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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Liberdade

     "Eis as provas. Basta abrir o envelope e as duvidas já não habitarão seus pensamentos."  – Disse o detetive, após deixar o envelope sobre a mesa da lanchonete em que se encontrara com Miguel.
     Este observou o pacote por alguns instantes. Em seguida pôs outro envelope sobre a mesa, o qual o detetive apanhou com ligeireza. Ambos abriram os pacotes ao mesmo tempo. As reações foram completamente dispares: o detetive sorria ao conferir as cédulas que retirara de seu envelope; Miguel deixava escapar lágrimas silenciosas enquanto observava calmamente as fotos que retira do seu.
     As imagens eram parecidas. Os mesmo elementos as compunham: o quarto era o mesmo, a mulher também, o homem idem. O elemento distinto de uma foto para outra eram as roupas que os personagens usavam, o que denotava uma sucessão de dias. A mulher era Ângela, esposa de Miguel; o homem Renato, um conhecido do homem que observava as fotos. As imagens eram comprometedoras, a priori mostravam os dois trocando carícias, porém a última fotografia mostrava-os transando sobre a cama.
     Percebendo as lágrimas de Miguel, o Detetive principiou uma frase de consolo, mas bastou um olhar de seu cliente para que percebesse que o melhor que seu silêncio era mais conveniente ao momento. Miguel levantou-se. Deixou sobre a mesa algumas notas para que o outro pagasse a conta e saiu. Seus passos eram firmes, confiantes. Mas as lágrimas insistiam em escapar de seus olhos. Entrou no carro obstinado. Apanhou a arma que estava no porta-luvas, conferiu as balas. Partiu sem pressa rumo ao prédio em que residia.
     Aquela era uma manobra atípica. Miguel deveria estar trabalhando naquele horário. Mas, conseguira a tarde de folga após negociar com seu chefe. Passados três meses de investigações, Miguel enfim tinha certeza. Era esta quem o guiava agora. Se o Detetive não estivesse enganado, aquele era o horário em que os dois costumavam se encontrar. Mais alguns minutos e eles seriam flagrados. Não haveria como argumentar. Miguel ainda vertia lágrimas, mas seu olhar parecia mais sereno.
     Ao chegar, Miguel avistou o carro de Renato parado na vaga de estacionamento do vizinho. Estacionou o carro em sua vaga costumeira. Usaria o elevador, mas preferiu as escadas. Talvez quisesse um pouco mais de tempo para refletir sobre o que faria. As lágrimas já haviam cessado. Apenas a mão esquerda tremia segurando o revólver. Após subir as escadas, Miguel atravessou o corredor que levava ao seu apartamento. Enquanto caminhava, observou a porta do apartamento vizinho e pareceu hesitar. Mas seguiu em frente.
     Assim que entrou na sala de seu apartamento, Miguel notou o som abafado que vinha do quarto. A porta estava fechada, mas ainda assim era possível escutar os gemidos. Ele caminhou até o lugar de onde vinham os sons. A mão que segurava a arma já não tremia. Com a outra mão ele abriu a porta e adentrou rapidamente. O casal foi tomado pelo susto. Os dois o olhavam com a arma em punho. Os gemidos libidinosos de Ângela agora eram substituídos por um choro amedrontado. Renato pedia a Miguel que ele se acalmasse. Ângela tentava, em meio às lágrimas nervosas, esboçar um pedido de perdão.
     O olhar frio e a expressão firme no rosto de Miguel conseguiam ser ainda mais assustadores que a arma que ele tinha em mãos. Renato e Ângela, que outrora partilhavam do prazer, agora dividiam a certeza de que morreriam. Miguel caminhou até a cama onde os dois tremiam envoltos no lençol molhado de suor. O casal fechou os olhos e se abraçou. Morreriam juntos. Esperaram o som dos tiros. Mas tudo o que escutaram foi o “adeus” de Miguel. Abriram os olhos e puderam vê-lo saindo pela porta. Ele havia deixado a arma sobre a cama.
     O casal não entendeu o significado daquilo. Ângela estava estática, temendo que Miguel retornasse para enfim matá-los. Renato imaginava que ele o estaria aguardando para um duelo ou coisa parecida, por isso havia deixado aquela arma. Mas ambos estavam enganados. Miguel jamais voltaria. Após cruzar a porta do quarto, ele trazia um inexplicável sorriso de felicidade no rosto.
     Atravessou o corredor e parou diante da porta do apartamento vizinho. Bateu à porta, ansioso. O homem que a abriu tinha um olhar aflito, que clamava pelas palavras que Miguel tinha a dizer. Mas, antes de dizer qualquer palavra, este lhe beijou os lábios com emoção. Mas o rapaz queria alguma resposta, e só ficou satisfeito quando Miguel sussurrou em seu ouvido:
     “Acabou. Acabou o fingimento. Agora somos livres. Já não preciso viver com ela. Chega dessa farsa. Enfim serei feliz.”
     O rapaz esboçaria ceticismo, mas o brilho no olhar de Miguel não mentia. Ele falava a verdade. Enfim os dois poderiam assumir para o mundo o que há tantos anos escondiam. Miguel já não precisava fingir. A vida de antes ficara para trás. Aquele envelope de fotos fora sua carta de alforria. As lágrimas, o grito silencioso de liberdade. A arma abandonada, o último resquício de uma vida não lhe pertencia. Miguel enfim era livre para viver aquele amor.


2 comentários:

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