Páginas

terça-feira, 31 de maio de 2011

O Bordel

     Na pequena cidade de Vila Menina não havia homem mais conhecido que Tião Junqueira. Homem simples, natural da terra, que se criara sem jamais apartar-se do seio desta. Afamado por seu destaque nos negócios, detentor de terras e do único entreposto comercial do lugar. Como qualquer homem rico da época, recebera o título de coronel. Era respeitado por seus concidadãos, temido pela criadagem.
     Mas o que lhe conferia fama mesmo era a beleza de sua família. Não bastasse ter se casado com D. Laura, a mais bela mulher da cidade, aquele homem fora abençoado com seis lindas filhas. O que não era seu maior orgulho, afinal, como todos os homens, desejara um herdeiro macho para assumir os negócios quando adulto. Queria tanto, que tentou seis vezes. Não obtendo sucesso em nenhuma destas, ele desistiu. Mesmo porque, temia que seu filho nascesse lobisomem.
     Com o passar dos anos, foi se conformando com suas filhas. Amava-as tanto, que as protegia do mundo como podia. Tarefa fácil durante a infância. Porém, as meninas cresceram e começaram a atrair os olhares da reduzida, mas ativa, população masculina do lugarejo. Percebendo isso, Coronel Tião proibiu-as de sair de casa sem ele. E isto se aplicava também à D. Laura. Passavam os dias reclusas, exceto aos domingos, quando o Coronel ia com a família até a igreja.
     Este ritual dominical parava o lugar, literalmente. O casarão do Coronel localizava-se bem ao centro da cidade, em frente à pracinha. A igreja ficava exatamente em frente ao casarão, na outra extremidade da praça, de modo que bastava atravessá-la para chegar à missa. Mesmo assim, todos ficavam na praça esperando até que a comitiva fizesse o pequeno trajeto. Os homens aguardavam ansiosos para se deleitar com a beleza das mulheres da família Junqueira. As mulheres ficavam para observar as roupas usadas pelas moças. Invejavam o fato de que estas jamais repetiam um vestido, prova da riqueza do Coronel Tião, que toda semana encomendava vestidos para as filhas e a esposa. Um sonho para a maioria das mulheres do local.

     Quando chegavam à igreja, sempre a encontravam vazia. A população aguardava a entrada da família do Coronel, e só entravam depois que estes estavam acomodados. No decorrer da missa, enquanto a mulher e as filhas faziam suas preces, o Coronel olhava em volta, a fim de flagrar algum infeliz afoito que ousasse olhar demais sua família. Aquele que fosse pego não tardaria a receber alguma punição. Certa vez um rapaz não apenas ficou olhando as filhas do Coronel, como também o lançou um olhar desafiador quando foi flagrado. No dia seguinte apareceu sem os dentes e com vários hematomas no corpo, vítima de um assalto onde nada lhe roubaram.
     O Coronel Junqueira morria de ciúmes de suas filhas. Um dia, enquanto conversava com João da Rabeca, seu amigo desde infância, foi indagado sobre quando iria deixar que sua filha mais velha se casasse. Houve uma mudança brusca de humor, e a resposta colérica deixou bem claro: Nunca! Dito isso, o Coronel partiu enfurecido, como se tivesse sido vítima de grave ofensa. Desse dia em diante, ele nunca mais tornou a falar com João da Rabeca, tomando-o por inimigo.
     A extrema proteção do Coronel suscitava comentários pela cidade. Todos pensavam que era porque o Coronel julgava não haver naquele lugar gente a altura de suas filhas. Mas, quando todos viram o Coronel expulsar a chicotadas o filho de um fazendeiro de uma cidade vizinha, que queria tomar uma de suas filhas por esposa, todos ficaram sem entender. Porque tanto ciúme? Porque prender a família daquele jeito? Todos se perguntavam calados. Ninguém ousava questionar a postura daquele homem. Pelo menos não diante dele.
     E o tempo passava sem que o Coronel mudasse seu pensamento. Quando iam à rotineira missa, todos podiam ver nos olhos, tanto das filhas quanto da mulher, a melancolia da resignação. Mas elas sempre sorriam, faziam questão de parecerem felizes, embora talvez não fossem. D. Laura tinha 42 anos, mas não demonstrava qualquer marca do tempo, sua beleza reluzia igualmente a das filhas. A filha mais velha completara 23 anos, e as gêmeas caçulas 18. Eram belas mulheres, desejadas por todos, mas eram intocáveis.
     O Coronel Junqueira já chegara aos 48 anos e esbanjava saúde. Todos diziam que ele chegaria facilmente aos 60, idade tida como a expectativa de vida média de um homem da época. Porém, contrariando as previsões, o Coronel viria a falecer bem mais cedo. Certa tarde, o Coronel estava deitado em sua rede após o almoço, quando foi acometido por uma crise de vômitos. A crise não cessou e o Coronel abraçou a morte vomitando o próprio sangue.
     Decretou-se luto oficial na cidade. Todos fizeram questão de lotar o minúsculo cemitério do lugar para prestar sua última homenagem ao falecido. Pelo menos isso era o que diziam, mas, na verdade, todos estavam ali para ver a família chorar e, quem sabe, dizer-lhes uma palavra de conforto. Antes do enterro, vários homens fizeram questão de dizer algumas palavras de exaltação sobre o benquisto Coronel Tião Junqueira. Muitos repetiam as mesmas coisas que alguém já havia dito antes, mas, que importa? A intenção era falar qualquer coisa e tentar atrair o olhar de uma das familiares do defunto.
     Passado o enterro as mulheres voltaram à clausura. Todos imaginavam o quanto estavam sofrendo aquela enorme perda. Apenas as criadas entravam e saiam do casarão. Uma mais lacônica que a outra. O único homem que adentrou o casarão durante o luto foi o tabelião, e isso porque precisava ler o testamento, afinal, o comércio não parava, era preciso que a esposa assumisse os compromissos e desse seguimento aos negócios para garantir o sustento da família.
     Dentre os elementos do testamento do Coronel, estavam: duas fazendas situadas nas imediações de Vila Menina; O casarão onde a família vivia; o prédio onde funcionava o comércio e todas as mercadorias nele contidas. Não havia qualquer quantia em dinheiro guardada, pois o coronel havia feito grandes investimentos em mercadorias numa tentativa de comercializar com as cidades vizinhas. Mesmo assim, a família dispunha dos meios necessários a sua subsistência e para manter o luxo ao qual estava acostumada.
     Embora todos imaginassem que D. Laura iria assumir a administração dos negócios, ela acabou por surpreender a todos. Iria manter a casa e os luxos da família, porém com um estabelecimento que revolucionaria o comércio local. Findado os sete dias de luto, todos se surpreenderam quando, ao entardecer, uma criada abriu as portas e janelas do casarão. Não bastasse isso, o silêncio funesto foi quebrado por uma musica que vinha de dentro do lugar. Todos se olhavam sem entender o que acontecia.
     Foi quando, na varanda do casarão, D. Laura apareceu com suas filhas. Estavam sorridentes e bem vestidas. Mas com vestidos diferentes, decotados, provocantes. A cor vermelha tingia-lhes os lábios. Atônitos, os homens observavam-nas. Então D. Laura os surpreendeu, convidando-os para entrar, pois a noite seria de diversão. Aquelas palavras fizeram com que milhares de sorrisos brotassem nos rostos masculinos. Todos sabiam do que se tratava, mas era bom demais para acreditar: D. Laura, a mulher reclusa e suas castas filhas haviam inaugurado o primeiro bordel de Vila Menina.
     A festa de inauguração durou três dias ininterruptos. Era como se um feriado prolongado estivesse se instaurado naquele lugar. Nem mesmo a prefeitura funcionou nestes dias. Solteiros, casados, viúvos, todos queriam visitar o estabelecimento. As mulheres da cidade, revoltosas, tentaram esboçar alguma reação, mas foram duramente reprimidas pelos maridos e pais. O progresso havia chegado àquele lugar, a mercadoria sexual era lucrativa demais.
     A casa logo ganhou fama, de modo que os homens das cidades vizinhas vinham de longe para se render aos encantos de D. Laura e suas filhas fogosas. Na ausência de um nome, os homens da cidade batizaram o lugar de “Cabaré do Junqueira”. Era uma espécie de homenagem gozadora àquele que durante tanto tempo manteve a família na linha dura e que deveria estar revirando-se no túmulo enquanto os corpos que ele tanto preservou eram barganhados por qualquer um que dispusesse de dinheiro suficiente.
     A rapidez com que a família superou o luto, e o modo lascivo e promíscuo como aquelas mulheres se portavam, gerou comentários. Surgiu o burburinho de que o temido Coronel Junqueira havia sido envenenado por D. Laura, a qual, apoiada por suas filhas, viu no veneno a forma mais rápida de encurta a vida daquele tirano. Mas nada foi provado. Outra questão foi levantada: será aquele comportamento havia sido causado pelo trauma da perda do homem de pulso que comandava a casa? Ou será que D. Laura e suas filhas reprimiram desde sempre sua ninfomania, escondendo-a por trás de orações vazias e uma falsa submissão?
     Estas perguntas jamais foram respondidas e o “Cabaré do Junqueira” não só se tornou o mais promissor negócio de Vila Menina, como acabou por dar ponta-pé inicial para que aquela atividade se tornasse a principal em toda a cidade. Hoje, Vila Menina é conhecida por seus inúmeros bordéis, que movimentam a economia local, e incentivam o turismo. Porém, o mais famoso de todos sempre foi, e sempre será, aquele fundado pela família do um dia respeitado e temido Coronel Tião Junqueira.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se você gostou do texto acima, fique a vontade para comentar. Críticas, elogios ou sugestões serão sempre aceitos. Se acaso achares que o blog merece, siga-o.
Obrigado. R.H.