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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Diálogo

     O sol está a pôr-se no horizonte. As ruas da cidade pulsam com o fluxo incansável das pessoas que retornam para casa. Eduardo segue pela avenida principal apressado, mas não caminha em direção à sua residência. Ele anda mais um pouco e entra em um bar. Está vazio, a não ser por um homem sentado sozinho em uma mesa ao fundo, é Ricardo, que o aguarda. Eduardo caminha até ele. Senta-se à mesa. Os dois se encaram por um instante. Ricardo principia o diálogo:
     Você e esse seu olhar arrogante, te julgas tão superior a mim. Talvez seja isso o que motiva tal ira cega, que te trouxe até aqui em uma tentativa desesperada de entender as razões de tudo o que aconteceu. Poderia permanecer em silêncio deixando que as tuas dúvidas te consumissem e teus pensamentos se desdobrassem e mil hipóteses. Mas, não teria tanta graça assim, prefiro apontar suas falhas e te fazer perceber que és o único responsável pelo ocorrido.
     Não me julgo superior, simplesmente sou. Olhe para si, veja que minha superioridade lhe saltará aos olhos. Não há em ti atrativos como os meus. Aquela que pensas ter tomado de mim, é apenas mais uma dentre tantas outras que partilham de minha cama. Meu erro foi ter dado um pouco mais de atenção a ela do que devia a fiz sentir-se especial. Coitada. Mal sabe que não representa nada. Assim como o que houve entre vocês nada significa para mim. –Responde Eduardo com firmeza.
     Então devo supor que estás aqui por mera vontade de me ver e mensurar nossas diferenças? Acaso é isso mesmo? Afinal, se ela fosse mesmo apenas mais uma como dizes, não haveria razões que te trouxessem até aqui. Aliás, não haveria motivos para este diálogo, que agora parece se estender um pouco mais do que devia. Não sei. Algo me diz que ela possuía certa importância, afinal, um ego sólido não se abalaria por tão pouco. Negas com veemência, mas no fundo sabes que sentes por ela algo além de tua compreensão, que insistes em ignorar para não te sentires vulnerável.
     Pare com estas tolices. Tenho motivos mais contundentes para estar aqui. Pouco me importa o que houve entre vocês. O problema não é comigo, mas sim com ela. Ela é a culpada disso tudo. Fazendo-me passar por tal situação como se um tolo fosse. Trago em mim a certeza de que nada deixei faltar: meus beijos, minhas carícias... o sexo. Em tudo eu sempre satisfiz aquelas que me desejaram. Não vejo onde existam falhas em mim. Logo, só posso supor que o problema é com ela, a culpada por plantar esta dúvida em meu pensar, que me forçou a vir até aqui descobrir qual o problema dela. Não sei por que, mas algo me diz que deves saber isso. – Redarguiu Eduardo.
     É bem pior do que eu havia suposto. Padeces daquela cegueira voraz que acomete os que se deixam dominar pelo próprio ego. Nenhuma falha te salta aos olhos, a não ser as alheias. Culpá-la não é uma atitude nobre. Denota teu desejo de eximir-se de um crime que sabes ter cometido. Mas, como sei que não chegarás a tal conclusão sozinho, devo dizer-te com clareza que ela não tem qualquer problema. O único problema reside em ti.
     Acaso achas que deixarei que tuas palavras inflamem a infeliz dúvida que trago comigo? Sei que não fiz nada de errado, apenas quero a confirmação disso. Não deixei faltar aquilo que ela me pedia com palavras, ou simplesmente com o corpo. Por diversas noites vi o prazer desenhar naqueles olhos, e ouvi seus sussurros chamarem por meu nome. Porém, há algum tempo cessaram, como se eu já não a satisfizesse. Mas em nada mudei. Então, só posso concluir que foi ela quem mudou.
     A cada palavra que dizes vejo o quão digno de pena és. Decerto pensas que só de carícias e prazer vive uma mulher? Que podes responder a todas as perguntas com uma única resposta? Enganas-te. Imagino que, em um primeiro momento, era suficiente para ela. Mas em pouco tempo teus encantos evaporaram, se perderam sem que te desses conta. Foi então que ela veio até mim. Pois sabia que eu tinha o que ela precisava, o que você jamais poderia dar. – Afirmava Ricardo com serenidade.
     E há pouco dizia que eu sou egocêntrico. Vejo que teu ego também sabe falar por ti. Mas diga-me, o que deixei faltar? Se é que deixei. – Indagou Eduardo. Era possível ver a aflição em seu olhar.
     Não é meu ego que se manifesta neste momento. Digo-te com plena lucidez que não sabes tanto quanto pensas. Quando ela veio a ti, tinha consigo a carência física, que soubestes suprir com as carícias que de tanto falastes. Mas em pouco tempo estas cessaram, então surgiram outras sedes que não soubestes saciar. Deves lembrar aqueles dias que ela vinha a ti em silêncio e olhava em teus olhos. Tentavas o gesto costumeiro, mas ela te rejeitava. Não por não te desejar, mas sim porque há dias em que uma mulher apenas quer tua atenção, desejando que a abraces forte e faça-a sentir-se segura, protegida, que a faça perceber que estarás sempre ao seu lado.
     Em outros dias, ela parecia não se importar com o que fazias e, como não a compreendias, partias para os braços de outras, deixando-a solitária. Nesses dias, ela estava a testar teu amor, tentando saber se é correspondida por ti e, novamente, falhastes. Por vezes ela veio até você querendo expor o que sentia, mas a ignorastes e uma vez mais a deixastes sozinha. Eis mais um erro teu. Há dias em que uma mulher apenas quer ser ouvida, não importa se concordas ou não com o que ela diz, apenas ouça o que ela tem para dizer e ela te devotará seu amor.
     E foi ela quem te relatou tudo isso? – Indagou Eduardo com o desânimo típico de quem percebe que errou.
     Vejo que teu olhar já não tem o mesmo brilho arrogante de outrora. Mas não, ela não me contou nada, sequer mencionava teu nome quando comigo estava, diria que esquecia você completamente. Mas é fácil adivinhar quais foram teus atos. Como? É simples, nestes dias em que tu falhaste, ela veio até mim e eu sabia exatamente o que ela procurava. Sabia como satisfazê-la sem que ela precisasse me dizer uma palavra sequer. Veja que a beleza que ostentas foi inútil nestes momentos. Mas não se culpe não se pode ter tudo. E ela já não podes ter, pois aquele amor que um dia ela quis entregar a ti, já me pertence, e dele farei bom proveito, de um jeito que tu jamais faria.
     Eduardo encarou-o fixamente por alguns instantes. Parecia processar ainda aquelas palavras. Engoliu seco. Pôs a cabeça entre as mãos e ficou em silêncio. Ricardo nada mais disse. Apenas retirou-se, deixando-o sozinho. Mas, enquanto se levantava, pôde ver as lágrimas que escorriam pelas mãos daquele belo homem que há pouco ostentava sua superioridade inabalável. Elas representavam a dor de quem descobre que não era tudo o que pensava ser.
                        

Fonte imagem: http://www.zun.com.br/fotos/2011/07/Prometer-e-n%C3%A3o-cumprir.jpg

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