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domingo, 8 de março de 2020

E(u)stória


Durante muito tempo, acreditei na ilusão de que eu era a protagonista, o fio condutor de uma trama elaborada, sobre a qual não me cabia qualquer tipo de controle, senão aquele relativo às escolhas cotidianas, quase todas triviais. Acreditava que tudo dependia do meu misancene para com os demais personagens, como se caminhássemos em linha reta rumo a um lugar comum, como formigas operárias que apenas seguem, irrefletidamente, optando aqui e ali por um caminho diferente, mas que não desvia muito do destino final. Porém, eu estava errada. Não somos engrenagens de um grande mecanismo, vivendo apenas para auxiliar em seu movimento. Eu, pelo menos, não o sou. Já não me reconheço assim.

A verdade é que não sou, nem nunca fui, protagonista da estória. Eu sou a estória. Sou a narrativa em construção, pulsando em orações, que às vezes se confundem com preces, é verdade, mas que se combinam para compor o significado de meus atos. Sou a liberdade da mão livre, que corre pelo alvo papel da vida, deixando minha marca à minha maneira, me impondo, mesmo quando algo tenta me impedir, estancar minha escrita.

Porém, até hoje, ninguém conseguiu. E não foram poucas as vezes que quiseram. Tentaram até me segurar, mas não parei. Foram linhas em que a letra não saiu tão bela como de costume, em que precisei abreviar palavras, ocultar sujeitos, mas em que fui capaz, por fim, de vencer, escrever, e passar minha mensagem. Não para o mundo. Para mim. Pois escrevo para mim mesma. Não preciso de leitor para me sentir completa. Minha mensagem me basta e, se vier admirar este conto que ainda está por se desenrolar, saiba apreciar, pois não me pretendo resumir em poucas páginas. Não que seja prolixa. É que é difícil converter em palavras o que sou e o que quero ser. Por isso escrevo sem pressa, sem um destinatário que não eu mesma.

Sou arte mulher, minha própria poesia. Se rimo, é entre risos, ao natural, como costumam ser as belas coisas. Tampouco me obrigo a enquadrar em métricas para agradar ninguém. A sociedade diz, é verdade, que nós devemos ser todas versos monossilábicos, que mostram/dizem pouco, e guardam o seu melhor para si. Mas, sabemos que os tempos são outros, e ninguém merece ficar se economizando para caber na forma. É certo que há ainda quem concorde, se desdobre e se minimize para viver essa loucura. Desse mal não sofro. Digo o que tenho que dizer, faço a minha cena, pinto os meus cenários. E sei que, quem me lê, se não se apaixona, admira. Sei meu valor literário, meu caro. Sou mais um poema épico sendo escrito nesse mundo contemporâneo, onde heroínas travam batalhas sem ter um bardo que as exalte por aí. O mundo é assim, para nós, mulheres.

Eis-me, então: verbo, verso, canção. Quer mais? Te digo, pois, que sou uma amálgama de adjetivos que vão muito além destes todos que preenchem a tua visão. Há tanto oculto, que não revelo, nem quero revelar. Meus tesouros, os tenho para mim. Não, não sou egoísta. Apenas me preservo. Mas não tome isso por trauma. Não seja assim tão leviano, senão, me arrependo, e deixo de te entregar minhas entrelinhas. Perceba seu privilégio, por ter chegado até aqui. A maioria das pessoas somente enxerga e se encanta pela magia. São bem poucos os que são convidados até os bastidores, para entenderem como tudo funciona. Menor ainda é o número daqueles que conseguem perceber a beleza por trás dos segredos. Como disse, não sou para qualquer um. Não quero um ávido leitor, tampouco o desleixado que só se entrega a notas curtas de jornal. Mas, é preciso estar disposto a ler e compreender tudo sem pressa. Pois é nas entrelinhas que me revelo e me oculto. É nesse jogo que vou te ganhar, ou podes me perder.

Já disse demais. Não pense que vou entregar tudo assim, extremamente bem explicado. Parte da aventura está na descoberta, no que se aprende sozinho. Apreenda-me, se puder. Não seja ingênuo de pensar que minhas vontades irão interfirir nesse processo. O tempo me fez discernir entre o que é mera vontade, e o que é de fato bom para mim. Não se engane: eu me conheço melhor que você. Sou lâmina forjada no calor frio do tempo, temperada por minhas vivências. Já lutei batalhas que sequer podes imaginar. Se me tiver ao seu lado, esteja certo que qualquer luta será mais fácil. Porém, jamais ouse tentar, de algum modo, limitar minha narrativa. Como te disse, não sou personagem, sou estória. Se eu sentir que preciso, te apago entre uma linha e outra, e sigo minha escrita, como se nada tivesse acontecido, sem sequer tremer a letra.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Como que não?

Foi amor!
Como que não?
Amor turbilhão.
Fuga fugaz.
Devaneio tangível.
Furor perigoso.
Um desgovernar-me gostoso.
Gozo e riso e prosa.
De tudo despidos.
Paixão de pólvora,
Que explode
Sem avisar,
Sem estampidos,
Pra eu juntar os cacos
Depois.
Fantasia a dois.
Veloz. Voraz.
Uma vez.
Nunca mais.
Culpa do tempo,
Da lonjura.
Da minha alma
Tão insegura,
Qu'escondeu meu coração,
E te deixou só
No meu peito
A entoar nossa canção.
Foi amor!
Como que não?

r.h.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Timidez

Timidez

Deixo, agora, para depois
Em verdade, não o direi.
Eu bem que sei.
O silêncio sempre vence.
Com força. Com frequência.
C'est la vie. Paciência.
Aprenderei, um dia,
Talvez, como domar
Minha arredia timidez.
Então, serei loquaz. 
Verás. Não só em palavras,
Mas em sorrisos, olhares.
Lançarei aos ares
As ressequidas folhas
Onde escrevi e guardei
Meus desejos. Serei
Meu próprio arauto. Enfim,
Falarei por mim e
Por meus anseios.
Farei reais meus 
Devaneios. 
Não duvide, pois,
Um dia, o farei. 
Hoje não. 
Um dia.
Talvez. 
Em verdade, não sei.
Ah, timidez...

r.h.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Desnudamento

Foi se acercando assim,
Aos poucos, à luz do dia,
Assenhoreando-se de mim.
Paciente, aos punhados,
E eu sequer percebia.
Mas, abdicou dos cuidados,
Quando me teve, por fim.

Ao me ver em suas mãos,
Foi me despindo sem pressa.
Ignorando os meus "nãos",
Fez-se, de mim, vil tirano,
Quebrando cada promessa
E voto de amor. Leviano,
Ignorava meus apelos, vãos.

Primeiro foram os amigos
Desnecessários acessórios,
Dizia. Bastávamo-nos.
Do contrário, amor não seria.
Era ardil e, decerto, sabia
Que os olhares alheios
Me alertariam dos perigos.

Tirou-me os sonhos, depois.
"Tão extravagantes", dizia.
Dissimulou, olhando-me no olhar.
Voz meiga, de quem diz amar,
Com frase sagaz, repetia:
Já não precisas sonhar,
Eu o farei por nós dois.

Então, ofuscou-me a beleza:
Com frio cinismo, criticava
Minhas maquiagens e batons.
Dizia que apenas o seu olhar
Enxergava meus belos tons,
Que só ele podia apreciar
Minhas dádivas da natureza.

Por fim, arrancou-me o riso.
Levou consigo os motivos,
E deixou-o aos pedaços ao chão.
Justificou-se: "foi preciso!".
Depois veio pedir perdão.
Mas eu já não existia. Era
Só um mar de atos passivos.

Quando me viu desprovida,
De sonhos, de beleza, de tudo,
Pôs-se a olhar o horizonte,
Buscando outra luz inocente.
Culpando a mim, por sua partida,
Às escondidas, ergueu outra ponte,
E, sem adeus, saiu da minha vida.

r.h.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Versopérfluo

Versopérfluo

Pediu-me versos,
Sorrindo, faceira.
Como se versejar
Fosse brincadeira.

Pediu-me versos,
Dando a forma e a cor,
Como se pedisse um desenho:
"Um poema, por favor?"

Pediu-me versos.
E eu lhe faria centenas,
Tendo o seu olhar
E o seu sorriso por mecenas.

Pediu-me versos.
Mas, pensar, não pude.
Perdi-me em seu olhar,
Seu sorriso, sua infinitude 

Pediu-me versos,
Sem ver que eu emudeci,
Que os versos jamais teria,
Pois já tinha o poeta para si.

r.h.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Ser(mos)

Ser(mos)

Era sutil, singelo,
Entre mesuras.
Vontade em rédeas.
Que ao libertar-se
Engendrou o elo,
Despiu-nos de armaduras.

Então, é assim:
Carnal; humano;
Insano(?); Intenso.
Sem pensar no fim,
Desnudando o tempo
Em nosso consenso.

Sejamos, pois, desejos,
Olhos em confluência,
E palavras breves.
Silenciosa eloquência,
Entrecortada por
Unhas; dentes; beijos.

Que seremos, por fim?
Personificação da liberdade.
Tudo o que quisermos ser.
Um momento, uma eternidade?
O veredito de um querer,
Escrito por você e por mim.

r.h.


terça-feira, 11 de junho de 2019

Desquerença

Desquerença

Displicente, o vento
Espalha pelo ar
As cinzas despedaçadas
De um querer passado,
Pretérito perfeito,
Que há pouco se desfez,
Em meio ao silêncio
Do embate entre teu ego
E esse amor que tenho,
De mim, por mim mesma.
Venceste? Perdi?
O referencial define.
As portas, abertas, seguem,
Porém, para mim.
Enquanto tu te fechas,
Ensimesmando-se. Insular.
Singular. Solitário.
Liberto-me(te) nestes versos.
Só não venha, contudo,
Amanhã, ou depois,
Indagar sem saber,
Sobre este querer,
De vestígios dispersos,
Que atendia por teu nome.

r.h.