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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Pensamento

     Uma vez mais ela passa por mim. Por um instante nossos caminhos se cruzam. Mas, rapidamente volto à minha solidão.  Alguém percebe e vem até mim.
    “Vejo que tens um grande carinho por ela.” – Afirma.
     “Bem maior que o que tenho por mim.” – Respondo enquanto a acompanho com o olhar.
     “Ao que me parece amas em silêncio. Porque não te declaras?
     “Não. As coisas não são tão simples como parecem. Há muito mais que a distância física entre nós. Um oceano de diferenças nos separa. Mas em meus sonhos a tenho. Pelo menos isso. Lá ela habita meu mundo. Sou o arquiteto de mil maravilhas para encantar minha amada. Construo castelos, só para torná-la rainha. Pinto as mais belas paisagens, só para ver surgir em seu rosto o brilho do encanto. Colho a rosa mais delicada, de aroma mais suave, só para mostrar que esta é inferior, se comparada à sutileza e ao perfume de minha musa. E todas as noites a lua vem mais perto, só para admirar junto a mim a beleza de minha ninfa. E não há uma vontade dela que eu não realize. É o nosso lugar idílico.”
     “Mas, e se acaso a sorte olhasse em teus olhos, e te concedesse um desejo. O que pedirias?” – Pergunta-me curioso.
     “Um pensamento. Um pensamento daquela que amo.” – Respondo convicto.
     “Um pensamento? Mas porque, dentre uma infinidade de coisas, pedirias um pensamento?” – Insiste em indagar-me.
     “Porque um pensamento seria o bem mais precioso que dela eu poderia querer. Mais valioso que qualquer coisa que possas imaginar. Um tolo pediria um beijo. Mas, a mim não interessa algo tão ínfimo. O desejo que habita em mim clama por bem mais que isso. Por isso escolheria um pensamento. Nele inexistem as fronteiras, as limitações, nada é impossível. Meus sonhos poderiam alcançar a realidade. O infinito amor que sinto poderia enfim ser pleno.”
     “Mas, um pensamento por vezes é breve, se perde facilmente. E se for um mau pensamento?” – Questiona esperando por minha reação.
     “Pouco importaria se ela pensasse em mim apenas por um segundo ou se não seria um bom pensamento. Pois, esta fração de tempo seria a eternidade de que eu precisaria. Sim, um pensamento só para mim, dentre tantos outros que se entrelaçam incansáveis naquela mente. Afinal, o que importaria não seriam o tempo ou a intenção, mas sim o fato de que eu havia conseguido penetrar naquele pensar. E uma vez que lá estivesse eu deixaria minhas marcas. E estas não se apagariam, pois eu permaneceria ali e, cedo ou tarde, ela haveria de me presentear com outro pensamento. E depois outro, e mais outro, e aos poucos eu a conquistaria.
     E devagarzinho ela conheceria meu amor, e já não estaríamos tão distantes. Neste momento, eu assumiria um lugar não só em seus pensamentos, mas também em sua vida. Poderia então encarar aqueles olhos, não mais ao longe, agora bem de perto, tão perto que nossos lábios facilmente se encontrariam e eu poderia então sentir este sabor que hoje me limito a imaginar. E o que começou com um breve pensar, se tornaria real, assim como o meu sonho de amá-la. E viveríamos esse devaneio por toda a vida.
     “Mas, não seria mais fácil pedir o amor dela à sorte?” – Questiona-me uma vez mais.
     “Talvez sim. Mas não haveria verdade nesse amor. Seria algo forjado, artificial, sem qualquer encanto para mim. Não seria a mesma coisa. Um pensamento me possibilitaria plantar a semente do meu amor naquele coração. Regá-la dia após dia, vendo-a se desenvolver, fincar suas raízes sem pressa para fixar-se. Até o momento em que estivesse grande o suficiente para gerar seus frutos que eu colheria a cada sorriso, beijo ou suspiro de minha amada. Por isso eu desejaria um pensamento, pois, diferente do que muitos pensam, o amor nasce com um simples e breve pensamento para só depois, se apoderar do coração.”


sábado, 10 de dezembro de 2011

Carma

     E cá estou eu, uma vez mais, desejando o que não me pertence. O que não posso ter. Talvez seja esse meu carma, minha maldição. Justo agora que a tormentas se convertiam em leve brisa. Mas é sempre assim, não há como prever uma paixão. A vida segue sua calmaria e eis que meu olhar se depara com o olhar alheio e quando percebo já aconteceu. Não que isso ocorra com freqüência, mas, quando acontece, é simples dessa forma. Até eu fico intrigado com isso.
     Contudo, tenho por sina desenvolver paixões impossíveis. Amores platônicos, se assim preferir. Desta vez não é diferente. Ultimamente, tenho devotado meus suspiros a uma ninfa da qual não posso ser deus. Personificamos um contraste ironicamente trágico: pertencemos a mundos distintos. Sinto-me como o trovador, que se limitava a rimar seus versos amorosos para uma dama palaciana inalcançável. E eu que pensava que isso jamais existira.
     Foi dia desses que descobri meu tormento. Desde então, tenho vivido a eterna tentativa de arrancar de mim um sentimento que, dia após dia, se enraíza com força nas fibras de meu pobre coração solitário. É um padecer doloroso, mas que cessa com apenas um olhar dela. Cada sorriso que ela me lança me faz crer suportável qualquer dor. Mas, até quando poderei pagar um preço tão alto por tão pouco? Até quando suportarei sacrificar-me por dois?
     No momento, faltam-me as respostas. Mesmo porque, a falta de certezas é quem me atormenta. Sim, não há nada que me diga ser impossível consolidar o que sinto. Ninguém me impede. Nesta batalha, meu único inimigo sou eu mesmo. Tenho antes de lutar contra minhas próprias fraquezas, meus temores, minhas inseguranças. Reconheço que a possibilidade de alcançar o amor vale qualquer risco, mas algo me impede com força hercúlea.
     Mil resoluções, em vão, pensei, mas todas se desfizeram diante dela. Não conheço as razões disso, mas me vejo fraco diante de seus encantos. As palavras fogem de mim como se delas inimigo eu fosse. Meu olhar não encontra forças para enfrentar o dela. Sinto-me vulnerável diante daqueles olhos. Entretanto, meu vigor, perdido num instante, se restaura com um breve abraço. Vivo a contradição de temer meu desejo iminente de estar com ela.
     Devo confessar, enfim, que não sei ao certo o que fazer. Há, em mim, a impetuosidade que me instiga a enfrentar o mundo, se preciso for, para alcançar uma certeza, seja ela qual for. Talvez assim se abrandasse meu tormento com a dádiva da reciprocidade, ou com a dor da rejeição. Mas em mim há também uma inclinação, ainda que mínima, à desistência. Mas qual rumo tomar? Acovardar-me com a incerteza, ou arriscar até o que não tenho no destino incerto?
     Quisera eu, que o desenrolar de uma paixão fosse tão simples quanto seu princípio. Mas a cada dia me convenço mais de que tudo nessa vida se encaminha para a complexidade. Quisera eu ter a certeza de que o que sinto alcançará a magnitude do tão falado amor, desconhecido que jamais cruzou meu caminho. Já não fujo dele, mas ele insiste em se esconder. Deverei eu então ir a sua procura? Deverei eu por fim ao dito carma que persegue, provando ao mundo e a mim mesmo que tudo não passou de um engano?


Fonte Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDS3pGo8kC9eNIsb2G3IsgXo3yPjVgQ4GrZlciT3M8DfFWT6tXUzdnU68bImYAS8HMl22RM3SPNAuGOiwKpPoQpMkG_v5-sdUD54A_SgWLzEKUCeHO7eX_za1LpNBYiFgnivaChrGE6QRu/s1600/LUA...jpg