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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Soft Porn

“O sussurro grave ao meu ouvido, mais que uma promessa, era um convite ao prazer. Aquela era a resposta após tantos meses de flerte disfarçado em cortesia. Desde o primeiro dia, nos desejamos, mas as coisas não eram tão simples. Ele era casado, eu noiva. De todas as formas, aquilo era errado. Confesso que sabia que cedo ou tarde algum dos lados ia ceder. Mas, ao primeiro toque, percebi que seriamos nós dois a sucumbir ao desejo.

Fechei os olhos, e senti que já não poderia resistir. Quis me controlar, repelir a investida, mas não tive forças, ou não quis ter. Aqueles dedos se enterraram em meus cabelos, agarrando-os em seguida e puxando-me para si. Ante a intensidade daquele beijo, minhas palavras convertiam-se em suspiros. Quis pensar nas consequências, mas não tive tempo. As mãos firmes percorriam meu corpo. Querendo ou não, o pecado estava sendo cometido. Se seria punida de qualquer forma, porque não aproveitar?

Abri os olhos e, como quem desperta de um sonho, assumi o controle da situação. Mas dessa vez estava obstinada. Avancei com furor sobre ele, atirando-o sobre a mesa do escritório. Surpreso com a iniciativa, ele se deixou dominar. Os documentos, outrora tão importantes, agora ocupavam papel secundário, caídos ao chão. O calor aumentava, e logo foram nossas roupas que se tornaram desnecessárias. O despir violento não se importava com os botões que se perdiam.
O ardor do momento nos fazia ignorar os limites. As persianas entreabertas permitiam que alguém do prédio vizinho avistasse facilmente nossa cena, que ali se desenrolava. A porta destrancada era um facilitador para um possível flagrante. Se alguém nos visse, nossas carreiras e vidas estariam destruídas. Mas nós simplesmente não nos importávamos com isso. Aquele risco apimentava as coisas. A sensação de perigo e o prazer se entrelaçavam em meio à nossa lascívia.

Nossos corpos se envolviam em meio ao suor, no entanto ainda havia uma barreira a ser vencida. A última parte da minha lingerie, era o derradeiro limite. Eu desejava me livrar da minha calcinha que, embora pequena, agora me sufocava. Mas resisti , pois queria que ele me libertasse. Estremeci quando ele baixou-a até os joelhos. Displicente, deixou os dedos passearam por entre as minhas coxas até que enfim alcançaram minha...”

     Dona Olga então largou o livro. Sentia um calor familiar se espalhar por seu corpo. Excitada pela imaginação, quis ser tocada como a personagem descrevia. Mas o ronco do marido, que dormia ao seu lado, logo fez com que tudo se dissipasse. Olhou o relógio e viu que era tarde. Precisaria acordar cedo, levar as crianças à escola, cuidar da casa. Fechou o livro e o pôs sobre o criado mudo.

     Em seus pensamentos, invejava a personagem do livro. Indagava se algum dia tivera algo como aquilo. O sexo mensal era muito mais uma obrigação que um deleite. Lançou um último olhar para o livro. A literatura soft porn era agora sua única fonte de prazer. Mas, a julgar pela frase na capa, que dizia algo como “Mais de 1 milhão de exemplares vendidos”, concluiu que não devia ser a única. Infeliz consolo. Por fim, conformou-se. Adormeceu, então, sufocando a vontade, como era de costume.



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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Fragilidade


     Vestiu-se de orgulho e respondeu: "Na verdade, não lembro. Não sinto falta!"; quando perguntada sobre há quanto tempo estava sozinha. Aquele tipo de resposta firme combinava mais com a personagem que escolhera representar. Aquelas roupas, maquiagem e atitudes não lhe pertenciam. Mas eram necessárias. A vida não reconhece fragilidade, bate com força, para machucar. Ela bem sabia. Sabia também que aquela resposta jamais fora verdadeira. Seu coração tinha o registro perfeito de cada segundo desde aquele adeus. Ela se odiava por isso. Contudo, na guerra não se pode fraquejar.

     As amigas, diante daquela resposta, reagiram de diversas maneiras. As jovens devotaram-lhe um olhar de admiração. As mais maduras, ceticismo. Estas conheciam bem aquele jogo, em algum momento da vida já haviam se utilizado de estratégia semelhante. Contudo, não ousariam atentar contra a máscara da semelhante. O inimigo era outro. Por fim, convencionou-se um brinde e algumas gargalhadas. É preferível o sorriso às lágrimas. Afogue-se a tristeza em álcool, faça-se crer feliz, e o mundo a sua volta parecerá mais belo.

    Desde o término do casamento, ela não saíra. Aquela era a primeira noite de uma nova mulher que nascia. Era o que ela dizia para si. É certo que há muito o trabalho era seu único amante. O cotidiano quis, aos poucos, sufocá-la com sua monotonia. Mas ela não se rendeu. Quis recomeçar. Mas a renovação precisava ser visível, por isso a mudança radical de estilo. Para convencer mais, uma nova postura precisava ser adotada. Por isso as palavras e gestos falseados. Ela incorporou bem a personagem. Atraiu atenção. Adquiriu confiança.

     Após algumas bebidas, já acreditava ser essa “femme fatale”, que dardejava olhares, intimidando até o mais ousado dos homens. Sentia-se fera, era preciso escolher a presa. Alguém, por fim, agradou-lhe. A barreira do primeiro olhar foi vencida. Alguém haveria de se aproximar. Em outros tempos, o recato a impediria. Mas a mulher de agora não podia esperar. As amigas ansiavam por seu movimento. O olhar de dúvida de algumas era o melhor dos incentivos. A atitude é a melhor das provas. Aquele seria seu teste.

    Quis levantar-se, mas uma mão pousou em seu ombro. O olhar de espanto no rosto das amigas confirmou aquilo que ela já sabia. Olhou para trás: com um sorriso cínico, o ex-marido parecia estar ali para cumprimentá-la. Contudo, a julgar pela bela mulher que o acompanhava, pareceu mais uma afronta. Ela sentiu-se ruir por dentro. Não estava preparada para aquele encontro. Fugiria se pudesse. Um turbilhão de lembranças varreu sua mente numa fração de segundo. Mas tratou de matá-las. Sentiu uma lágrima nascer.

     Entretanto, como antes fora dito, ela sabia interpretar bem a personagem. Sufocou a lágrima delatora e voltou-se a ele. Com um sorriso no rosto, cumprimentou o ex e sua acompanhante. O ar de rigidez adotado permitiu, inclusive, ironizar a aparência da moça. Sentindo-se ofendido, ele se foi. Não preciso dizer que este gesto rendeu alguns outros brindes. A atitude despertou a admiração de todas. Ela estava orgulhosa de si. Regozijou-se de seu feito. Convencida de que não havia mais nada a provar, quis ir pra casa. Este foi seu erro.

     A madrugada às vezes é mais fria. Ela sabia disso, mas esquecera. Quando se viu sozinha, diante do espelho, não pode se enganar. Ao remover a maquiagem, era como se desse adeus à personagem. Estava desprotegida novamente. Não podia resistir nem mesmo a si mesma. A lágrima suprimida horas atrás voltou, acompanhada de muitas outras. Ela não quis as conter. “A mudança que vem de dentro sempre demora um pouco mais”, dizia para sim. Abraçou-se ao travesseiro e chorou até adormecer a dor. Amanhã voltaria à personagem, afinal o mundo não precisava conhecer sua fragilidade.



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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Esquecido


A lua já correu o céu muitas vezes, desde aquele primeiro encontro. Não recordo o ano, mas, em minha memória, sei que era novembro, e que ela fazia aniversário naquela noite. Diante dos olhares de todos os presentes, fomos apresentados. A timidez inicial se perdeu em meio a empatia instantânea que entre nós surgiu. Ao primeiro sorriso, eu senti que aquele era apenas o início de uma longa história. Ao o primeiro abraço carinhoso, descobri que ali nascia o nosso amor.

Após aquela noite, nossas vidas se uniram, como se fossem partes de um todo que, antes separadas, agora haviam se encontrado para permanecerem assim para sempre. Passávamos grande parte do dia juntos. Durante as noites eu ficava ao seu lado em silêncio, velando por seu sono, esperando amanhecer para receber minha maravilhosa recompensa: o primeiro sorriso do dia. E como ela gostava de sorrir para mim. Aquele riso era a personificação de minha felicidade.

Nossa relação se fortalecia dia após dia. Eu era seu confidente, conhecia os maiores segredos daquele coraçãozinho. Eu estava com ela em seus momentos felizes. Quando ela estava triste, meu abraço a consolava. Se ela sentia medo, lá estava eu para encorajá-la com minha presença. Durante muito tempo foi assim. Acompanhei as mais belas fases daquela vida, devotando todo o amor que podia. E sempre fui fiel, pois somente a ela pertenciam meus abraços.

Os anos se passaram e pude contemplar de perto o alvorecer de sua juventude. A vi tornar-se mais bela, enquanto lapidava os contornos de sua personalidade. Confesso que sentia-me, a cada dia, mais encantado por ela. E eu não era o único, ela agora despertava olhares - sentimentos - em todos aqueles que por ela passavam. Mas, embora aos olhos do mundo agora ela fosse outra, eu poderia ver por trás daquele sorriso, a menininha que há muito eu havia conhecido.

Sem que me desse conta, as coisas foram mudando. Já não passávamos mais tanto tempo juntos. Havia dias em que eu mal a via. Em outros ela simplesmente não me dava atenção. Ela estava sempre ocupada demais, pensando em muitas outras coisas. Eu já não sabia tanto de sua vida. Solitário, eu sofria. Contudo, vez ou outra ela vinha até mim, com aquele jeito meigo que eu já conhecia. Isto bastava para me fazer esquecer tudo.

Mesmo diante de todas as mudanças, eu me convencia de que, cedo ou tarde, as coisas voltariam a ser como antes. Enganava-me, porém. Certo dia, veio ela até mim. Enchi-me de amor esperando por sua atenção. Mas, ela simplesmente me tomou pelo braço, e me escondeu no armário. Eu não entendia o que acontecia, até o momento em que alguém entrou no quarto junto a ela. Escondido na escuridão solitária, a ouvi falar àquele estranho palavras de amor, como um dia dissera a mim.

Revoltei-me, mas nada podia fazer. Decidido estava a tomar satisfações quando ela viesse me libertar da prisão em que havia me enclausurado. No entanto, alguns dias passaram e ela não apareceu. Meus olhos, agora acostumados à escuridão, pediram-me para explorar aquela maldita prisão. Permiti, e só então tomei conhecimento de tudo: naquele armário estavam guardadas diversas coisas conhecidas por mim, que eu há muito não via; dentre elas, jaziam os brinquedos que ela ganhara na noite em que nos conhecemos.

Entristecido, observei todos aqueles brinquedos, duramente banhados pela poeira do esquecimento. Lembrei-me que, no decorrer dos anos, aos poucos ela os havia substituído por outras coisas. Encegueirado pelo amor, eu ignorara todos aqueles sinais. Como havia sido tão ingênuo, a ponto de achar que jamais chegaria minha hora. Recordo que alguém me dissera, certa vez, que aquele seria meu destino. Maldita profecia acertada.

Agora eu sabia que, entre mim e as demais coisas daquele armário, havia algo mais em comum, além do fato de partilharmos o mesmo espaço: a poeira também recairia sobre mim, e eu também seria esquecido. Ainda assim, eu não conseguia ter por ela outro sentimento que não fosse amor. Já que não mais estaríamos juntos, pelo menos restavam-me as lembranças, a elas me apeguei. Prometi a mim mesmo que todos os dias relembraria nossa história, como agora acabo de fazer. Apenas faço isso, pois, mesmo sabendo que serei esquecido, fui feito para amar, e a amo demais para esquecê-la.



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