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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vida

     Já me vejo sem fôlego, faltam-me forças para prosseguir na escalada.  Mas, não vejo isso com maus olhos. Creio que estou em um lugar bom: se olho para baixo, vejo aqueles que, como eu um dia também o fiz, sobem ansiosos; se olho para cima vejo os abençoados que continuam subindo cada vez mais, eles acenam para mim, encorajando-me a prosseguir; se olho para os lados, percebo que não estou sozinho, muitos outros estão na mesma condição que eu.
     Enfim compreendo a ironia disso tudo. Quando eu era jovem, escalava depressa, a passos largos. Não me preocupava muito com quem estava abaixo de mim, ignorava os que estavam acima. Coisas da juventude que só fazem sentido uma vez na vida. Hoje percebo o quão tolo fui. Em minha ânsia, ignorei o sentido da escalada, preocupei-me somente com o trajeto. Esse foi meu erro.
     Mas, agora não há mais porque ter pressa. Aqui onde estou o ar se torna rarefeito, cada respiração é uma dádiva.  Os prazeres mais fugazes ganham valores antes inimagináveis. O pôr-do-sol tem tons mais bonitos. Ou não. Talvez seja o mesmo de antes, a diferença é que eu jamais o havia reparado como agora. Aliás, a vista que se tem daqui é indescritível. Pergunto-me se já não é tarde para querer aproveitar isso tudo.
     Ouço gritos vindos de baixo. Eles dizem para eu não desistir. As vozes são conhecidas, são aqueles que amo: filhos, netos. Mas, confesso não ter o desejo de insistir nisso. Cheguei naquele momento da escalada em que tudo se resume a uma grande nostalgia. A saudade já me tomou em seus braços e me tortura, sussurrando ao meu ouvido o nome daqueles que um dia estiveram ao meu lado, mas que já não estão mais aqui.
     Já me percebo obsoleto, incapaz de adaptar-me ao que é normal para os demais. Em meus delírios solitários, recordo um passado áureo que talvez jamais tenha existido. Fantasio que antes as coisas eram mais belas, os sabores mais encorpados, as cores mais suaves. Sou apenas mais um elemento anacrônico em meio a isso tudo. Mais um que destoa sem querer, mas que se esforça para não ficar para trás.
     Como fosse ontem, recordo o início disso tudo. Tudo era novidade, eu subia com calma para não perder nem um detalhe pelo caminho. Fazia o certo sem ter consciência disso. Mas em pouco tempo me concentrei no trajeto e esqueci tudo. Quisera eu voltar ao início, refazer meu percurso. Talvez não chegasse até aqui, mas com certeza não estaria solitário. Há muitos outros a minha volta, porém permaneço abraçado à solidão.
     Chamar-me-ão de pessimista, mas devo dispor de sinceridade e assumir-me realista. Afinal, a vida é assim, essa escalada por uma montanha infinita. Alguns sobem mais, outros menos. Mas todos partilham do mesmo infeliz destino: não importa o quanto se esforcem, o quão longe cheguem, jamais atingirão o cume.  

Fonte Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFfYsmldErqWSS_I9q8RyjjWm9uXaM_xHS6DuS2vRLrJGcCDX8oOnpzRGJhpaOQAq_h3gWrwKKbZWEzqYyyOlGPHBrFHy0t1X9OXDm8cFHVR0k67cvzCZ0DULxdkUUt8DcCAqXT1ZnhwOh/s1600/escalada-1.jpg

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