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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Loteria

     Vivia sozinho há cerca de quatro anos. Minha esposa falecera e como não tivemos filhos, fui obrigado a conviver com a solidão. Ainda que eu amasse a falecida, ser solitário não era nada bom. Porém, cidade pequena é fogo, por mais que eu tentasse as mulheres sempre me viam como o “viúvo da Joana”. Enfim, arranjar uma namorada era uma missão impossível e, infelizmente, eu estava a anos-luz de distância de ser um Tom Cruise.

     Durante esses anos minha vida se resumiu à: casa-trabalho-casa; casa-trabalho-boteco-casa; casa-trabalho-baralho-casa. Ou seja, eu não vivia, vegetava. A vida estava um verdadeiro tédio, porém o destino é ardiloso e saberia como mudar minha a situação.  Por um golpe de sorte acertei na loteria. O dinheiro era bom, daria para fazer algumas coisas.

     Mas, a lembrança do tédio pôs uma idéia em minha cabeça: sair daquela cidade. Iria para uma cidade vizinha, onde as mulheres não conheceriam o “viúvo da Joana”, mas sim o Almeida, o ricaço. E foi o que fiz. Vendi minha casa para o vizinho por alguns trocados e parti. Rumei para uma vida nova.

     Ao chegar à cidade iria procurar logo uma casa para comprar, porém, uma visão me impediu. Uma visão loira, alta, bem torneada, daquelas que transforma qualquer cristão em um tarado em potencial. O fato é que não pensei em mais nada. Segui a moça até que ela entrou em um lugar que me parecia um hotel.

     Julguei que ela devia trabalhar lá. Iria entrar e me aproximar, porém não estava com a indumentária adequada. Fui a um salão de beleza e fiz barba, cabelo e bigode. Em seguida fui à melhor loja da cidade e comprei um terno bonito. Troquei de roupa na loja e de lá mesmo rumei ao encontro da loira.

     Seria perfeito: o lugar parecia um hotel e era o que eu precisava, sem falar que a loira estava lá. Adentrei ao recinto e imediatamente fui recebido pela loira. Porém, para minha surpresa seus trajes eram diferentes dos que havia visto. A moça trajava uma espécie de lingerie que me tirou o ar. Realmente, ela era funcionária do estabelecimento. Mas não era um hotel. Era um prostíbulo (cabaré para os íntimos).

     Diante daquela recepção não pensei duas vezes: hospedei-me no local. Em menos de meia hora eu era conhecido como Dr. Almeida e tinha amizade com todas as “funcionárias” do local. Conheci inclusive a gerente que fez uma promoção para a hospedagem. Banquei uma festa e comecei meu caso de amor com a loira. Enfim, a vida de tédio não existia mais nem em lembranças.

     O nome da loira era Alice. Devia ter metade da minha idade, mas quem se importa. Nosso amor era lindo. Não raro passeávamos pela cidade de mãos dadas. Eu a levava às lojas e fazia suas vontades. Não me importava em gastar, ainda possuía muito dinheiro. Todos olhavam para mim com o olhar típico de inveja. Mas, eu não ligava, estava feliz como nunca havia estado.

     No “hotel”, todas as “funcionárias” eram simpáticas comigo. Viviam a me oferecer carícias gratuitas em troca de atenção bem remunerada. Porém, Alice as repelia. Sentia tantos ciúmes de mim que eu ficava até encabulado. Até a gerente não podia conversar comigo além do essencial.

     E assim passaram-se os dias. Fiz algumas reformas no lugar e todas as sextas comemorávamos todos pela minha vida feliz com meu amor e meus novos amigos. Até o dia em que fui até o banco e, depois de digitar a senha, dinheiro algum saiu do caixa eletrônico. Fui então até o gerente para reclamar e ele me informou que eu não só não tinha mais dinheiro como ainda devia ao banco.

     Fiquei desolado. Fui para “casa” e comuniquei à minha amada e meus amigos o que havia acontecido. Mal fechei a boca, a gerente mandou retirarem minhas coisas do quarto. As “funcionárias” me olhavam diferente. Então Alice veio até mim e se despediu. Disse que nosso amor infelizmente teria que chegar ao fim. Fui gentilmente convidado a me retirar.

     Agora estou aqui. Sentado em um boteco e bebendo com os poucos trocados que me restam. Daqui posso ver o local que foi meu lar nos últimos meses. Lá está Alice, a mulher que me amou durante quatro meses, cento e cinqüenta mil duzentos reais e quarenta centavos.

     Poderia estar magoado, mas, quer saber, dane-se. Estou tranqüilo, pois tenho um plano. Há alguns minutos joguei na loteria de novo. Porém dessa vez o prêmio acumulou, vão pagar dois milhões. Então vou apenas esperar aqui bebendo minha cerveja. Amanhã vou ganhar na loteria e voltar para o meu lar, meus amigos e vou viver com minha amada pelo resto da minha vida. Ou quanto tempo o dinheiro durar. Vou ser feliz.

2 comentários:

  1. Até que enfim ninguém morreu!!! uhehueuh

    Bicho, versatilidade te leva longe. Sucesso!!!

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  2. No fim as coisas da vida são mais ou menos desse jeito que vc descreveu, o pobre diabo sempre acha que ganhando na loteria terá um mundo melhor, fora da rotina na qual vc escreveu.

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