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quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Como que não?

Foi amor!
Como que não?
Amor turbilhão.
Fuga fugaz.
Devaneio tangível.
Furor perigoso.
Um desgovernar-me gostoso.
Gozo e riso e prosa.
De tudo despidos.
Paixão de pólvora,
Que explode
Sem avisar,
Sem estampidos,
Pra eu juntar os cacos
Depois.
Fantasia a dois.
Veloz. Voraz.
Uma vez.
Nunca mais.
Culpa do tempo,
Da lonjura.
Da minha alma
Tão insegura,
Qu'escondeu meu coração,
E te deixou só
No meu peito
A entoar nossa canção.
Foi amor!
Como que não?

r.h.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Timidez

Timidez

Deixo, agora, para depois
Em verdade, não o direi.
Eu bem que sei.
O silêncio sempre vence.
Com força. Com frequência.
C'est la vie. Paciência.
Aprenderei, um dia,
Talvez, como domar
Minha arredia timidez.
Então, serei loquaz. 
Verás. Não só em palavras,
Mas em sorrisos, olhares.
Lançarei aos ares
As ressequidas folhas
Onde escrevi e guardei
Meus desejos. Serei
Meu próprio arauto. Enfim,
Falarei por mim e
Por meus anseios.
Farei reais meus 
Devaneios. 
Não duvide, pois,
Um dia, o farei. 
Hoje não. 
Um dia.
Talvez. 
Em verdade, não sei.
Ah, timidez...

r.h.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Desnudamento

Foi se acercando assim,
Aos poucos, à luz do dia,
Assenhoreando-se de mim.
Paciente, aos punhados,
E eu sequer percebia.
Mas, abdicou dos cuidados,
Quando me teve, por fim.

Ao me ver em suas mãos,
Foi me despindo sem pressa.
Ignorando os meus "nãos",
Fez-se, de mim, vil tirano,
Quebrando cada promessa
E voto de amor. Leviano,
Ignorava meus apelos, vãos.

Primeiro foram os amigos
Desnecessários acessórios,
Dizia. Bastávamo-nos.
Do contrário, amor não seria.
Era ardil e, decerto, sabia
Que os olhares alheios
Me alertariam dos perigos.

Tirou-me os sonhos, depois.
"Tão extravagantes", dizia.
Dissimulou, olhando-me no olhar.
Voz meiga, de quem diz amar,
Com frase sagaz, repetia:
Já não precisas sonhar,
Eu o farei por nós dois.

Então, ofuscou-me a beleza:
Com frio cinismo, criticava
Minhas maquiagens e batons.
Dizia que apenas o seu olhar
Enxergava meus belos tons,
Que só ele podia apreciar
Minhas dádivas da natureza.

Por fim, arrancou-me o riso.
Levou consigo os motivos,
E deixou-o aos pedaços ao chão.
Justificou-se: "foi preciso!".
Depois veio pedir perdão.
Mas eu já não existia. Era
Só um mar de atos passivos.

Quando me viu desprovida,
De sonhos, de beleza, de tudo,
Pôs-se a olhar o horizonte,
Buscando outra luz inocente.
Culpando a mim, por sua partida,
Às escondidas, ergueu outra ponte,
E, sem adeus, saiu da minha vida.

r.h.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Versopérfluo

Versopérfluo

Pediu-me versos,
Sorrindo, faceira.
Como se versejar
Fosse brincadeira.

Pediu-me versos,
Dando a forma e a cor,
Como se pedisse um desenho:
"Um poema, por favor?"

Pediu-me versos.
E eu lhe faria centenas,
Tendo o seu olhar
E o seu sorriso por mecenas.

Pediu-me versos.
Mas, pensar, não pude.
Perdi-me em seu olhar,
Seu sorriso, sua infinitude 

Pediu-me versos,
Sem ver que eu emudeci,
Que os versos jamais teria,
Pois já tinha o poeta para si.

r.h.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Ser(mos)

Ser(mos)

Era sutil, singelo,
Entre mesuras.
Vontade em rédeas.
Que ao libertar-se
Engendrou o elo,
Despiu-nos de armaduras.

Então, é assim:
Carnal; humano;
Insano(?); Intenso.
Sem pensar no fim,
Desnudando o tempo
Em nosso consenso.

Sejamos, pois, desejos,
Olhos em confluência,
E palavras breves.
Silenciosa eloquência,
Entrecortada por
Unhas; dentes; beijos.

Que seremos, por fim?
Personificação da liberdade.
Tudo o que quisermos ser.
Um momento, uma eternidade?
O veredito de um querer,
Escrito por você e por mim.

r.h.


terça-feira, 11 de junho de 2019

Desquerença

Desquerença

Displicente, o vento
Espalha pelo ar
As cinzas despedaçadas
De um querer passado,
Pretérito perfeito,
Que há pouco se desfez,
Em meio ao silêncio
Do embate entre teu ego
E esse amor que tenho,
De mim, por mim mesma.
Venceste? Perdi?
O referencial define.
As portas, abertas, seguem,
Porém, para mim.
Enquanto tu te fechas,
Ensimesmando-se. Insular.
Singular. Solitário.
Liberto-me(te) nestes versos.
Só não venha, contudo,
Amanhã, ou depois,
Indagar sem saber,
Sobre este querer,
De vestígios dispersos,
Que atendia por teu nome.

r.h.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Descoberta

     A madrugada caminha pelas ruas silenciosas. Uma chuva fina se precipita sobre os telhados, mas ali, onde estão, tudo o que se pode ouvir são os sons que produzem: gemidos, sussurros, o farfalhar os lençóis, e o som característico produzido pelo choque dos corpos úmidos de suor, um contra o outro. Os movimentos quase que sincronizados denotam a sintonia que rege aquele momento. A iluminação é parca, e parte de um único ponto, situado em um dos cantos da cama. Não há muita claridade, mas é possível a ambos enxergar o prazer que se desenha na face um do outro. Na parede oposta, a sombra de uma silhueta se projeta, repetindo com exatidão cada movimento feito. O contorno dos seios permitiria a um observador externo identificar que é ela quem está por cima, incessante, incansável. Insaciável.

     O prazer se intensifica, assim como as carícias. Sem que percebamos, beijos se convertem em mordidas, afagos em arranhões. Os sons adquirem timbres mais intensos. Mesmo o tempo parece adquirir um ritmo diferenciado. Os minutos correm como se segundos fossem, naquela redoma lúbrica que encerra os dois. Ela detém o controle da situação, e abusa de sua condição de poder. Embora não esteja indiferente à satisfação que sabe causar, parece muito mais comprometida com o próprio prazer. De olhos fechados, contorce o quadril em um requebrar incerto, como se estivesse em uma constante busca por um ângulo exato, que se perde tão logo é encontrado. Mas, tão logo seus olhos se abrem, ela avança voraz. Encara-me com olhar de esfinge indomável, como que dizendo “decifra-me e eu te devoro”, num tom de ameaça que mais parece um alerta sobre o inevitável.

     Este olhar ferino alcança-me os olhos com tons de provocação, desafiando-me os gestos. Imersos naquela atmosfera particular, prescindíveis se tornam as palavras. Muito é dito em uma fração de segundos em que nossos olhares se encontram. Ela, então, engue parte do corpo, permitindo que a luz se projete sobre seu colo, para que eu contemple o movimentar de seus seios. Em uma agitação de cabeça, atira os cabelos para trás, e seu rosto também se ilumina. Olhos fechados e um morder de lábios que denota a intensidade do momento. É tudo o que vejo. Não resisto. À meia luz, num movimento rápido de baixo para cima, a mão espalmada corta o ar e vai ao encontro daquele rosto. O som do tapa ressoa, prevalecendo sobre todos os demais, que silenciam quase que instantaneamente. Igualmente, cessam os movimentos. O silêncio invade o quarto, e o tempo se distorce, uma vez mais. Porém, agora, os segundos se convertem minutos, enquanto a situação não se define. A sensação é de que, mesmo o planeta, interrompeu seu movimento, após meu gesto vil.

     Em silêncio, ela fica imóvel, com a face oculta pelos cabelos, que se precipitaram novamente sobre o rosto, após o tapa. Eis a imagem que tenho diante de meus olhos. “Exagerei?!”, é a primeira indagação em tom de afirmação que, mudo, faço a mim mesmo. “Cedo demais!”, diz-me a consciência. Parcela significativa de minha autoconfiança se vê em xeque, ante a possibilidade de haver lançado ao vento todo o prazer alcançado até ali. Ainda assim, não me arrependo, afinal, desejara fazer aquilo desde o princípio. Mas, havia me controlado tanto quanto possível, ante o temor de assustá-la. Entretanto, há sempre um ponto em que o desejo se liberta. “Talvez eu devesse ter sido mais forte, aguardado mais alguns encontros”, dialoga comigo, minha consciência tardia. Nem sempre as formas de prazer são compatíveis, afinal.

     Estes pensamentos me assaltam em uma fração de segundo. Porém, antes que possa chegar a uma resposta, sou surpreendido por um movimento dela. Como se despertasse de um transe, ela se volta para frente, e a fraca luz ilumina novamente o seu rosto. Eu a acompanho com o olhar atônito, ansiando por uma palavra que seja. Ela, porém, não me olha nos olhos. Mantém o olhar fixo, em um ponto na parede atrás da cama, onde há um espelho. Percebo que está a encarar o próprio reflexo. Ela, então, parece se entregar aos próprios pensamentos, durante cerca de cinco ou seis segundos. Uma verdadeira eternidade. É um momento de pura introspecção, como se eu sequer existisse. Ainda sem entender, permaneço imóvel sob ela, aguardando uma resolução para aquela situação.

     Sutilmente, ela comprime o olhar, como se buscasse afiar as lâminas do pensamento, para esculpir melhor uma conclusão. Por fim, desperta. Calmamente, direciona os olhos ao encontro dos meus. Tento dissimular minha apreensão com tudo aquilo. Mas, sinto que fracasso. Ela, porém, nada diz. Esboça um sorriso no canto da boca, e retoma seus movimentos aos poucos. Logo, retorna ao ritmo em que estava, parecendo sentir tudo na mesma intensidade, como se nada tivesse acontecido. Embora eu não tenha a mínima ideia de qual linha de pensamento a conduziu até a retomada do sexo, igualmente também nada digo. Simplesmente, embarco uma vez mais naquele momento, e volto minha atenção unicamente à tessitura daquele êxtase a dois.

     Entretanto, não sou capaz de evitar que, em algum lugar da minha mente, ecoem questionamentos sobre o que se passou. Isto acontece, tão logo me sinto novamente tentado a dar um novo tapa naquele rosto. “Será que posso? Terá ela gostado, ou somente deixou passar, para não acabar com a nossa noite?”, questiono a mim mesmo, enquanto observo a luz refletida em seu rosto. No entanto, uma vez mais, sou surpreendido: sem cessar seus movimentos, ela me lança um novo olhar voraz e, em um misto de sussurro e gemido, deixa escapar por entre um sorriso devasso: “Me bate de novo!”. Então, já não há dúvidas. Somente ela e eu, em nossa redoma.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Postulado

Eis-me. Olha-me.
Apreende-me. 
Mas não ouse,
Jamais, tentar
Em tuas caixas
Me encaixar.
Se sou ou estou,
Nunca saberás.
Mesmo eu,
Não o sei.
Vivo os passos,
Um por um.
Saboreio lições.
Componho-me
Dia após dia.
Pouco, porém,
Permanente é.
Minha verdade,
Meu eu-essência,
Reduz-se à uma só
Simplicidade:
Não dissimulo
Meus quereres.
As rédeas de mim
A eles entrego.
Se desejo, digo,
Trabalho, luto. 
A vida é breve.
Meu querer, não.
É meu senhor:
Me ordena e
Açoita. Tirano.
Infinito. Sagrado.

r.h.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Assassinato

Ainda ontem te matei.
Em verso. Em mim.
Meu exorcismo-batismo,
Em lágrimas e tinta.
Renasci.
Caneta a lacerar o papel,
Verbo(hemo)rragia
Escorrendo azul.
 Memórias borradas
 Na pressa ofegante.
 Mão trêmula, mas,
 Vacilante, jamais.
 Gritos livres,
Sem rima,
 Que só eu ouvia.
 Cada vez mais distantes,
 Abafados
 Em minha mente.
 O soluçar da liberdade,
Enfim.
 Riso incrédulo e,
 Após o ponto final,
 Recordações incineradas,
Dispersando-te pelo ar
 Em fumaça e adeus.
 Hoje te vejo,
 Mas já não vives
 Em mim.
Fim.

r.h.

terça-feira, 16 de abril de 2019

Pragmatismo

Pragmatismo

Matou-me os versos
O vil pragmatismo.
Maculou-me a pena.
Ingênua, minha arte
Se entregou aos
Quereres e anseios.
Devaneios sórdidos
De meus apetites.
E minhas palavras,
Rendidas, silenciaram,
Sem eu perceber.
Diziam, mas sem dizer.
Eram só som e imagem.
Literalidade esvaziada,
De metáforas e vida.
Frases dispersas,
Arremedos de estrofe.
Foi quando morri
Enquanto fingidor.
Tornei-me um qualquer,
Padecendo apenas
De dores próprias.
Sem saber sentir.
Sem-sibilidade.

r.h.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Navegante

Navegante

Lancei-me ao mar
Das vicissitudes.
Mergulhei, amiúde,
Em doces devaneios,
Na volúvel volúpia
De meus anseios.
Insaciáveis. Insólitos.
Naveguei a nado,
Guiado pelo querer,
Enquanto o tempo
Caminhava sobre
As águas solitárias.
Após muito marear,
Por fim, me acostumei.
A acostar no prazer.
Aportar em (a)braços
(Des)conhecidos.
A sorrir nas partidas,
Oceanos cruzar
Sem pretensões de
Ancorar.

Insular. 
Assim, me descobri.
Meus tesouros
Ocultos da superfície.
Invisíveis a
Olhares apressados,
Sob minhas areias
Guardados.
Sem mapas, porém
Entregues, pois,
Ao acaso, e a quem
Ele digno julgar.
Sempre sem pressa.
Sigo a navegar.
Rumo aos sonhos
E ao desconhecido.
A veredas onde o sol,
Só, se esconde.
O horizonte é só
Uma linha, afinal.
Sobre a qual,
Escreverei meu nome.

r.h.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Artesões

Artesões

Nus. Lençóis.
Suor. Um só.
Nosso. Nós
Atados.
Calor e pele.
Amalgamados.
Pelos pelos,
Sensações.

Palpitações.
Suspiros.
Às mãos,
Cabelos.
Aos ouvidos,
Apelos. Vãos
Sussurrados.
Provocações.

Lábios e corpos
A tecer
Sutis fios
De prazer.
Num novelo,
Enrolados,
Desvarios e
Emoções.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Concerto a dois

Em uma das mãos
Meus cabelos
Na outra, o lençol
Contorcido. Úmido.
Em meu paladar
Tua seiva-mel.
Escorrendo suave
Pelos lábios nossos.
Tu, sinfonia regida.
Susssuros, suspiros.
Sons. Seus somente. 
Minha língua a bailar,
Sem perder a batuta.
Atiçando-te. E a mim,
Nos cinco sentidos.
Nós, convenientemente,
Atados. Excitados.
Num beijo infindável.
Molhado. Como você!
Ao sabor do tempo
E ao teu.
Doce e viciante.