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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Dissimulada

     “Eu te amo!”, ela me disse. Dissimulada. Enganou-me pela primeira vez. Talvez porque naquele momento aquelas eram as únicas palavras que importavam. Nossa relação já atravessava alguns meses e eu não sabia o que ela sentia. A certeza de meus sentimentos contrastava, a todo instante, com a incerteza das atitudes dela. Por vezes acreditei ser amado. Mas em alguns outros momentos percebia meu ledo engano. Mas persisti, sentia que era amado, ainda que nem sempre.
     Foi a mais ou menos um ano que ela me disse as tão esperadas palavras. Uma ligação de um desconhecido para o celular dela motivou uma briga. Eu atendi e ele disse ser o seu namorado. Não entendi, pensava que eu o era. As incertezas ganharam força. Decidi dar por encerrada nossa história, mas, nos último ato ela me surpreendeu. Disse-me aquilo que eu esperava escutar durante todo aquele tempo. Confiei naquelas palavras cegamente. Ignorei tudo, e permanecemos juntos.
     “Eu te amo!”, sussurrou em meu ouvido. Dissimulada. Deixei-me enganar uma vez mais. Muita coisa mudara desde a primeira vez. Eu já não tinha dúvidas, simplesmente ignorava o que era evidente. Todos me alertavam que eu estava seguindo por um caminho obscuro. Mas, cego, eu só conseguia enxergar a luz daqueles olhos que brilhavam falsamente para mim. Eu me apegava à ilusão daquele amor como se ele fosse real.
     Eis que ela veio até mim. Seu olhar parecia sério. “Tenho algo a dizer.”. “Eu também tenho, meu amor.”, respondi tentando retribuir o tom cordial. Ela principiaria, mas não me contive. Apanhei a caixinha que estava em meu bolso e mostrei-lhe a aliança. “Quer casar comigo?”, perguntei. Ela sorriu desconcertada e me abraçou. Parecia querer me dizer algo, mas não o fez. Quando indaguei sobre o que ela tinha a me dizer, ela sussurrou em meu ouvido o que eu precisava ouvir.
     “Eu te amo!”, disse-me diante de todos. Dissimulada. Pela última vez acreditei naquelas palavras. Aquele era o dia mais feliz da minha vida: o dia do meu casamento. Estávamos perante o altar. Horas antes, meus amigos haviam tentado me dissuadir daquela união, mas eu fui persistente. Contrariei a todos por acreditar que seria dono da felicidade se prosseguisse com aquilo tudo. Embora tivesse minhas dúvidas, algo me mim me tentava a crer que eu devia me casar.
     A cerimônia teve início e todos a olharam com reprovação enquanto ela vinha até mim. Eles, diferente de mim, conheciam sua verdadeira face. Ela parecia feliz, mas de um modo diferente de mim. Estávamos diante do padre. Então ele perguntou se havia algo que pudesse impedir nossa união. Para minha surpresa, mais de uma pessoa se manifestou. Observei a reação de todos e compreendi que talvez estivesse errado em prosseguir com aquilo. Desistiria do casamento, mas, ela olhou em meus olhos e usou de seu artifício perante todos. Ela sabia que eu acreditaria uma vez mais. E então nós nos casamos.
     Os primeiros dias foram maravilhosos, mas, aos poucos fui conhecendo-a de verdade. Já não podia ignorar as coisas como antes. Comecei a perceber nos gestos dela que não era amado. Aquele casamento apenas fora conveniente. Não havia reciprocidade de sentimentos, mas sim alguém que soubera enganar bem. Alguns meses passaram e percebi que não poderia amar por dois. Foi então que, desiludido, a abandonei e solicitei o divórcio. Ela não esperava por essa minha reação e surpreendeu-se mais ainda quando percebeu que havia me perdido.
     “Eu te amo!”, ela me disse em meio às lágrimas. Arrependida. E aquelas palavras soaram de um modo desconhecido. Talvez porque fosse aquela a primeira vez que ela as dizia com veracidade. A princípio pensei ser medo de me perder, mas aos poucos constatei que ela já não fingia. Ela implorava por meu perdão em pedia para voltar. Dizia-me tudo aquilo que eu sempre sonhara ouvir. Foi então que, percebendo minha indiferença, ela me disse que me amava. Era seu último apelo. Então ficou em silêncio esperando minha resposta.
     “Eu te amo!”, respondi docemente. Pude ver a felicidade se desenhando naquele rosto. Ela não podia conter a alegria. Abraçava-me fortemente com medo de me perder. Por dentro, eu me divertia com a ironia daquele momento. Já não nutria qualquer sentimento por aquela mulher. Aquelas haviam sido as palavras mais vazias que eu já dissera em toda a minha vida. Mas não o fiz por ser dissimulado. Eu simplesmente havia me adaptado às regras do jogo que ela criou. A diferença é que os papéis haviam se invertido.


Fonte Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhgMUND1hjoxGkXWlRCQsEcNbsqGzy74q3wlE61fPT7pT61tXmdF6B3TeLA1tHSO0EX9z0muJoIB-cQYx2BA8rtuTpVdwi-pAig6iez4Ys6fOrin8ogYmhK4xCwxKNftULHXCZs-2oVYKoI/s1600/SUSSURRO.jpg

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