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sábado, 7 de maio de 2011

Desconhecida

    Voltava para casa pelo caminho costumeiro quando a monotonia se desfez: vi se desenhar no horizonte a silhueta daquela mulher. Em um primeiro olhar, mesmo a distancia, percebi que se tratava de uma desconhecida. Ela andava sobre a linha do trem, devagar como se estive perdida. Olhava por todos os lados tentando se orientar. Parecia assustada. Definitivamente não sabia onde estava muito menos para onde estava indo.
     À medida que eu me aproximava, ia notando os detalhes de sua beleza: lindos cabelos lisos que dançavam ao ritmo do vento; contornos bem delineados que se acentuavam a cada passo. A curiosidade era inevitável, e me impelia a chegar mais perto para ver o rosto da desconhecida. Menos de quinze metros nos separavam quando ela notou minha presença. Olhou assustada para trás e ameaçou correr.
     Vendo a reação da moça, apeei o cavalo e fui caminhando em direção a ela. Ela, ainda assustada, encheu-me de perguntas: queria saber onde estava; onde a linha do trem levava; quem eu era. Nervosa e atordoada, ela começou a chorar. Tentei acalmá-la para saber como havia chegado até ali. Aos poucos fui ganhando sua confiança e ela começou a me contar sua estória.
     Ela havia fugido de casa durante sua festa de noivado. Seria um casamento de interesses, uma espécie de aliança entre famílias. O noivo era alguém que ela sequer conhecia, com o dobro da idade dela. Enquanto me contava tudo, as lágrimas inevitavelmente corriam por seu belo rosto. Fugir foi sua decisão, a primeira de toda uma vida de dominação por parte da família, que sempre determinou seus passos sem sequer se preocupar com o que ela queria.
     Eu, de certa forma, podia entendê-la. Eu vivia algo semelhante: meu sonho sempre foi sair daquele lugar, conhecer outros lugares, pessoas diferentes, e não ser mais um caipira que pensa que o mundo acaba nos limites de suas terras. Entretanto esses nunca foram os planos dos meus pais. Segundo eles, eu deveria aprender a lidar com a terra para ter competência de administrar a propriedade quando a herdasse.
     Ela percebeu que suas palavras me deixaram pensativo. O sol estava a se por no horizonte. Em poucos minutos estaria escuro, eu não podia deixá-la seguir. Disse-lhe que tinha um lugar onde ela poderia ficar, e que poderia partir ao amanhecer. Ela recusou a princípio, mas depois aceitou. Montei-a em meu cavalo e segui. Iríamos para minha casa. Porém reconheci que seria má idéia, meus pais não entenderiam. Então seguimos para um celeiro abandonado.
     Ao chegarmos ela se assustou com o lugar. Era evidente, acostumada ao luxo de um quarto, imaginar-se dormindo naquele celeiro era impensável. Entretanto, percebendo que não havia alternativa, ela aceitou, mas com a condição que eu velasse por seu sono. Eu aceitei, e o faria, não fosse ela me chamar para conversar no meio da noite alegando não conseguir dormir. Entre palavras e olhares, trocamos confidências, desejos. Por fim descobrimos que, mesmo vindo de mundos diferentes, tínhamos semelhanças demais para serem ignoradas.
     A noite avançava e, aos poucos, aquela inocente conversa foi nos levando a toques, carícias, beijos. Então nos amamos. Eu jamais havia estado com uma mulher antes, mas minha inexperiência foi propícia afinal, ela também se resguardara pura até aquele momento. E entre sussurros e gemidos apaixonados, vivemos o devaneio de um amor eterno. Porém, veio o dia para trazer-nos de volta à realidade.
     Acordei com um sorriso no rosto, que se desfez ao perceber a ausência dela. Procurei-a, mas ela já havia partido. A decepção era inevitável. Mas o orgulho tentava me consolar: ela havia entrado em minha vida casualmente, muito justo que saísse dela quando julgasse conveniente. Apesar disso eu não me conformava, havia algo mais que a atração racional entre nós. Tentei voltar à minha vida normal, mas algo mais forte que eu me impedia.
     Ponderei por vezes o que fazer dali em diante. E foi com a convicção cega, mas acertada, do amor que optei por segui-la. Eu sabia a rumo que ela havia tomado, em poucas horas de cavalgada estaríamos juntos novamente. Tudo o que eu mais queria ela tomá-la em meus braços e não mais deixá-la fugir. Dane-se o mundo e a vida que eu tinha neste lugar, jamais pertenci a ele. Minha vida iria de delinear por novos rumos, eu seria senhor de meu destino. As palavras daquela moça, a atitude dela era um exemplo a ser seguido. Ela era minha musa inspiradora, em diversos sentidos.
     Embora o galope de meu cavalo fosse veloz, meu pensamento ia onde ela estava mil vezes a metro que eu avançava. Olhar fixo no horizonte, coração acelerado. Toda velocidade do mundo era pouca para a minha ansiedade. Segui a linha do trem até a ponte que era fronteira entre os dois estados, depois que a cruzasse estaria livre, bastaria encontrá-la e ser feliz. Mas minha esperança se desfez quando, ao atravessar a ponte, avistei por entre os trilhos aquele corpo dilacerado.
     Avancei com o cavalo pedindo a Deus para não ser ela. Mas minha prece foi tardia. Era a minha desconhecida, que agonizava em seus últimos momentos de vida. Ela nada pode me dizer, mas percebi que ela tivera a infelicidade de prender a perna entre um dos trilhos. Minhas lágrimas eram inevitáveis. Vê-la naquele estado era algo completamente inimaginável. Ela olhava em meus olhos querendo dizer-me algo, mas era impossível. Dali em diante não tive condições de voltar. Desde então sigo vagando através dessa linha sem saber onde vou chegar. A mim só restou seu último suspiro e a lembrança da desconhecida que mudou minha vida.      


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