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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Rotineiro

    Elisa, moça sonhadora, no ápice de sua beleza, clamava por um amor como se a vida lhe fosse imperfeita na ausência deste. André, rapaz sorridente, atraente, mas não belo, ávido romântico que destilava seus cortejos pela vizinhança. Uma tarde de sol, uma rua estreita, a pressa cotidiana. Esbarraram-se. Os olhos desconcertados dela encontraram o olhar sagaz do rapaz. Um sorriso, um café, um encontro.
     Encantos surgidos, palavras trocadas, afinidades criadas. Para Elisa, um vislumbre de afeto, uma chance de amor. Para André, uma moça formosa, uma conquista iminente. Egos elevados. Vaidades exaltadas. O idílio de um romance, por parte dela. O devaneio de uma aventura fugaz, para ele. Disparidades íntimas passíveis de mudanças pela ação do tempo.
     Outros encontros, novos olhares, maiores encantos. Palavras, sorrisos, toques, mãos, lábios, beijos. Atração, desejo, paixão. A moça se rendia cada vez mais às investidas do rapaz, mas tudo dentro dos limites que a sociedade impunha. Ele a cobiçava cada vez mais, abusava do romantismo para avançar sobre as muralhas de pudor que protegiam aquele corpo. Mas mal sabia que as proteções que ruíam eram as do coração da moça.
     Embora negasse, o amor já criara raízes em seu coração. Ela tinha certeza disso. Fazia planos para um futuro, os quais ele se limitava a confirmar. Era visível que tinham planos distintos. Mas não há quem consiga reprimir uma mulher que ama. Palavras doces, pedidos, chantagens sutis, objetivos alcançados. Ele foi se rendendo aos poucos: uma aliança, um pedido, um vestido, um altar. Quando percebeu estavam casados.
     O desejo lascivo o levara até ali, enfim teriam a tão esperada noite. Lua de mel, ardor, luxúria. Esta última palavra resumiu os primeiros meses do casamento. Porém, com o passar do tempo, o casamento se mostrou mais complexo que o esperado. Contas, cobranças, desavenças. A beleza já não se fazia tão presente. O romantismo também não. A cada dia se desconheciam mais e mais.
     Estranhos sob o mesmo teto, que se reconheciam vez ou outra em um olhar, um gracejo, uma transa. Mas isso não era o bastante para manter aquele casamento em ruínas. Porém, um motivo surgiria. Uma noite fria, o calor dos corpos, a vontade do corpo, uma gravidez inesperada. Um filho que poderia melhorar as coisas. Mas, só contribuiu para agravar.
     Ainda na gravidez, as brigas aumentaram. Palavras duras, agressões verbais, ou não, orgulho ferido, rosto machucado. Covardias crescentes. Uma denúncia, um perdido de perdão, uma retração, promessas de mudanças. Surgidas por um tempo, mas logo deixadas de lado. O nascimento do filho, uma trégua. Novos tempos, problemas, agressões. Palavrões, empurrões, socos. Uma nova denúncia, uma prisão.
     Mas seguir em frente não era fácil, contas a pagar, um filho para sustentar. O arrependimento, uma decisão, um erro. Ele voltou, mas já não era o mesmo. Viveram em paz por um momento, uma ilusão de felicidade. Porém, ele não havia esquecido. A raiva permanecia latente em seu coração. Ela não aceitava isso, questionava. Bastou um desentendimento, um grito, um tiro. Era o fim do romance da moça, e da aventura do rapaz. Apenas mais um crime rotineiro dentre muitos que aparecem nos jornais. Uma estória cujo final não é feliz.


Fonte Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8r3l_5j9lyDsEDZLwxu-dvDsgyZr3PIv39n2hAlCQR7ZQldUzCfsovLgRgG4yeQwq_kKruuyk6yFys9CGcwa7gbmdPBLGXUTWB2fQ5oUyuklOAhXl5GBj8QeH1yuTQmJA46ambn6n2Kc/s400/66_jornal.jpg

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