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domingo, 5 de junho de 2011

Pássaros

     Um pássaro branco atravessa o mar celeste, quebrando assim a monotonia de meus pensamentos. Ele passa diante de meus olhos, tenho a sensação que se esticasse o braço poderia tocá-lo com a ponta dos dedos. Como uma lâmina branca, ele corta a imensidão azulada com facilidade. Eu o observo. Seu vôo é tão suave, o invejo. Quisera eu ter tamanha liberdade. Mas agora, voar já não me é tão interessante. Apenas contemplar a alva ave que plana ao sabor do vento me é o bastante.
     Não sei ao certo a que distância do chão me encontro, mas tenho certeza que estar no topo deste arranha-céu é suficiente. A esta altura o vento adquire vigor jamais visto. Passa com força por mim. Sua direção está em constante mudança, ora me inclina para frente, como se me incentivasse a pular, ora me puxa para trás, querendo impedir-me. Mas estou firme ao chão. Mais que meu corpo, o que oscilam são minhas idéias. Meus pensamentos parecem brigar entre si.
     Olho para baixo. Vejo ao longe a senhora que rega sua planta na varanda. Bem abaixo os automóveis correm com pressa pela maior artéria de asfalto dessa cidade. Nas calçadas, milhares de pessoas passam esbarrando-se sem se desculpar. É a pressa, a agonia voraz do cotidiano destas vidas monótonas. Aposto que se perguntasse a qualquer uma delas o sentido disso tudo, não saberiam me responder. Diriam não ter tempo pra conjecturas ociosas. Mas eu tenho! Na verdade, diria que, agora, tenho todo o tempo do mundo.
     Aqui em cima o tempo caminha com cautela. Talvez seja porque ele já percebeu que pretendo abreviar seu poder sobre o meu destino. Não há mais o que deliberar, minha decisão já foi tomada. O que faço aqui então? Estou apenas repassando minha vida e contemplando a beleza que durante tanto tempo permaneceu invisível a este olhar escravo da vida rotineira, que jamais ousou se dar a luxos tão singelos. Há tanta beleza a ser vista, mas não quero me fartar nela. Em breve estarei satisfeito.
     Uma melodia suave chega aos meus ouvidos. Será o vento entoando sua canção numa tentativa de me dissuadir de meu objetivo? Não, o som vem da varanda da senhora. Desconheço a música, mas confesso estar apaixonado pela sensação que ela me traz. É justamente a calma que preciso para fazer minha viagem. A calma de quem acredita estar fazendo a coisa certa. Afinal, pensei muito antes de vir até aqui. Agora sei que já não há mais nada forte o suficiente para manter neste mundo.
     Decepções, inveja, traições. Palavras cujos sentidos roubaram-me o desejo pela vida. Traído por aqueles que amei, enganado por quem confiei. Quando dei por mim estava solitário em meio àqueles estranhos conhecidos. A vaidade e a ganância que permeiam as relações neste mundo são demais para mim. “Só sobrevive aquele que consegue se adaptar ao meio”, me diziam na escola. Embora inapto, eu sobrevivi. Mas tenho ciência de que não deveria. Por isso farei aquilo que o meio fez questão de me mostrar ser o certo.
     Outro pássaro se aproxima de mim agora. Parece vir em minha direção. Sua penugem é negra e brilha com os raios do sol. Se fosse supersticioso, julgaria ser a personificação da morte. Creio que este é o momento de por o ponto final nas tortuosas linhas desta existência problemática. Ele está mais próximo de mim agora. Plana com as asas abertas, como se viesse até mim pedindo um abraço. Esta é minha deixa, devo ir ao encontro do destino que vem até mim. Devo voar em sua direção e abraçar a liberdade.

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