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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Desnudamento

Foi se acercando assim,
Aos poucos, à luz do dia,
Assenhoreando-se de mim.
Paciente, aos punhados,
E eu sequer percebia.
Mas, abdicou dos cuidados,
Quando me teve, por fim.

Ao me ver em suas mãos,
Foi me despindo sem pressa.
Ignorando os meus "nãos",
Fez-se, de mim, vil tirano,
Quebrando cada promessa
E voto de amor. Leviano,
Ignorava meus apelos, vãos.

Primeiro foram os amigos
Desnecessários acessórios,
Dizia. Bastávamo-nos.
Do contrário, amor não seria.
Era ardil e, decerto, sabia
Que os olhares alheios
Me alertariam dos perigos.

Tirou-me os sonhos, depois.
"Tão extravagantes", dizia.
Dissimulou, olhando-me no olhar.
Voz meiga, de quem diz amar,
Com frase sagaz, repetia:
Já não precisas sonhar,
Eu o farei por nós dois.

Então, ofuscou-me a beleza:
Com frio cinismo, criticava
Minhas maquiagens e batons.
Dizia que apenas o seu olhar
Enxergava meus belos tons,
Que só ele podia apreciar
Minhas dádivas da natureza.

Por fim, arrancou-me o riso.
Levou consigo os motivos,
E deixou-o aos pedaços ao chão.
Justificou-se: "foi preciso!".
Depois veio pedir perdão.
Mas eu já não existia. Era
Só um mar de atos passivos.

Quando me viu desprovida,
De sonhos, de beleza, de tudo,
Pôs-se a olhar o horizonte,
Buscando outra luz inocente.
Culpando a mim, por sua partida,
Às escondidas, ergueu outra ponte,
E, sem adeus, saiu da minha vida.

r.h.