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sábado, 21 de janeiro de 2012

Por amor

     A cada golpe desferido, um gemido abafado. A cada açoite, lágrimas se precipitam ao chão. Ela chora, mas resiste. "Isso dói bem mais em mim que em você", é o clichê canalha que meus lábios sussurram, para mim mesmo. Mas, é necessário. Na posição em que está, prostrada ao chão, de costas para mim, ela não pode esboçar qualquer reação de defesa. Não o faria mesmo se pudesse. Por mais que eu tente controlar a força aplicada a cada golpe, eles sempre a machucam com violência. Mãos e joelhos, trêmulos, apoiados no chão. Fragilidade e submissão. Pode parecer loucura, mas bato por amor. Sim, eu a amo mais que a mim mesmo, e é isso que me impele a fustigar-lhe a carne uma vez mais.
     Sádico? Digo que não. Não há em mim qualquer prazer em açoitá-la. Não espero que você acredite em mim. Em verdade, quem mais sofre sou eu, sempre que tenho de fazer isso. No entanto, dentre tantas anteriores, não recordo de nenhuma vez em que as coisas se estivessem tão... intensas. A pele alva e límpida que outrora confortou-me os olhos, agora é maculada pelas marcas de um rubro forte, arroxeadas em alguns pontos, deixadas pelos golpes desferidos. Nada muito sofisticado. Um cinto de couro é o instrumento utilizado. Presente dela, no meu último aniversário. Irônico, não? Mas, e se eu disser que, ao me dar tal presente, ela sabia que ele cedo ou tarde seria usado para essa finalidade? Hoje foi o dia enfim pude experimentá-lo. Já o havia usado antes. Para amaciar. Mas não da forma como agora o faço. Surpreso estou, ao ver os efeitos do atrito entre o couro e a pele.
     Hesito por um segundo. Como que aproveitando o silêncio, ela geme mais alto. Obriga-me a ligar o som. É preciso poupar a vizinhança, afinal. Preservar a intimidade do lar. "Um dia eu ainda instalo um isolamento acústico nesse quarto", penso comigo. Meu olhar busca o relógio por um instante. A cena ora descrita já se desenrola por quase meia hora. Uma gota de suor me escorre pela testa. A respiração pesada denota o cansaço que já paira sobre mim. Apesar disso, parar não é uma opção. Não agora. Ainda é cedo. Não foi o suficiente. Ela volta a cabeça para o lado e me lança um olhar furtivo, pelo canto do olho. Meu cansaço é notório, ela percebe. Pára de gemer, então. Ameaça se levantar, me desafiando. Volto a bater com força até ouvi-la gritar novamente. De fato, ainda não é o momento de parar.
     Um minuto. É o tempo necessário para que a intensidade dos golpes seja excessiva para aquela pele macia, que se rompe em um corte. O sangue escorre por suas costas até atingir o chão, já umedecido pelas lágrimas e o suor. Involuntariamente, me contenho. É a primeira vez que a machuco dessa forma. “Não pare! Com mais força!”, ela grita em frenesi, forçando-me a continuar. Mais alguns golpes, e outros cortes se abrem. O sangue respinga pelas paredes e pelo chão. O couro umedecido corta o ar assoviando, para pousar sobre a pele, lacerando-a sem temor. Já não consigo olhar para ela. Volto-me a um espelho posicionado à nossa frente e a expressão de prazer no rosto dela refletida é indescritível. Ela geme, se contorce, suspira, delira a cada açoite.
     A respiração exaltada me indica que devo prosseguir. Seu corpo treme, e a esta altura o chão e as paredes já se vêem marchetados em gotas de sangue. O fim se aproxima, não há como seguir por muito mais tempo. Um último gemido entrecortado é o desfecho. Ela cai ao chão, debruçada. Permanece imóvel, enquanto o ar torna-lhe ao seio. Mantenho-me inerte, a contemplar o resultado de minha ação. Os cortes em suas costas não são uma visão agradável. “Isso é loucura.”, suspiro com pesar. Vagarosamente e com dificuldade, ela levanta do chão. Traz um sorriso de satisfação no rosto. Vem até mim e me abraça. “Obrigado meu amor, só você sabe como me dar prazer. Façamos agora como você gosta.”, sussurra em meu ouvido. Em seguida beija-me os lábios atônitos. Como pode, vai tirando minha roupa, enquanto solta aqui e ali um grunhido pelos cortes ainda abertos. Leva-me até a cama, a arena do convencional, como costuma dizer. Acabo por me render. Sei que jamais me acostumarei a isso. "Não é normal", deves estar pensando. Mas, não existe o "normal", nos gestos feitos por amor.



fonte imagem: http://26.media.tumblr.com/tumblr_lhym5jhZsd1qhf2rmo1_500.jpg

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