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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Feche os olhos!


“Feche os olhos!”

A frase atravessou a penumbra feito flecha, como que atirada em direção àqueles ouvidos.

“Feche os olhos!”

A despeito do que a exclamação fazia supor, não se tratava de uma ordem. Nem toda exclamação é tirana, a determinar, exigir. O tom doce com que fora sussurrada, denotava a intenção subjacente, o seu caráter de pedido. Desejo revelado, manifesto em três palavras curtas, componentes fiéis de uma simples frase.

“Feche os olhos!”

Eis o som que ecoou baixinho pelo curto espaço que separava os dois corpos. A fração de distância entre os súplices lábios, e orelha delicada, outrora comprimida entre dentes, por carinho que pareceria asselvajado a olhares alheios, mas que se fazia perfeitamente pertinente naquela lúbrica atmosfera.

“Feche os olhos!”

Embora soasse simples o pedido, não o era. Difícil enumerar os pudores que já haviam sido abdicados até ali. Um vasto mar de pré-conceitos nutridos por toda uma vida, barreiras físicas e morais, lançadas ao ar em prol de um desejo irrefreável e, tal qual o seu objeto, desconhecido. 

Despira-se, pois, de roupas e concepções, para estar ali, submergindo em sensações inéditas, ignotas durante as quase três décadas de vida. Jamais se permitira intrepidez tamanha. Parcela de si queria pensar nas consequências, mas o restante era todo a crença de que daquela experiência surgiria uma pessoa diferente.

“Feche os olhos!”

Por um instante, se viu tomada de assalto pelas memórias pouco desbotadas de um passado não tão distante. “Devo confiar?”, indagava de si para si. Uma alma traída tende a agarrar-se a cautelas, buscando defender-se. Conquanto o que se pedisse não fosse amor e devoção eternos, sabia que aquilo poderia ser um passo rumo a um novo abismo, ou a um paraíso idílico. Mas o temor de cair era maior que antes.

“Feche os olhos!”

O eco do sussurro sibilou em sua mente, naquela fração de segundo em que tentava em vão calcular as consequências vindouras, caso cedesse ao ímpeto alheio. Quis argumentar, mas sentiu que somente daria voz ao resquício de pudor que persistia em si. Ansiando por libertar-se, apenas assentiu com a cabeça em silêncio, e cerrou as pálpebras lentamente.


Fechados os olhos, se viu dominar por um misto de ansiedade, receio e excitação. Os pensamentos oscilavam em um caleidoscópio de projeções controversas do que aconteceria a partir de então. Os corpos já não se tocavam, mas era possível ouvir o som do deslizar sobre o lençol da cama, era capaz de sentir que algo estava sendo preparado, com minúcia, sem pressa, qual o artista que se organiza para trazer ao mundo o fruto de suas inspirações.

Então, os movimentos cessaram. E tudo se fez silêncio. E escuridão. Era capaz de ouvir o ar entrando e saindo com certa pressa de si. “Estou só?”, questionou silente. Como resposta, sentiu o ar quente de um suspiro, seguido do encontro úmido entre língua e lábios. Antes que pudesse esboçar reação, sobrevieram toques, dedos, mãos. E tudo se resumiu a espasmos, e suspiros, e sorrisos involuntários.

Inconscientemente, pôs à prova a resistência dos lençóis, quando agarrou-os entre os dedos de ambas as mãos, e puxou com força, extravasando o prazer que sentia, que já não cabia em si, e transbordava convertendo-se em gemidos, suspiros, e em uma sucessão de movimentos, a priori descoordenados, mas que apresentavam agradável coerência, ao olhar satisfeito do responsável por aquela miríade de sensações.

Na realidade de prazer em que imergira, o tempo se distorcia, como se segundos e minutos se confundissem, conforme o prazer oscilava. De igual modo, era capaz de extrair uma sensação doce do modo irregular com que respirava, ora sufocando, ora sendo inundada por um ar quente, que vinha apenas para atiçar seu coração em brasas.

A despeito do clichê, sentiu seu corpo insuficiente para comportar tantas sensações, como fosse um vulcão em plena atividade. Respirou fundo e sentiu eu o ar precisava deixar seu corpo em erupção. E assim o fez. Suspirou forte, e de repente tudo foi silêncio e satisfação.

Abriu os olhos, e já era dia. Olhou para os lados. Deparou-se apenas com os móveis. A porta seguia trancada por dentro. Os lençóis revoltos seriam o único vestígio visível. Não fosse pela janela entreaberta, que fazia com que o ar entrasse, embalando as cortinas sob os raios do sol matinal.

“Foi um sonho?”, indagou em voz alta.

O questionamento ecoou por sua mente. Seu corpo atestava que as sensações haviam sido reais. Mas, nada lhe dava provas. Em meio às dúvidas, o despertador tocou. Eram 7:00. Não havia tempo para pensar, era preciso abraçar a rotina novamente. Porém, em sua mente, restava uma ponta de frustração. Confiara uma vez mais. Novamente, fora traída?


Fonte imagem: http://vamosfalarde.com.br/wp-content/uploads/2017/10/Olhos-fechados.jpg