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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Clichês


Encontros de olhares - um dialogar sem palavras. Uma bebida oferecida e lá estávamos nós, partilhando informações de nossas vidas. Ela, uma viciada em trabalho que “trocara” um casamento por uma carreira de sucesso. Eu, um solteirão que sempre teve mais sorte que talento, mas que gozava da estabilidade que um bom emprego pode oferecer. Experiências de vida distintas nos tornavam interessantes, um ao outro. Telefones trocados, beijos também. Um adeus que dizia “até logo”.

Uma semana depois, um encontro. Jantar, conversa, sorrisos. Afinidades poucas, diferenças tantas. Ela parecia discordar de mim de propósito, como ninguém jamais o fizera. E isso a tornava tão interessante. Mas, ainda assim, estava envolvida. Atenciosa, parecia saborear cada palavra que eu dizia, enquanto corria os dedos pelos cabelos - charmosa. A noite avançou até minha casa. Vimos o amanhecer entre suspiros e gemidos. E foi assim que personificamos o clichê dos opostos que se atraem.


As semanas que se seguiram foram de doces descobertas. Aos poucos mostrávamos nossos segredos: os sonhos, as lembranças de infância, os medos, as fraquezas. Essas coisas que partilhamos com quem entra em nossas vidas pretendendo nela permanecer. As diferenças já não pareciam incomodar, sempre havia alguém disposto a ceder frente à opinião contrária. Não sabíamos, mas isto nutria em nós (ou pelo menos em mim) a ilusão de que, cedo ou tarde, alguém iria mudar, tornar-se aquilo que o outro desejava.

A relação evoluiu, quando os dias tornaram-se meses. Estávamos mais íntimos, e isso nem sempre era algo positivo. As “formalidades” foram se perdendo.  Meu cavalheirismo se esvaía, era agora algo prescindível.  Assim como a vaidade já não parecia ser mais tão necessária a ela. Já não procurávamos esconder nossos defeitos, fazendo-os, amiúde, mais evidentes. Acostumados um ao outro, pareciam já não haver surpresas. Sem perceber, tornamo-nos previsíveis.   

Ainda assim, algo mantinha-nos unidos. Arrisco dizer que era amor. Afinal, dizem que quando não há mais nada, somente ele prevalece, "o amor a tudo vence" – outro grande clichê. Mesmo quando não houve razões para permanecer unidos, seguimos em frente. Contudo, esse tal amor é injusto, nem sempre vem nas mesmas proporções. E conosco ele também foi marcado pela assimetria. Alguém amava demais e outro de menos. Mas isso é algo que só é perceptível por aquele em quem o amor pouco se manifesta. Infelizmente, esse não era eu.

O passar dos anos deu-me a certeza de que seria para a vida inteira. Mesmo que o mundo tentasse me mostrar o contrário, eu pouco me importava em viver aquela eterna contradição. Era ela quem me fazia feliz, afinal. Fiz planos para nós, sonhei com o futuro. No entanto, surpreendido fui, quando ela se foi sem nada dizer. Sem perceber, eu insistia em alongar uma estória cujo final há muito já havia sido escrito. Para meu azar, não quis ela realizar ao meu lado o clichê - utopia, na verdade - dos “felizes para sempre”. 


Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTnCbBBkclLrY3kF4HWAbc9LWpInsdZvSSSiQEvwn4Sy2km_mlwKrg-i1-aqOPwiI5MmdYDFwNjoWFwd5laH-OMzgf9GLFgKCho-9Lme43aE1u3sWzmpOHneVZGZee_MW-0oPX0VRuGBqw/s320/os_opostos_se_atraem.jpg

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Instinto


    Sob o pratear da lua, eu destilava olhares e cantadas medíocres à jovem sentada à mesa junto a mim. Seu nome era Inês, e detinha de todo o meu olhar. Personalidade forte, respondia as minhas perguntas com a indiferença de quem apenas deixava o tempo passar. Cansado de meu quase monólogo, incitei-a a fazer perguntas sobre mim. “Quantos anos você tem?”, perguntou, após longo silêncio, olhando-me nos olhos pela primeira vez na noite. Embora desejasse mentir, fui sincero: “Tenho quarenta anos”.

  Ela ficou em silêncio. “Até quantos pretendes viver?”, foi a resposta que dela obtive. A pergunta pareceu-me estranha, incomum demais. Preferi descontrair: “Sei lá, até uns cem, eu acho”. Recebi outro olhar, de interesse agora. Em minha ingenuidade, jamais poderia imaginar o quão decisivas aquelas perguntas eram. Minhas respostas forneceram os dados que ela necessitava. Palavras que tomaram as rédeas da noite, que, ao contrário do que eu ousei imaginar, não seria tão longa.

    “Faltam cinco minutos para meia noite, já é tarde”. Disse ela e, em seguida, chamou o garçom. Pediu a conta e levantou-se da mesa. Sem entender, perguntei se havia dito algo de errado. Ela sorriu: “Não. Apenas acho que devemos conversar em um lugar mais reservado. Sua casa, talvez”. Surpreso, apenas assenti com a cabeça e sorri por dentro. Fiz questão de pagar a conta, e me desfiz em galanteios no caminho até meu apartamento. Ela parecia indiferente a tudo, mas me dardejava olhares encorajadores.

    Quando no elevador, tentei beijá-la. Mas, ela me repeliu. Queria deixar claro que era a dona da situação. Sem ter mais o que fazer, fui paciente. Ao chegar, deixei-a e entrar primeiro. Ao acender as luzes, o cetim do vestido brilhou ao chão: completamente nua, ela me observava. Pensei, naquele instante, saber perfeitamente quais eram as intenções daquela estranha. Uma vez mais, fui ingênuo. A nudez expõe, mas não revela. Não revela pensamentos, intenções. Quando aprendi isso, já era tarde demais.



   Ao vê-la daquela forma, despida, exposta, tive a conhecida sensação de domínio. Arranquei minhas roupas e, voraz, fui ao encontro daquelas curvas. Avancei com força e caímos, entre beijos e carícias, sobre sofá. Deixei o corpo falar por mim, cedi ao desejo, ao instinto – minha fraqueza. Queria possuí-la, mas meus toques não correspondiam de todo à minha vontade. Sentia um leve torpor me dominar, e o vigor se perder. Até que, por fim, me vi imobilizado. Com um leve empurrão, ela me jogou ao chão. Em seguida vestiu-se e veio senta-se em um lugar próximo a mim.

    Eu tentei falar, mas já sentia a dificuldade até para respirar. Ela olhou o relógio. “Faltam dez minutos para uma hora, já é tarde”. Olhou-me com a indiferença conhecida pela última vez. Seguia rumo à porta quando, num esforço desesperado, consegui balbuciar a última pergunta da minha vida: “Por quê?”.

   Ainda de costas, ela principiou um monólogo que eu talvez compreendesse, não estivesse a vitalidade me deixando. Recordo apenas de algumas frases. Algo como: “Sempre permito que os anos desejados sejam minutos...Não haverá dor, talvez agonia...Apenas cinco minutos até a droga fazer cessar os batimentos cardíacos...Vocês são sempre iguais, querem sempre a mesma coisa...Desde que eu era apenas uma menina...O tempo passa, nada muda...Vocês não merecem a vida...Não é trauma, não é vingança, é apenas instinto...”


Fonte imagem: http://extra.globo.com/incoming/3524599-32d-c7a/w640h360-PROP/2011122012622.jpg