quem percebe que errou.
     Vejo que teu olhar já não tem o mesmo brilho arrogante de outrora. Mas não, ela não me contou nada, sequer mencionava teu nome quando comigo estava, diria que esquecia você completamente. Mas é fácil adivinhar quais foram teus atos. Como? É simples, nestes dias em que tu falhaste, ela veio até mim e eu sabia exatamente o que ela procurava. Sabia como satisfazê-la sem que ela precisasse me dizer uma palavra sequer. Veja que a beleza que ostentas foi inútil nestes momentos. Mas não se culpe não se pode ter tudo. E ela já não podes ter, pois aquele amor que um dia ela quis entregar a ti, já me pertence, e dele farei bom proveito, de um jeito que tu jamais faria.
     Eduardo encarou-o fixamente por alguns instantes. Parecia processar ainda aquelas palavras. Engoliu seco. Pôs a cabeça entre as mãos e ficou em silêncio. Ricardo nada mais disse. Apenas retirou-se, deixando-o sozinho. Mas, enquanto se levantava, pôde ver as lágrimas que escorriam pelas mãos daquele belo homem que há pouco ostentava sua superioridade inabalável. Elas representavam a dor de quem descobre que não era tudo o que pensava ser.
                        

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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Amor

     Caros leitores, hoje o Súbito Objetivo completa seu primeiro ano de existência. É pouco tempo, eu sei, mas me alegra ver o quanto as coisas evoluíram no decorrer deste ano. O que começou como um simples meio para evoluir na escrita, hoje é uma atividade prazerosa e gratificante. Durante este período, tive o prazer de agradar algumas pessoas com meus textos, algumas se tornaram seguidores fiéis do blog, outras preferiram acompanhar esporadicamente. Sou grato a todos.
     Primeiramente, gostaria de agradecer aos amigos Gustavo Ferreira, André Butter e à minha irmãzinha Raissa Bahia, que foram os incentivadores e divulgadores do blog desde o início e, acima de tudo, são meus bons amigos. Agradeço também a todos os que acompanham as postagens, que comentam meus textos, seja elogiando ou criticando. Espero seguir agradando a todos com minhas humildes palavras escritas. Desejo que continuem acompanhando o blog, me ajudando a evoluir e a produzir textos cada vez melhores.
     Mas, vamos ao que interessa que o post de hoje não é apenas de agradecimentos. Em homenagem a este dia, eis um texto que trata sobre um dos temas preferidos dos românticos: o amor. Espero que minhas palavras lhes sejam agradáveis. Se gostarem, comentem, divulguem para os amigos. Gostaria muito de vossas opiniões. Obrigado.

                                                                              Robson Heleno



O Amor

     E esse tal amor, que tanto nos promete sem nos dar qualquer garantia? Que pinta sorrisos em nossos rostos e faz nossos olhos brilharem como estrelas cintilantes? Quem é esse desconhecido tão conhecido por todos? Do qual costumamos falar como se fôssemos íntimos, velhos conhecidos? Que se compromete, sem saber, a cada vez que alguém novo aparece em nossas vidas? Que é visto como a raiz e a solução dos problemas de tantos?
     Será o amor um menino peralta, que vive a brincar com nossos corações? Que em seu jogo nos tem como peças, as quais manipula a seu bel prazer conforme as regras que ele mesmo impõe? Talvez sim. Talvez o amor seja esta criança que nos tem em suas mãos e, inconseqüente, brinca com nossos destinos. Que usa fértil imaginação para criar as mais embaraçosas situações e nos força a vivenciá-las. Que, inocente, nos conduz por rumos que ele mesmo desconhece.
     Ou será o amor um homem sádico, que se diverte ao nos ver sofrer? Que traça nossos caminhos enquanto lhe convém, sem se importar em definir o final? Que com sua mente nefasta arquiteta ciladas infalíveis, nas quais sempre caímos indefesos? Talvez sim. Talvez seja o amor este sujeito maquiavélico que vive a regozijar-se com nossa dor, com nossa impotência frente a seus ditames. Que sorri enquanto nos faz verter lágrimas.
     Ou então, será o amor um velho ranzinza, que nos obriga a aturar sua teimosia? Que nos obriga sempre a enveredar por caminhos que já conhecemos, mas com a promessa de que dessa vez será diferente? Talvez sim. Talvez seja o amor esse ser teimoso, que se julga sábio e vive a se aproveitar de nossa inexperiência. Que nos convence que as coisas podem mudar, fazendo-nos arriscar uma vez mais, apostar nossa última ficha no mesmo jogo que já nos fez perder tudo.
     Será o amor um demônio, que sempre nos tenta a pecar contra nós mesmos? Que amaldiçoa nossos dias com seus desmandos maldosos? Que nos abraça calorosamente enquanto planeja em silêncio nos apunhalar pelas costas? Talvez sim. Talvez o amor este mal onipresente, que nos acompanha a cada dia, mas que se aproveita de nossas fraquezas, usando-as contra nós sempre que pode. Esse inimigo de todos, que engana, contradiz e nos corrompe.
    Mas, quem sabe não será o amor um anjo, que surge em nossas vidas repentinamente para imprimir novos ânimos aos nossos dias? Que tenta nos resgatar quando estamos perdidos pelos mares tormentosos da solidão e da tristeza? Talvez sim. Talvez seja o amor esse ente divino que nos toma em seus braços e nos leva em direção à felicidade. Que resgata a razão de nossos dias e reencontra a esperança que perdemos pelos rumos incertos da vida. Que nos faz acreditar que é possível viver suas promessas e realizar os sonhos.
     Enfim, o que será o amor? Milhões de conjecturas poderiam ser traçadas, mas nenhuma delas seria exata. Esgotar-se-iam as metáforas para descrever algo indescritível. Só é possível definir o amor quando a procura por sua definição se vê encerrada. É quando ele surge e se faz sentir, compreender. Mostrando suas múltiplas faces, fazendo-nos crer em suas “promessas” e reconhecer nossa submissão frente a sua determinação invencível. Afinal, somente os tolos tentam resistir aos desígnios do amor.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Apaixonar-se

     Render-se aos encantos do novo, o desconhecido que nos atrai e nos tenta a descobrir seus mistérios. Ceder ao impulso que afeta a todos, nem que seja uma única vez na vida. Entregar-se a uma vontade, sem se importar se ela será efêmera ou eterna. Deixar-se levar pelo instinto, desprovido de qualquer racionalidade, que não se pode tentar controlar. Vencer e ser vencido por esta força estranha que se chama paixão.
     Sinceramente, me agradam as paixões. Essas tempestades que surgem para quebrar a calmaria de nossos dias de verão rotineiro. Convenhamos, a vida é tão monótona sem elas. Como é interessante esse jogo de incertezas. Um jogo sem regras, é verdade, mas que nos instiga, que nos faz querer ir até o fim. Afinal, quem sabe se a paixão de hoje pode não ser o tão sonhado amor para uma vida inteira?
     Às vezes breves, às vezes não. Não há quem não se renda ao seu magnífico poder de mudar vidas. Sim, paixões são as responsáveis por aquelas alterações repentinas de humor, que nos arrancam sorrisinhos tolos, que nos fazem suspirar sozinhos. Entram em nossas vidas sem pedir licença, naqueles momentos em que se está distraído. Você decide que vai se voltar completamente para o trabalho, amigos, estudos... até que surge uma paixão e tudo é esquecido.
     Entretanto, como tudo na vida, as paixões tem seu lado negativo. Nem sempre elas acabam bem, mas isso é o de menos. Ruim mesmo é quando elas sequer começam bem. Apaixonar-se sem ser correspondido é sempre um risco iminente. Apaixonar-se não é algo simples. Principalmente porque não é algo voluntário. Não se escolhe por quem se apaixonar, você simplesmente se percebe apaixonado. Tanto que, nem sempre você se apaixona por quem quer. Sabe aqueles casais que não tem qualquer afinidade, mas que não se desgrudam? Pois é.
     Mas, apesar dos pesares, defendo as paixões. Principalmente aquelas que nascem naquele instante singular onde os olhos se encontram e nasce o desejo. Em que ambos se aproximam e trocam palavras por mera formalidade. Afinal, o que poderiam elas dizer se os olhos, como janelas escancaradas, revelam a verdade nua? Então há aquele momento em que o olhar oscila entre olhos e lábios, dizendo que é a vez da vontade assumir o controle.
     O que surge após isso? O tempo é quem dirá. Talvez a paixão acabe ao nascer do sol. Talvez ela perdure por alguns dias, meses. Talvez esse certo alguém que você conheceu sem esperar se torne parte da sua vida. Se torne aquela pessoa que você, em seus devaneios mais profundos, esperou encontrar. Com a qual você vai partilhar os seus dias. Talvez. Quem sabe? Porque não correr esse risco?

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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Dissimulada

     “Eu te amo!”, ela me disse. Dissimulada. Enganou-me pela primeira vez. Talvez porque naquele momento aquelas eram as únicas palavras que importavam. Nossa relação já atravessava alguns meses e eu não sabia o que ela sentia. A certeza de meus sentimentos contrastava, a todo instante, com a incerteza das atitudes dela. Por vezes acreditei ser amado. Mas em alguns outros momentos percebia meu ledo engano. Mas persisti, sentia que era amado, ainda que nem sempre.
     Foi a mais ou menos um ano que ela me disse as tão esperadas palavras. Uma ligação de um desconhecido para o celular dela motivou uma briga. Eu atendi e ele disse ser o seu namorado. Não entendi, pensava que eu o era. As incertezas ganharam força. Decidi dar por encerrada nossa história, mas, nos último ato ela me surpreendeu. Disse-me aquilo que eu esperava escutar durante todo aquele tempo. Confiei naquelas palavras cegamente. Ignorei tudo, e permanecemos juntos.
     “Eu te amo!”, sussurrou em meu ouvido. Dissimulada. Deixei-me enganar uma vez mais. Muita coisa mudara desde a primeira vez. Eu já não tinha dúvidas, simplesmente ignorava o que era evidente. Todos me alertavam que eu estava seguindo por um caminho obscuro. Mas, cego, eu só conseguia enxergar a luz daqueles olhos que brilhavam falsamente para mim. Eu me apegava à ilusão daquele amor como se ele fosse real.
     Eis que ela veio até mim. Seu olhar parecia sério. “Tenho algo a dizer.”. “Eu também tenho, meu amor.”, respondi tentando retribuir o tom cordial. Ela principiaria, mas não me contive. Apanhei a caixinha que estava em meu bolso e mostrei-lhe a aliança. “Quer casar comigo?”, perguntei. Ela sorriu desconcertada e me abraçou. Parecia querer me dizer algo, mas não o fez. Quando indaguei sobre o que ela tinha a me dizer, ela sussurrou em meu ouvido o que eu precisava ouvir.
     “Eu te amo!”, disse-me diante de todos. Dissimulada. Pela última vez acreditei naquelas palavras. Aquele era o dia mais feliz da minha vida: o dia do meu casamento. Estávamos perante o altar. Horas antes, meus amigos haviam tentado me dissuadir daquela união, mas eu fui persistente. Contrariei a todos por acreditar que seria dono da felicidade se prosseguisse com aquilo tudo. Embora tivesse minhas dúvidas, algo me mim me tentava a crer que eu devia me casar.
     A cerimônia teve início e todos a olharam com reprovação enquanto ela vinha até mim. Eles, diferente de mim, conheciam sua verdadeira face. Ela parecia feliz, mas de um modo diferente de mim. Estávamos diante do padre. Então ele perguntou se havia algo que pudesse impedir nossa união. Para minha surpresa, mais de uma pessoa se manifestou. Observei a reação de todos e compreendi que talvez estivesse errado em prosseguir com aquilo. Desistiria do casamento, mas, ela olhou em meus olhos e usou de seu artifício perante todos. Ela sabia que eu acreditaria uma vez mais. E então nós nos casamos.
     Os primeiros dias foram maravilhosos, mas, aos poucos fui conhecendo-a de verdade. Já não podia ignorar as coisas como antes. Comecei a perceber nos gestos dela que não era amado. Aquele casamento apenas fora conveniente. Não havia reciprocidade de sentimentos, mas sim alguém que soubera enganar bem. Alguns meses passaram e percebi que não poderia amar por dois. Foi então que, desiludido, a abandonei e solicitei o divórcio. Ela não esperava por essa minha reação e surpreendeu-se mais ainda quando percebeu que havia me perdido.
     “Eu te amo!”, ela me disse em meio às lágrimas. Arrependida. E aquelas palavras soaram de um modo desconhecido. Talvez porque fosse aquela a primeira vez que ela as dizia com veracidade. A princípio pensei ser medo de me perder, mas aos poucos constatei que ela já não fingia. Ela implorava por meu perdão em pedia para voltar. Dizia-me tudo aquilo que eu sempre sonhara ouvir. Foi então que, percebendo minha indiferença, ela me disse que me amava. Era seu último apelo. Então ficou em silêncio esperando minha resposta.
     “Eu te amo!”, respondi docemente. Pude ver a felicidade se desenhando naquele rosto. Ela não podia conter a alegria. Abraçava-me fortemente com medo de me perder. Por dentro, eu me divertia com a ironia daquele momento. Já não nutria qualquer sentimento por aquela mulher. Aquelas haviam sido as palavras mais vazias que eu já dissera em toda a minha vida. Mas não o fiz por ser dissimulado. Eu simplesmente havia me adaptado às regras do jogo que ela criou. A diferença é que os papéis haviam se invertido.


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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cotidiano

     São 9 da manhã. Carlos segue em seu carro por uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Vidros fechados, ouvindo música clássica. O distinto empresário segue rumo ao trabalho, quando tem a atenção roubada por uma bela mulher que aguarda, em pé, na calçada, o sinal fechar. O nome dela é Ângela. Enquanto espera, ela repassa na memória os momentos da noite anterior. O jantar, os olhares, a melodia ao fundo, os beijos, o sexo. Um sorriso surge em seu rosto, ela está apaixonada. Percebe que encontrou o homem da sua vida: Henrique.
     Neste exato momento Henrique se arruma para ir trabalhar. Está atrasado, mas por um bom motivo: a mulher linda e insaciável com quem esteve lhe deu uma noite digna de ser narrada com detalhes ao pessoal do escritório. Mas ele não voltará procurá-la, foi apenas uma aventura. Seus pensamentos estão mais voltados para a reunião que terá em poucos minutos. É o momento de apresentar seu projeto, precisará impressionar os superiores, em especial, Marcos.  
     Marcos, o presidente da empresa e acionista majoritário. É um dos grandes nomes da região, reconhecido nacionalmente por seu desempenho nos negócios. Neste exato momento, Marcos está retornando à cidade em um vôo vindo da Europa. Em poucos minutos chegará, mas seu pensamento segue distante. Pensa nos problemas que abalam sua família. O excesso de trabalho lhe rendeu renome e finanças, mas o distanciou daquela que ama. Pensa em como fará para reverter as coisas e convencer Karen a desistir do divórcio.
     Karen observa o horizonte pela janela de seu quarto. Está dividida. Lembra de todos os momentos vividos com Marcos. Não sabe se ainda o ama, ou se aquilo é apenas nostalgia de algo distante que ser perdeu no tempo. Talvez as coisas fossem diferentes se ele não a houvesse deixado tão sozinha. Os negócios estavam sempre em primeiro plano. Quando ela reclamava por atenção, ele tentava concertar as coisas com jóias e flores. Era culpa dele se ela havia pedido o divórcio. Era culpa dele se ela havia se entregado completamente a Daniel.
     Daniel é um dos sócios de Marcos. Sempre desejou ter tudo o que este possuía: o sucesso, a fortuna, a mulher. Dentre todos, Daniel conseguira o principal: Karen. Seduzi-la não havia sido difícil. Ele sabia de sua carência. Agora seus planos corriam conforme esperado. Enquanto segue rumo à empresa, tenta imaginar qual será a reação de Marcos ao saber que ele tomou sua esposa. Mas pretende contar isso antes da reunião. Assim que chegar, mandará André solicitar a presença de Marcos em sua sala.
     André é o assistente de Daniel. Rapaz jovem, universitário, cheio de pretensões. Ele está há menos de um mês no emprego, mas já percebeu que não será fácil ascender na empresa. Além de ser assistente, ainda faz o trabalho de Office boy. Isso faz com que precise acordar bem cedo todos os dias para despachar documentos antes de iniciar o expediente. Neste momento, André caminha apressado pela rua para fazer sua ultima entrega da manhã.

     Então, André avista uma mulher linda, parada do outro lado da calçada. Impressiona-se tanto com a beleza da moça, que nem se dá conta que o sinal ainda não fechou. Atravessa a rua, displicente, e é atropelado por um carro que vinha em alta velocidade. O motorista do carro é Carlos, que seguia para o trabalho com os vidros fechados, ouvindo música clássica, quando teve a atenção roubada pela bela mulher parada na calçada e não notou que o sinal estava amarelo. Esta mulher é Ângela, que aguardava o sinal fechar enquanto pensava na vida, na noite passada, alheia a tudo o que acaba de causar.

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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vida

     Já me vejo sem fôlego, faltam-me forças para prosseguir na escalada.  Mas, não vejo isso com maus olhos. Creio que estou em um lugar bom: se olho para baixo, vejo aqueles que, como eu um dia também o fiz, sobem ansiosos; se olho para cima vejo os abençoados que continuam subindo cada vez mais, eles acenam para mim, encorajando-me a prosseguir; se olho para os lados, percebo que não estou sozinho, muitos outros estão na mesma condição que eu.
     Enfim compreendo a ironia disso tudo. Quando eu era jovem, escalava depressa, a passos largos. Não me preocupava muito com quem estava abaixo de mim, ignorava os que estavam acima. Coisas da juventude que só fazem sentido uma vez na vida. Hoje percebo o quão tolo fui. Em minha ânsia, ignorei o sentido da escalada, preocupei-me somente com o trajeto. Esse foi meu erro.
     Mas, agora não há mais porque ter pressa. Aqui onde estou o ar se torna rarefeito, cada respiração é uma dádiva.  Os prazeres mais fugazes ganham valores antes inimagináveis. O pôr-do-sol tem tons mais bonitos. Ou não. Talvez seja o mesmo de antes, a diferença é que eu jamais o havia reparado como agora. Aliás, a vista que se tem daqui é indescritível. Pergunto-me se já não é tarde para querer aproveitar isso tudo.
     Ouço gritos vindos de baixo. Eles dizem para eu não desistir. As vozes são conhecidas, são aqueles que amo: filhos, netos. Mas, confesso não ter o desejo de insistir nisso. Cheguei naquele momento da escalada em que tudo se resume a uma grande nostalgia. A saudade já me tomou em seus braços e me tortura, sussurrando ao meu ouvido o nome daqueles que um dia estiveram ao meu lado, mas que já não estão mais aqui.
     Já me percebo obsoleto, incapaz de adaptar-me ao que é normal para os demais. Em meus delírios solitários, recordo um passado áureo que talvez jamais tenha existido. Fantasio que antes as coisas eram mais belas, os sabores mais encorpados, as cores mais suaves. Sou apenas mais um elemento anacrônico em meio a isso tudo. Mais um que destoa sem querer, mas que se esforça para não ficar para trás.
     Como fosse ontem, recordo o início disso tudo. Tudo era novidade, eu subia com calma para não perder nem um detalhe pelo caminho. Fazia o certo sem ter consciência disso. Mas em pouco tempo me concentrei no trajeto e esqueci tudo. Quisera eu voltar ao início, refazer meu percurso. Talvez não chegasse até aqui, mas com certeza não estaria solitário. Há muitos outros a minha volta, porém permaneço abraçado à solidão.
     Chamar-me-ão de pessimista, mas devo dispor de sinceridade e assumir-me realista. Afinal, a vida é assim, essa escalada por uma montanha infinita. Alguns sobem mais, outros menos. Mas todos partilham do mesmo infeliz destino: não importa o quanto se esforcem, o quão longe cheguem, jamais atingirão o cume.  

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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Desejo Indomável

Serias mera embriaguez passageira.
Dessas que o coração desconhece.
Que, pela fugacidade, não enternece,
Mas satisfaz a vontade lisonjeira.

Mas ao destino rédeas não se impõe.
E o desejo se fez deveras indomável,
Rendendo a razão ao carinho amável,
Que a ela facilmente se sobrepõe.

Foi por ceder a tal impetuosidade
Que dessa vida conheci as cores
E de teus beijos a doce necessidade.

Pois só eles saciam-me os ardores,
Que breve torna a eternidade
Para vivenciarmos os nossos amores.



domingo, 9 de outubro de 2011

Infame

     Rasgar-lhe as roupas não era suficiente para mostrar-lhe meu desejo. E eu a beijei, mordi seus lábios, pressionei-a contra a parede e tudo aquilo parecia excitá-la mais que a mim. Surpreendi-me, isso jamais acontecera. Podia sentir o sangue que pulsava por aquelas veias, indo em direção ao coração sobressaltado, que elevava aqueles seios a cada respiração. Os olhares de volúpia dela me guiavam pelas ruas de seu corpo. Os leves gemidos controlavam o ritmo de meus passos, ora apressados ora serenos.
     Foram meses de namoro até aquele momento. Esperei até o último instante porque a amava. Mas a tentação sempre esteve entre nós, atiçando-nos a cada beijo, a cada abraço mais caloroso. Por vezes resisti, reprimi meus desejos. Resistiria um pouco mais, mas ela já não compreendia minha relutância. E eu confesso que também já esboçava minhas fraquezas. Ela decidiu que seria hoje. Eu nada pude fazer. Como um homem poderia enfrentar uma vontade feroz que o persegue por dentro e por fora?
     Seria apenas uma visita costumeira, mas ela estava sozinha e quando dei por mim já estava entorpecido por aqueles lábios. Ela parecia em transe. Suas mãos corriam por meu corpo sem se preocupar com os rastros que as unhas deixavam. Ela jamais emanara tanto calor. O ardor daquela chama contagiante não encontrou qualquer resistência em mim. Então, inevitavelmente, “incendiamos”.
     Deitada sobre mim, ela mexia os quadris com violência sem sequer descolar os lábios dos meus. Eu podia sentir que ela estava tão desejosa quanto eu. Talvez mais. Ela gemia como se seu corpo fosse pequeno demais para conter tanto prazer. Ela agarrava os lençóis e mordia os lábios com força. Era como se tivesse dentro de si uma fera, há muito aprisionada, querendo libertar-se. Não havia nada daquela menina doce e calma de sempre. Era outra mulher, indomável, voraz.
     Entretanto, eu não partilhava daquele frenesi de prazer. E eu sabia bem o porquê. E tudo seguiria bem, até ela perceber. Porém, não havia como fingir um orgasmo. A princípio, ela sentiu-se incapaz, mas, a vontade de me satisfazer era maior que tudo. “Sou sua, faça comigo o que quiser”, disse-me. Palavras convidativas, desafiadoras. Talvez eu soubesse o desfecho daquilo, mas não ceder era impossível. Quem conseguiria?
     Ela não entendeu quando eu peguei aquele lenço e envolvi em seu pescoço. Mas percebeu que aquilo me excitava e embarcou na fantasia. No início eu apertava o lenço com calma, ela parecia gostar da breve asfixia. Porém, à medida que eu era dominado pelo prazer, perdia o controle sobre a força que exercia. Até o momento em que ela cravou as unhas em meus braços, uma tentativa desesperada de fazer-me cessar. Porém o clímax estava próximo, eu não iria parar.
     Ela já não tinha fôlego para falar ou gemer. Seu corpo já parecia desfalecer. Seus olhos já não brilhavam, aquela chama estava se extinguindo. O seu último suspiro de vida coincidiu com meu primeiro suspiro orgástico. Enfim eu estava satisfeito. Porém, uma vez mais, meu prazer viera acompanhado da tragédia. Sobre a cama jazia mais uma vítima de minha luxúria. A história se repetira como nas últimas duas vezes.
     Fugir me parecia a melhor opção. Recomeçar em outro lugar, viver outra vida. Porém, a história acabaria se repetindo. Mesmo porque, um homem pode fugir de tudo, menos das maldições que habitam sua essência. Decidi que me entregaria àqueles que têm por função zelar pelo “bem” da sociedade, afastando do convívio social todo aquele que haja em desacordo com as convenções hipócritas estabelecidas.
     Mas, como já havia lhes dito, eu amava aquela mulher. E não é o fato de ela estar morta que me faria amá-la – desejá-la - menos. Vamos, não façam essa expressão de espanto. Mesmo morta ela me deu tanto prazer quanto eu podia desejar. Aquele corpo frio roubava meu calor como se quisesse ressuscitar. Decerto dirão agora que sou infame. Mas, vos digo isto se resume a uma questão de preferências. Todos possuem gostos distintos, isso é o normal. Entretanto, culpam-me apenas porque o meu destoa daquilo que a maioria estabelece como sendo normal.
     Enfim, cá estou confessando meus crimes. Narraria os detalhes dos outros dois cometidos há algum tempo atrás, mas a memória não me deixaria ser tão fiel como fui agora ao contar o acontecido de uma hora atrás. Sei que serei preso pelo que fiz. E não ouso desejar que um dia seja perdoado. Mas, o que posso fazer se esta é minha natureza? Aceito ser condenado, mas somente se houver em suas prisões um modo de concertar uma essência que já nasceu “corrompida”.


Fonte Imagem: http://ima.dada.net/image/medium/273296.jpg

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Futebol para índios

     Às vésperas de um plebiscito sobre possível divisão do estado, obras de Belo Monte sendo interrompidas e reiniciadas a todo o momento, era preciso criar uma distração para os paraenses. A massa não poderia se envolver nesses assuntos, não poderia tomar consciência dos problemas que afetam o estado. Então, para resguardar os interesses dos governantes, eis que surge o pão e circo costumeiro para salvar o dia. Sim, quer melhor distração que um jogo da seleção brasileira em Belém? Além do que, contra a Argentina?
     Pois é, esse jogo veio em um momento bastante oportuno. Era preciso desviar a atenção da população. Sem falar que o novo governo queria mostrar sua superioridade frente ao governo passado. Afinal, o grande argumento durante as eleições foi a Copa perdida. Pois bem, perdemos a Copa, mas o NOSSO governo trouxe para Belém um jogo importante. Os paraenses merecem ver de perto a seleção brasileira.
      E não é que esse papo furado colou? Tanto que os ingressos para o jogo esgotaram. A população se vestiu de euforia e fez aquela festa. A Avenida Nazaré engarrafou – mais que de costume- com a multidão que se aglomerou em frente ao hotel na esperança de ver de perto seus ídolos e, quem sabe, receber um olhar furtivo de algum deles. O treino da seleção lotou, por milhares de garotas que gritaram loucamente pelo garoto da mídia do momento: Neymar. E não é que esse menino vende? Milhares de pessoas se juntaram em frente à TV para ver a matéria com ele passeando no ver-o-peso. As crianças adotaram a moda do moicano da noite para o dia.
     Isso por si só já seria suficiente para denotar o poder de alienação que esse jogo exerceu nos paraenses. Mas, acreditem, tem mais. No dia do jogo ligar a TV era algo simplesmente insuportável. A cada cinco minutos se falava do jogo. Chamadas ao vivo mostravam pessoas que aguardavam em frente ao Mangueirão desde o meio dia para ver um jogo que só começaria às 22:00 horas da noite. As pessoas falavam do jogo nas ruas como se fosse final de copa do mundo. Tive certeza disso quando vi bandeiras em frente às casas e pessoas com o rosto pintado gritando: Brasiiiiiiilll!
     Quando o jogo teve início , devo reconhecer, os paraenses mostraram sua paixão pelo futebol. Estádio lotado, apesar dos ingressos caros. Execução do hino nacional com direito a coro e tudo. De fato foi uma grande festa. Até a seleção, que andava ruim das penas, literalmente, resolveu colaborar. Não mostraram o futebol arte que todos esperavam, mas, pelo menos, venceram. Ao término do jogo, o clássico aperto de mão dos jogadores com as autoridades e close no governador. Sim, Ele precisa aparecer, foi Ele quem nos presenteou com esse jogo maravilhoso.
     Comemorem paraenses, soltem fogos. Embriaguem-se nessa alegria efêmera. Quem se importa se esse jogo não teve valor algum, foi apenas um show para enriquecer os organizadores? Quem se importa se a Copa vai acontecer aqui ao lado e teremos que assistir aos jogos, uma vez mais, pela televisão? Vendo isso, tenho a impressão de que pensam que nós, paraenses, somos como aquelas crianças que querem um brinquedo mais caro, mas que devem sempre se contentar com aqueles que nos dão.
     Lá fora somos chamados de índios, e isso nos enfurece. Mas, é só parar para pensar que veremos que, infelizmente, eles têm razão. Nosso comportamento não permite que se diga o contrário. Nossa atitude é a mesma, o que mudaram foram as circunstâncias. Antes vieram aqui e nos distraíram com espelhos enquanto extraiam nossas riquezas. Agora eles nos presenteiam com jogos da seleção enquanto dividem nosso estado e destroem nossa natureza.

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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Realista

     Teus olhos brilharam e isso me enfraqueceu. Era algo novo, desconhecido para mim. Havia emoção em ti, diria que talvez paixão. Minhas palavras fugiram de mim neste instante. Então me abraçastes e teu corpo quente se encaixou tão bem ao meu. Isto contrariou o que para mim era costumeiro. Queria sair dali, mas meu corpo não me obedecia. Então ele deu o último imperativo: meus olhos se fecharam e em teus braços adormeci.
     Foi a melhor noite de sono que tive em muito tempo. Acordei sem saber ao certo onde estava, nem porque aquele sorriso estava em meu rosto. Onde estava o meu mau humor matinal? Que lençóis macios eram aqueles? De quem seria aquele quarto aconchegante? Onde quer que eu esteja uma coisa me veio à mente: quebrei as regras. Na verdade, seria “a regra”. Uma norma pessoal que me mantivera solteiro até então.
     Qual seria essa norma? Bem... acho que já ultrapassamos aquele estágio em que eu deveria ter vergonha de falar sobre mim não é? Pois bem, te direi. Eu jamais dormia em outra cama que não fosse a minha. Não importa onde minha noite começasse, eu saberia que ela acabaria em meu quarto. Seria o momento em que eu encararia o espelho, às vezes orgulhoso por mais uma noite de sexo casual satisfatório; talvez indignado, sentindo o vazio inerente a esse tipo de relacionamento.
     Seja como for, eu sempre acordava da mesma forma: mal humorado, porém disposto para seguir a rotina. E assim minha vida seguiria, não fosse aquela noite de maio em que te conheci. Serias apenas mais uma. Mais uma noite de sexo sem compromisso, sem significado. Contudo, me surpreendestes. Em tudo. E o quando teus olhos brilharam tudo teve sentido. Não era aquele brilho de prazer orgástico que eu costumava ver em outros olhos. Havia verdade, havia desejo, havia algo que eu desconhecia. Não bastasse isso, todos os teus gestos me surpreenderam. Teu abraço carinhoso. A forma como teu corpo pedia ao meu para que ficasse.
     Tive a certeza de que nada era como antes no momento em que você apareceu à porta trazendo o café da manhã. Imaginei estar sonhando. Mas, era real. Tive certeza disso quando fizemos amor uma vez mais. Não preciso dizer que meu dia estava sendo totalmente diferente do habitual. Isso me fez sentir ótimo. E eu queria mais. E mesmo passando a semana inteira contigo, eu julguei ser pouco. É como se na tua ausência o tempo não passasse. E após a noite passada eu tive a certeza.
     Sei que talvez isso soe estranho, mas não quero te assustar. Sinto algo por ti que não consigo definir. Apenas sei que quero estar contigo enquanto eu viver. Quero ver o brilho dos teus olhos até o fim de meus dias. Quero o teu abraço perfeito. Quero adormecer e acordar sabendo que isso tudo é real. Quero casar com você. Você quer casar comigo?
     Ela não respondeu. Apanhou o celular que estava sobre a cama entre os dois e pareceu digitar alguma coisa.
     Aflito, ele insistiu. “Quer casar comigo? Sim ou não?”
    Ela pediu que ele aguardasse um instante. Em seguida respondeu:
     “De fato, suas palavras me soaram verdadeiras. Posso dizer que os momentos que estivemos juntos foram ótimos. Como já haviam me dito, és um excelente amante.”
 
     Ele pareceu não entender as últimas palavras. - “Como assim? Quem lhe disse o que?”
    “É... neste momento preciso ser bastante sincera com você. Você saiu com algumas das minhas amigas e, há mais ou menos um mês, uma delas ficou bastante triste após ter sido usada por você. Elas diziam que você merecia uma lição. Mas, te julgavam à prova de tudo. Foi então que, ao questioná-las, me desafiaram. Na verdade fizemos uma aposta. Eu deveria conseguir manter um relacionamento com você por mais que uma noite. Provar que você poderia se envolver. Mas, acabou sendo melhor do que eu esperava.”
     Ele apenas a observava boquiaberto sem acreditar.
     Ela continuou:
     “Acabei de enviar para as minhas amigas, a gravação de tudo o que você me disse agora, assim como o pedido de casamento. Imagino o quanto elas devem estar se divertindo agora ao escutarem que você caiu tão bem em um orgasmo fingido. Deve ser doloroso para você ouvir isso. Mas, é a vida, o que se pode fazer?”
     Realmente, não havia nada a ser feito. Ele apenas se levantou em silêncio. Olhou-a nos olhos novamente. Os olhos dela ainda brilhavam, mas não como antes. Agora eles não apaixonavam, ofendiam, ironizavam. Ele vestiu suas roupas saiu sem dizer nada. Mesmo porque, o que poderia ser dito?

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Prisioneiro

     “Se eu me arrepender agora, serei perdoado?” – perguntou Marcos.
     “Não tem volta. Sua sentença já foi prolatada. Não existe possibilidade de perdão.” – respondeu o guarda.
     “Ótimo. Mesmo porque, seria inútil me arrepender de um crime que não cometi. Não é mesmo?”
     “Ainda insiste nisso. Cale a boca e me diga logo o que vai querer para sua última refeição.
     “Tudo bem. Quero o feijão que minha mãe fazia. Aquele que eu costumava comer a cinco anos atrás, antes de vocês me prenderem. Mas, espere. Isso agora é impossível, não? Será porque ela faleceu há dois anos e eu sequer pude dar-lhe o último adeus? Enfim, quanta hipocrisia você me oferecer um último desejo vil em troca de tudo aquilo que vocês me roubaram.” – Falou com uma ironia áspera.
     “Dane-se. Daqui a poucas horas você não vai mais poder se lamentar. Tanto faz se sua barriga vai estar cheia ou vazia.”
     Após dizer isso o guarda seguiu pelo longo corredor que separava aquela ala das demais deixando Marcos sozinho. A contar daquele instante, ele tinha pouco mais de 3 horas vida. Como não havia manifestado desejo por uma última refeição, passaria aquele curto tempo com a certeza de não ser incomodado. Mas o que se passa pela cabeça de um homem que sabe que cada segundo é um passo dado rumo ao abismo que o separará para sempre da vida que conhece?
     No caso de Marcos isso pouco importava. Já estava morto há tempos. O que se seguiria seria uma mera formalidade para afirmar a quem duvidava que, de fato, já não havia vida naquele homem. Aquele olhar vazio denotava perfeitamente o desejo de já não existir. O ódio que, a princípio, se apoderara de Marcos, já havia perdido forças e se via vencido pela conformidade. Não havia nada a ser feito. Como pode um homem lutar contra as imposições de quem detém o poder? Impossível.
     Há poucos anos, a vida era diferente para Marcos. Crescera em uma favela da periferia da cidade. Vítimas das contradições sociais, vivenciou de perto os problemas que só afetam às classes baixas. Ainda na infância perdeu o pai vítima de uma bala perdida. Perdeu alguns amigos para o tráfico. Outros para a violência comum das grandes cidades. Todos imaginavam um futuro semelhante para ele. Mas ele queria mais para si. Queria vencer esse mundo injusto do qual era parte.
     Embora fosse de família humilde, ele prometera para si desde o início que um dia seria alguém. Esforçava-se para isso. Um futuro o aguardava na faculdade. Engenharia era o curso escolhido. Seria o primeiro da família a “alcançar o nível superior”. Sua mãe orgulhava-se, afinal, todos a julgavam incapaz de criar um filho, sozinha, depois que ficou viúva. Mas, ela provou o contrário. Aos dezoito anos, Marcos estava no último ano do ensino médio e todos os professores previam um futuro promissor para o rapaz.
     Faltavam dois meses para a prova do vestibular, quando um professor de física ofereceu a Marcos uma bolsa em um dos melhores cursinhos da cidade. O rapaz aceitou sem nem pensar. A mãe, embora orgulhosa, demonstrou receio quanto a tal proposta. Temia que Marcos sofresse algum preconceito por ser de pobre ou, o que era mais fácil, por ser negro. Mas, após muita insistência ela permitiu.
     E veio o primeiro dia de aula. Marcos saiu de sua casa na periferia da cidade e após tomar três conduções conseguiu chegar ao cursinho. O professor o aguardava à entrada do lugar. Talvez porque temia que o porteiro fizesse o rapaz passar por algum constrangimento. Desde a entrada Marcos despertou olhares. Talvez fosse o primeiro negro a adentrar aquele ambiente. As pessoas apontavam para ele e comentavam entre si.
     “Ignore-os. Isso acontece com qualquer novato. Lembre-se porque está aqui. Não deixe que ninguém fique entre você e seus sonhos. Concentre-se nas aulas e tudo dará certo.” – Disse o professor na tentativa de tranqüilizar o aprendiz.
     De fato, Marcos ignorou qualquer recepção hostil e manteve o foco nas aulas. Respondeu a perguntas, tirou dúvidas. Atraiu olhares para si, alguns de admiração, mas muitos de inveja. Após responder uma pergunta, foi presenteado com um livro por um dos professores, como uma espécie de incentivo. A alegria foi tamanha que ao término da aula o rapaz saiu correndo. Queria chegar logo em casa para contar à mãe como foi seu dia.
     Já havia caminhado três quarteirões e estava na metade do caminho até a parada de ônibus quando lembrou que havia esquecido o caderno embaixo de uma das cadeiras. Voltou correndo para apanhá-lo antes que o porteiro fosse embora. Já estava escuro e a rua estava deserta. Quando estava a poucos metros do cursinho ouviu um gemido. Conteve os passos. Olhou para o lado e viu um beco que ficava ao lado de um prédio de luxo. Aproximou-se da entrada e pode ver caído sobre uma pilha de lixo, um rapaz, mais ou menos da sua idade, agonizando ensangüentado.
     Marcos correu para socorrê-lo. Tomou-o nos braços. Em seus últimos suspiros o rapaz se debatia espalhando sangue por toda a roupa de Marcos. Este decidiu correr para pedir ajuda. Correu em direção à saída do beco, mas, antes que chegasse até a rua, uma viatura da polícia parou. Ele tentou alertar aos policiais, mas eles sequer quiseram ouvi-lo. Jogaram-no ao chão e lhe desferiram vários golpes antes de algemá-lo. Enquanto isso, outro policial caminhou até a pilha de lixo e encontrou o outro garoto, já sem vida.
     Marcos foi autuado em flagrante sem qualquer chance de defesa. Enquanto sua mãe não chegou à delegacia, foi torturado por vários policiais que queriam uma confissão. Marcos era inocente, mas só sua mãe acreditava nele. Não havia provas da autoria do crime. Contudo, como o rapaz assassinado era filho de família influente, Marcos permaneceu preso. Entre todo o processo, decorreram três anos desde o ocorrido até o dia do julgamento.
     Chegado o dia, a defesa não havia consegui reunir muitas provas da inocência de Marcos. A acusação, pelo contrário, tinha várias provas. Desde a faca utilizada para esfaquear a vítima, que não continha digitais ou qualquer vestígio que provasse ter sido usada por Marcos; até mesmo um vídeo da câmera de segurança do prédio adjacente ao beco, que mostrava imagens de um rapaz negro mais forte, que trajava uma camisa de cor diferente da que Marcos usava no dia, arrastando a vítima para o beco.
     Por si só, essas provas já invalidavam a acusação contra Marcos. A defesa tentou reafirmar a inocência pedindo para que o vídeo da câmera de segurança fosse adiantado alguns minutos, até o instante que mostrava o verdadeiro assassino saindo do beco e, depois, o momento em que Marcos entrou para ajudar o rapaz. Porém, esses instantes haviam sido apagados. Segundo disseram, a câmera havia dado defeito.
     A defesa não conseguiu nenhuma testemunha. Talvez porque ninguém queria depor a favor do rapaz pobre que não pertencia ao bairro onde o crime aconteceu. Porém, a acusação trouxe várias. Diversos amigos da vítima que alegaram que o jovem assassinado tinha envolvimento com drogas e que devia para traficantes. Alguns chegaram até a apontar Marcos como o traficante. Diante disso, a acusação induziu o tribunal a pensar que tudo era apenas mais um crime de acerto de contas. Que o jovem traficante da favela havia ceifado a vida do pobre rapaz de classe média por uma quantia irrisória qualquer, fruto de uma atividade ilícita.
     Em face de tais argumentos, e do fato de que o juiz havia sido corrompido pela família da vítima, Marcos foi condenado à pena de morte por injeção letal. Esta sentença, cruel e extremamente arbitrária, apenas refletia os traços da sociedade do país do ocorrido. A elite detinha o controle de tudo e sua vontade era perpetuada enquanto seu poder financeiro pudesse arcar com os caprichos dos “poderosos”.
     A defesa tentou recorrer, mas sem sucesso. A condenação foi demais para a mãe de Marcos. Cardíaca, ela acabou passando mal. Uma ambulância levou-a até o hospital, porém, a deficiência do sistema de saúde público acabou por fazê-la sua vítima. Marcos soube a notícia na cadeia. Privado de sua liberdade, ele teve que lamentar em sua cela. A data da execução foi agendada para dois anos após o julgamento. Segundo rumores, porque a família da vítima exigiu tal prazo. Decerto queriam que o rapaz sofresse as mazelas do sistema penal antes de perder a vida.
     E assim Marcos permaneceu padecendo enquanto aguardava sua sentença definitiva. Blasfemava, indagava aos céus o motivo de tamanha injustiça. Mas a revolta logo se desfez. De nada adiantaria. Por mais que quisesse, não podia ir contra o “sistema”. Do rapaz alegre e esperançoso de outrora, já não restava nada. Era apenas um ser vazio, indigno até das coações dos demais presos.
     Marcos olhava as nuvens que apareciam através das grades da cela quando sentiu que alguém chegara à porta da cela. Era o guarda que vinha informa-lhe que seu dia havia chegado. Este lhe explicou o procedimento que seria utilizado, como se saber que dormiria antes de morrer fosse tranqüilizar Marcos. Um breve diálogo se seguiu entre ambos até que Marcos se viu sozinho novamente.
     Em sua solidão ele aguardava o passar do tempo. Já estava preparado para aquele momento desde o dia em que sua mãe havia falecido. Desejava a morte como se ela fosse uma linda virgem a atirçar-lhe a libido. Então as grades se abriram. Era chegado o momento. Caminhou pelo corredor de olhos fechados. Esperava dormir para não mais acordar. Ou então, como ele havia se convencido, acordaria enfim daquele pesadelo. Em instantes abraçaria sua tão amada mãe e esqueceria essa vida. Já não seria mais prisioneiro das injustiças.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Liberdade

     "Eis as provas. Basta abrir o envelope e as duvidas já não habitarão seus pensamentos."  – Disse o detetive, após deixar o envelope sobre a mesa da lanchonete em que se encontrara com Miguel.
     Este observou o pacote por alguns instantes. Em seguida pôs outro envelope sobre a mesa, o qual o detetive apanhou com ligeireza. Ambos abriram os pacotes ao mesmo tempo. As reações foram completamente dispares: o detetive sorria ao conferir as cédulas que retirara de seu envelope; Miguel deixava escapar lágrimas silenciosas enquanto observava calmamente as fotos que retira do seu.
     As imagens eram parecidas. Os mesmo elementos as compunham: o quarto era o mesmo, a mulher também, o homem idem. O elemento distinto de uma foto para outra eram as roupas que os personagens usavam, o que denotava uma sucessão de dias. A mulher era Ângela, esposa de Miguel; o homem Renato, um conhecido do homem que observava as fotos. As imagens eram comprometedoras, a priori mostravam os dois trocando carícias, porém a última fotografia mostrava-os transando sobre a cama.
     Percebendo as lágrimas de Miguel, o Detetive principiou uma frase de consolo, mas bastou um olhar de seu cliente para que percebesse que o melhor que seu silêncio era mais conveniente ao momento. Miguel levantou-se. Deixou sobre a mesa algumas notas para que o outro pagasse a conta e saiu. Seus passos eram firmes, confiantes. Mas as lágrimas insistiam em escapar de seus olhos. Entrou no carro obstinado. Apanhou a arma que estava no porta-luvas, conferiu as balas. Partiu sem pressa rumo ao prédio em que residia.
     Aquela era uma manobra atípica. Miguel deveria estar trabalhando naquele horário. Mas, conseguira a tarde de folga após negociar com seu chefe. Passados três meses de investigações, Miguel enfim tinha certeza. Era esta quem o guiava agora. Se o Detetive não estivesse enganado, aquele era o horário em que os dois costumavam se encontrar. Mais alguns minutos e eles seriam flagrados. Não haveria como argumentar. Miguel ainda vertia lágrimas, mas seu olhar parecia mais sereno.
     Ao chegar, Miguel avistou o carro de Renato parado na vaga de estacionamento do vizinho. Estacionou o carro em sua vaga costumeira. Usaria o elevador, mas preferiu as escadas. Talvez quisesse um pouco mais de tempo para refletir sobre o que faria. As lágrimas já haviam cessado. Apenas a mão esquerda tremia segurando o revólver. Após subir as escadas, Miguel atravessou o corredor que levava ao seu apartamento. Enquanto caminhava, observou a porta do apartamento vizinho e pareceu hesitar. Mas seguiu em frente.
     Assim que entrou na sala de seu apartamento, Miguel notou o som abafado que vinha do quarto. A porta estava fechada, mas ainda assim era possível escutar os gemidos. Ele caminhou até o lugar de onde vinham os sons. A mão que segurava a arma já não tremia. Com a outra mão ele abriu a porta e adentrou rapidamente. O casal foi tomado pelo susto. Os dois o olhavam com a arma em punho. Os gemidos libidinosos de Ângela agora eram substituídos por um choro amedrontado. Renato pedia a Miguel que ele se acalmasse. Ângela tentava, em meio às lágrimas nervosas, esboçar um pedido de perdão.
     O olhar frio e a expressão firme no rosto de Miguel conseguiam ser ainda mais assustadores que a arma que ele tinha em mãos. Renato e Ângela, que outrora partilhavam do prazer, agora dividiam a certeza de que morreriam. Miguel caminhou até a cama onde os dois tremiam envoltos no lençol molhado de suor. O casal fechou os olhos e se abraçou. Morreriam juntos. Esperaram o som dos tiros. Mas tudo o que escutaram foi o “adeus” de Miguel. Abriram os olhos e puderam vê-lo saindo pela porta. Ele havia deixado a arma sobre a cama.
     O casal não entendeu o significado daquilo. Ângela estava estática, temendo que Miguel retornasse para enfim matá-los. Renato imaginava que ele o estaria aguardando para um duelo ou coisa parecida, por isso havia deixado aquela arma. Mas ambos estavam enganados. Miguel jamais voltaria. Após cruzar a porta do quarto, ele trazia um inexplicável sorriso de felicidade no rosto.
     Atravessou o corredor e parou diante da porta do apartamento vizinho. Bateu à porta, ansioso. O homem que a abriu tinha um olhar aflito, que clamava pelas palavras que Miguel tinha a dizer. Mas, antes de dizer qualquer palavra, este lhe beijou os lábios com emoção. Mas o rapaz queria alguma resposta, e só ficou satisfeito quando Miguel sussurrou em seu ouvido:
     “Acabou. Acabou o fingimento. Agora somos livres. Já não preciso viver com ela. Chega dessa farsa. Enfim serei feliz.”
     O rapaz esboçaria ceticismo, mas o brilho no olhar de Miguel não mentia. Ele falava a verdade. Enfim os dois poderiam assumir para o mundo o que há tantos anos escondiam. Miguel já não precisava fingir. A vida de antes ficara para trás. Aquele envelope de fotos fora sua carta de alforria. As lágrimas, o grito silencioso de liberdade. A arma abandonada, o último resquício de uma vida não lhe pertencia. Miguel enfim era livre para viver aquele amor.