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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Encontro

     Na solitária e silenciosa noite ela veio ao meu encontro. Contrariando minhas expectativas, ela era linda. Envolta em seu manto negro, ela caminhava numa sincronia hipnótica até mim. Em seus olhos havia um brilho funesto. Quando se aproximou mais, pude ver que trazia um sádico sorriso na face. Então, sorri-lhe de volta.
     Diante de meu sorriso ela conteve os passos. A expressão em seu rosto transformou-se. Seu olhar agora era de indagação. Encarava-me como se esperasse uma explicação àquele sorriso. Sem entender, eu nada disse. Ela permaneceu imóvel me interrogando com os olhos. Eu então sorri novamente e disse-lhe:
     -Estou feliz em vê-la. Na verdade já começava a pensar que não virias. Há muito tenho aguardado por este encontro. Obrigado por estar aqui.
     Minhas palavras a surpreenderam mais ainda. Imaginou que eu a havia confundido, então, tirou o capuz e mostrou-me seu rosto. Ela era perfeita, mas havia algo de sinistro- aterrorizante- em seu rosto. Uma beleza paradoxal, que apaixona e amedronta. Passei algum tempo em silêncio contemplando cada contorno que compunha aquele rosto. Estava ainda mais fascinado. Por fim respondi:
     -Acalme-se, sei quem és. Não pense que a confundi. Era você mesma quem eu estava esperando. Confesso que és o oposto de tudo que eu imaginei. Sei bem o que viestes buscar, e estou disposto a lhe entregar sem qualquer resistência.
     Ela parecia não acreditar no que estava acontecendo. Lançava-me, agora, um olhar desafiador, desejosa de me amedrontar. Empunhou sua foice e voltou a caminhar em minha direção. Eu estava contente: em poucos segundos teria fim meu tormento. Aquela seqüência de erros e desenganos seria finalmente interrompida. Não podendo conter a felicidade, eu sorri novamente.
     Mais uma vez ela parou. Percebi que meu sorriso a incomodava. Mesmo porque, jamais ouvi falar de alguém que a aguardasse com tamanha ansiedade quanto eu. Aliás, a maioria das pessoas passa a vida toda tentando evitar esse tão temido encontro. Mas eu não. Há algum tempo que sonho com este momento. Imaginei que ela esperava por uma explicação para aquela alegria. Então lhe expliquei:
     -Percebo que estás surpresa. Mas acredite, tenho razões para estar feliz. Vens agora para por o ponto final em uma história que há muito já viu seu término. Acho que jamais estive tão feliz como estou agora. O destino foi muito cruel comigo: roubou de mim aqueles que amo, e as razões para continuar existindo. Neste momento, não vais tirar-me a vida, mesmo porque, já não existe vida em mim. Vais sim libertar-me do tormento de viver e a ti serei eternamente grato.
     Após me ouvir, ela pareceu pensativa. Era como se estivesse repassando o que eu havia dito e tentando entender aquela situação. Eu a olhava como esperança. Ela então suspirou. Olhou-me novamente e voltou a caminhar até mim. Seu olhar agora estava diferente. Ela me olhava com paixão, como se estivesse flertando comigo. Imaginei ser a paixão pelo que estava prestes a fazer.
     Ela parou diante de mim. Fechei os olhos esperando o golpe iminente. Porém, o que aconteceu me surpreendeu. Ela pôs a mão em meus ombros e com os gélidos lábios deu-me um beijo ardente. Diferente de todos os outros: intenso, avassalador. Esperava estar morto quando aquele beijo terminasse. Porém, ao abrir aos olhos, percebi que estava mais vivo do que nunca.
     Olhei para ela e percebi que uma lágrima percorrera-lhe o rosto durante nosso beijo. Ela me olhava com desejo. Foi então que percebi o que acontecia. Ela não iria me matar. Por isso a lágrima. Era a primeira vez que não iria cumprir sua sentença. E o faria por haver se apaixonado por mim. Entendendo isso eu descobri que, ironicamente, também a desejava. Queria possuí-la. Queria ser amante da morte, esse seria meu motivo para viver.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Voyeur

     Ela caminha calmamente. Fecha a porta. Pendura a toalha. Em seguida vira-se ao espelho. Contempla a beleza do próprio corpo nu por um instante. Então vem em minha direção. Observo tudo completamente extasiado. Ela fecha o box. Liga o chuveiro. Observa por um instante a água que cai em fios. Então, vai se molhando aos poucos. Primeiro as mãos, os pés, depois o resto do corpo.
     A água desliza por seu corpo com prazer. De olhos fechados, ela sente as gotas percorrendo-lhe os lábios, descendo pelos seios, depois a cintura, quadris, pernas, até chegarem ao chão. Insatisfeita, ela pega o sabonete e o conduz através de suas curvas para me provocar ainda mais.
     Desviar o olhar é impossível. Sigo hipnotizado por aquela cena que se desdobra diante de mim. Ela então abre os olhos e os mira em minha direção. Aquilo é tão repentino que dou um sobressalto. Então, ela deixa a água correr novamente por sua silhueta. Agora, mais provocante ainda, com as mãos, vai sutilmente retirando a espuma formada pelo sabonete.
     O que vislumbro não é mais simplesmente uma linda mulher a banhar-se sob o chuveiro. É como se eu estivesse diante de uma ninfa que se banha nas águas de cristalinas de uma cachoeira, fazendo a natureza inteira parar para contemplá-la com todo o seu encanto.  É um sonho que provoca, excita. Preso neste delírio, é impossível não desejar aquele corpo.
     Ela então decide me atiçar ainda mais: começa a lavar os cabelos. São lisos, negros, brilhantes. Os fios da água descem em paralelas perfeitas com as madeixas. Ela permanece a olhar em minha direção. Ela sabe o efeito que provoca. Sabe que neste exato momento eu estou a cobiçar-lhe como se fosse um tesouro.
     Os fios de água cessam. Com as mãos, ela retira cuidadosamente o excesso de água que insiste em agarrar-se ao seu corpo. Pega a toalha e começa a se enxugar. Então caminha em minha direção mantendo fixo o olhar em mim. Pára diante da janela e a fecha. Neste momento sou violentamente desperto de meu devaneio. O banho acabou. Já tive minha dose de prazer e êxtase diária. Agora só me resta aguardar até amanhã. Neste mesmo horário eu estarei aqui com meu binóculo para observá-la e sonhar com aquele corpo.

Fonte Imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjpPmTLhZ2WEyfNIOp7e9Oi0I-yYRb-bVJjEkCyKnpAwBTr99qWstg7NH4bQpdxdo470AVCR31ao_-aAcyiZANAXLN2F1msVLbUr_17kMoqVoHxE_-fOr3tfx_eK7aT3jcyesJWCj1PIsYN/s1600/voyeur.jpg

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Passado Perdido

     Não me lembro há quanto tempo estava ali. Quando dei por mim estava parado diante daquele homem olhando-o nos olhos. Era um senhor de mais ou menos oitenta anos. Seu olhar me dizia isso. Aliás, aquele olhar me dizia tanta coisa que eu simplesmente não conseguia deixar e encará-lo. Era como se fosse um livro me convidando a viajar por suas linhas cheias de palavras, querendo contar suas histórias.
     Então lhe sorri e quase que instantaneamente ele retribuiu-me. Porém, ao contrário do meu, aquele sorriso não trazia consigo aquele ar alegre. Aqueles dentes outrora brancos, tal qual como uma folha de papel, adquiriram as manchas amareladas do tempo. Tinha um tom melancólico, solitário. Impressionei-me.
     Enquanto o observava, comecei a imaginar quanta história havia por trás daquelas rugas e cabelos brancos. Quantos fatos aquele homem pode presenciar no decorrer de sua caminhada através da sinuosa estrada da vida? Quantas mulheres amou? Quantas o amaram? Terá sido feliz? Porque hoje é triste? Eram tantas perguntas. Mas eu sabia que se olhasse bem fundo naqueles olhos poderia obter as respostas.
     Embora tentasse decifrar tudo o que aquele olhar tinha a me dizer, eu só conseguia chegar a uma conclusão: independente do quanto aquele senhor tenha vivido, qualquer vestígio de felicidade parece ter se dissipado com o tempo. Tudo o que eu conseguia perceber era a tristeza que transbordava de seus olhos tristes. Mas o que motivara tal sofrimento? Porque ele parecia tão infeliz? Mais uma vez, perguntas surgiam. Eu sentia que poderia encontrar as respostas, mas não estava conseguindo.
     Seria o tempo o responsável por aquele olhar tristonho? Sim, o tempo. Ele é implacável. Corre ao sabor do próprio ritmo, sem se preocupar com quem vai ficando pelo caminho. O tempo é um juiz, cujo veredicto é infalível e irrevogável. Veredicto que dá sentido ao velho ditado do “aqui se faz, aqui se paga”. Mas o que teria feito aquele homem de tão ruim para merecer a ira do tempo?
     A cada segundo eu sentia como se aquele homem fosse bem mais que apenas um velho desconhecido. Os contornos enrugados daquele rosto maltratado pelo tempo começavam a me parecer tão familiares. A melancolia daquele olhar sofrido me era tão familiar. Era como se eu pudesse sentir a mesma dor que ele sentia. Não era comiseração, era uma dor real.
     Tão real que ele percebeu que eu compreendia e sentia o mal que lhe consumia. Vi quando uma lágrima brotou daquele olhar e escorreu suavemente pelo rosto do velho senhor. Neste momento despertei. Senti que uma lágrima corria por minha face também. Foi então que percebi o que acontecia: aquele senhor de olhar melancólico era eu. Diante do espelho eu tentava em vão resgatar o meu passado, tudo que vivi, mas que o maldito Alzheimer me roubara da memória. Por fim, eu estava certo, aquela dor era real.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Recordação

     Estive pensando em nós ultimamente. Dediquei-me a relembrar cada momento que passamos juntos. É incrível o quão verossímil nossa imaginação pode ser quando queremos. Como se fosse um filme, revi cada instante, cada sorriso, cada beijo, cada suspiro. Pareceu-me tão real que eu já não queria voltar à realidade. Viver essa eterna nostalgia para mim bastaria.
     Pouco a pouco, pude recordar com carinho tudo o que aconteceu enquanto estávamos juntos. Rememorei a primeira vez que lhe vi: o encanto inevitável que teus olhos provocaram ao encontrar os meus. Um encanto que fez nascer em mim a desconhecida paixão. Paixão avassaladora, que me consumia e induzia a te querer. Que fazia meu coração tentar desesperadamente palpitar em sintonia com o teu.
     Mas eu sabia que não merecias somente paixão. Afinal, é algo tão efêmero, desperto pelos encantos momentâneos, que com o tempo se perdem. Eu queria te oferecer mais. E foi com o tempo que um sentimento digno de você pode se fortalecer em mim: o amor. Pois este, diferente da paixão, não surge nos primeiros momentos.
     O amor por uma mulher surge quando os efeitos da paixão são superados, quando a real beleza feminina se mostra. Pois esta vai além daquele deleite provocado aos olhos pelas perfeitas formas e traços. É um encanto que se revela aos poucos, nas manias, desejos, segredos que se escondem nos confins do coração da mulher amada. É quando as qualidades são reveladas e os defeitos, por maiores que sejam, são tolerados e caem frente aos sentimentos.
     Por te amar em demasia, minhas memórias permanecem intactas. Sei que já faz algum tempo, mas ainda assim tudo permanece tão vivo em minha mente. Quando fecho os olhos, é como se pudesse ouvir-te sussurrar juras de amor ao meu ouvido. Sinto o teu perfume inebriante. E por mais que eu saiba que são os meus sentidos que estão a me ludibriar novamente, eu não ouso abrir os olhos.
     Embora pensar em tudo o seja maravilhoso, ainda é doloroso para mim. Ter que sair da tua vida de forma tão violenta e prematura me machucou. Sofri inconformado, tentando entender os motivos, tentando justificar a dor. Sei que também foi doloroso para ti. Pude sentir tuas lágrimas. Para cada lágrima tua mil minhas foram derramadas.
     Hoje consigo aceitar nossa separação. Entendo que houve fortes motivos para tal. Desde então, passo meu tempo recordando de como éramos. Do quanto fui feliz contigo. E isso me conforta de certa forma. Mas percebo que ainda não conseguistes superar a perda. E te entendo. Não há ninguém aí que possa te explicar as verdadeiras razões de tudo.
     Por isso estou aqui. Sei que mesmo dormindo, podes me ouvir. Ao despertar, terás a certeza que foi um sonho. Mas estou aqui. Enquanto falo estas palavras, estou olhando teu rosto. Sentindo tua suave e harmônica respiração. Desejando-te ainda mais. Mas por mais que tente, não posso te tocar.
     Agora já não me resta mais muito tempo. Quero apenas dizer que te esperarei. Mas não deves te privar de tua vida. Viva! Seja feliz! Faça isso e será a maior das provas de amor. Estarei aqui velando por ti. Aguardando pacientemente o momento em que seremos um novamente. Até logo, meu amor.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Vestibular

     Tensão. O forte pulsar do coração, arredio, dentro do peito denota isso. O tempo não passa. Segundos são como minutos, minutos são como horas. Tensão. No rádio, entre uma música e outra anunciam que restam poucos minutos para o fim da agonia. Não existem mais unhas, todas foram roídas. A espera é quase uma tortura. Mas o receio da decepção é uma maior ainda.
     Então uma espécie de filme começa a passar na mente. Composto pelas mais variadas cenas: as muitas horas de estudo; as frustrações causadas pelas derrotas anteriores; os rostos daqueles que depositam todas as esperanças no sucesso disso tudo. O coração bate mais forte. O medo aumenta, assusta.
     Então o pensamento muda de cor, agora exibe tons otimistas: a possível alegria futura; a festa que poderá acontecer em algumas horas; os sorrisos e abraços sinceros e orgulhos que poderá receber. O medo perde terreno frente ao otimismo. E essa batalha épica se segue durante os longos minutos de espera.
     Existe ainda a fé. Recorrer às crenças ameniza a aflição. São preces e mais preces, mas só um pedido: o sucesso. Será, Deus, minha vez? Serei eu digno de tal glória? – Ele pergunta. Mas sabe que a resposta virá, em alguns minutos. Esperar sentado é impossível. É preciso andar, correr, mesmo que seja em círculos. Qualquer coisa que desvie a atenção.
    O rádio anuncia: é agora. Volume aumentado. Pensamento concentrado. Mais do que nunca é preciso compreender cada palavra que será dita. É preciso ter certeza. Mas são muitos cursos, nomes. É preciso esperar. Ainda mais. Não há nada a se fazer além disso. As mãos começam a suar. A hora se aproxima.
     Eis que falam o nome do curso. A metralhadora de aprovações começa a deflagrar os nomes dos felizardos. Mas eles estão em ordem alfabética. Parece que a inicial esperada nunca vai chegar. Vai se aproximando vagarosamente o momento em que o sonho irá se realizar, ou não.
     Chega então a tão esperada letra. Dedos cruzados. Fé. Respirar é tarefa impossível. Há muito em jogo. Há um futuro em jogo. Os lábios tremem inquietos aguardando o momento para soltar o grito há muito preso na garganta. Os nomes vão saindo e bingo: saiu meu nome.
     O grito sai, mas a ficha não cai. Será que me enganei? O telefone toca. Alguém me parabeniza. "Não estou louco sozinho", penso. Toca mais uma vez. Mais outra, e outra. É, enfim é possível acreditar: consegui. A lembrança de tudo o que passou até aquele momento trás consigo lágrimas. Não mais lágrimas de sofrimento, mas sim de alegria. As lágrimas do dia mais feliz de uma vida.
     21 de janeiro de 2011 será um dia eterno. As lágrimas da mãe orgulhosa, que sabe quão árdua foi a luta. O sorriso de um pai, tentando a todo custo conter um choro de orgulho. A vibração de um avô que agradece por ver o primeiro neto a entrar na federal. Os olhares, abraços e beijos de admiração. Enfim, é uma sensação indescritível. Tão aguardada e que trás consigo um sabor desconhecido. O sabor de um sonho realizado. Obrigado Deus!



     Dedico este post ao meu grande brother Gustavo Ferreira que, assim como eu, também foi calouro na UFPA, à amiga Mônica que também teve a alegria da aprovação, ao brother Leandro, mais novo calouro de matemática, e a  todos os outros que passaram merecidamente e possivelmente entenderam a sensação que eu tentei descrever no decorrer das linhas
acima. Talvez não tenha conseguido tão bem, mas é porque é simplesmente impossível descrever com
exatidão.
     Agradeço aos amigos que estiveram comigo comemorando e bebemorando esta conquista.
     Valeuuu!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Alucinação

Este é o último post de 2010. Agradeço a você que no vem acompanhando o blog nesses dois meses de existência. Obrigado pelos comentários e sugestões, isso só tem me ajudado a melhorar cada vez mais. Espero que goste dessa última estória do ano. Em 2011 prometo continuar postando novidades. 

Feliz ano novo, muito sucesso, paz e prosperidade. 


 Agora leia a "Alucinação".     

      -Oh, meu amor. Você não imagina o quanto eu senti sua falta. –Ela dizia com um brilho no olhar.

     -Eu também sofro quando não estou contigo. O tempo, só para me maltratar, passa vagarosamente. É como se me obrigasse a viver a eternidade sem ti. –Os olhar dele correspondia.

     -Mas, felizmente, felizmente estamos juntos novamente. Deixemos de lamentar o passado. Agora que estou contigo tudo o que quero é me entrelaçar em teus braços e beijar teus lábios. Esqueçamos o mundo. Esqueçamos tudo.

     -Que assim seja. Sabia que esse momento chegaria. Ainda que meu céu se envolva em trevas, sempre resta uma estrela de esperança que brilha pelo nosso amor.

     -Adoro tuas palavras. Sempre és tão romântico naquilo que dizes. Não bastasse tua doce presença, ainda tenho o deleite de te ouvir trovar em nome de nosso sentimento. És perfeito.

     -A perfeição não existe minha amada. Jamais serei perfeito. Sempre haverá alguém que julgará minhas palavras diferentemente da forma como julgas. Mas, não me importo, se tiver de tentar ser perfeito que minha perfeição seja aquela que te agrada o coração.

     -Não entendo. Como podem censurar-nos? Como podem evitar que nosso amor se concretize? Porque insistem em nos distanciar? Porque insistem em tentar envenenar pela distância meu sentimento por ti?

     -Amor meu, as perguntas são muitas, porém todas caem frente a uma resposta: inveja. As pessoas são egoístas demais. Um amor como o nosso incomoda. Todos anseiam um amor verdadeiro para si, porém quando não o encontram, sentem-se injustiçados e desejam que ninguém encontre.

     -O que sinto por ti é mais forte que tudo. Basta pronunciar o teu nome para que meu coração se encha de alegria. E em momentos como este, em que compartilhamos do mesmo ar, sinto-me afortunada. Ah, como te amo.

     -Não! Fuja minha amada! Eles estão vindo. Corra antes que seja tarde. Querem nos separar novamente. Não deixe. Não me deixe.

     -Jamais vou te deixar... – Diz ela antes desmaiar nos braços do enfermeiro, que rapidamente lhe aplicara um sedativo.

     Ela havia ficado apenas alguns minutos sem sua medicação. Mas, foi o suficiente para que, novamente, os sintomas da esquizofrenia se manifestassem. Estava novamente tendo uma alucinação com o noivo. Este falecera há cinco anos. Ela jamais superou a perda.

     Sem conseguir esquecer o amado, a infeliz desenvolveu a doença. Desde então vivia em um manicômio sedada por fortes medicamentos. Sem eles ela voltava a ter alucinações. Por meio destas mantinha a chama de um amor atrapalhado por uma fatalidade do destino. A loucura dava vida ao amor.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Acaso - Final

     Embora não fosse um ávido leitor, sabia que era preciso ler pelo menos um livro por ano. Nem que fosse o “Best Seller” do momento, só para ter assunto em uma possível conversa. Fui até uma livraria. Caminharia até o vendedor, perguntaria o livro mais vendido do mês, o compraria e sairia. Era o roteiro de sempre. Mas, uma capa de um livro chamou minha atenção e fui até ele.

     Como apenas observar não bastava, peguei-o nas mãos e fiquei contemplando a imagem da bela mulher que o ilustrava. Foi quando uma voz suave falou: “Nossa, um homem que gosta de romances. Coisa rara de se ver”. Imediatamente, virei para responder, mas faltaram-me as palavras. A mulher conseguia ser mais linda que a voz.

     Meio que balbuciando mantive o assunto com ela, comecei falando da meia dúzia de livros que já havia lido em toda a minha vida, mas tomando cuidado, é claro, para parecer um amante literário. Fiquei impressionado com o interesse dela sobre tudo o que eu falava.

     Convidei-a para um café. Ela aceitou. Fiquei nervoso. Jurava que ela iria recusar. Mas o que mais me assustava era saber que meu nível de leitura só me garantia mais meia hora de papo. Deveria então usar de artifícios para mudar o rumo da conversa. E consegui. Bastou perguntar da vida dela e tivemos assunto para a tarde toda.

     Fiquei encantado. Seu nome era Ângela. Era linda e inteligente. Contou-me que havia mudado para a cidade há pouco tempo. Peguei seu telefone e dois dias depois nos encontramos novamente. E o encanto aumentava. Após alguns encontros pedi-a em namoro. E, para minha alegria, ela aceitou. Nunca imaginei que um livro poderia me trazer tanta sorte. Estávamos apaixonados e eu já não conseguia me ver sem ela. Minha relação de dois meses atrás já havia ficado no passado. Eu sequer havia comentado com ela.

     Quando completamos três meses de namoro decidimos comemorar com um a festa: pedi que ela convidasse os amigos para que eu os conhecesse. Ela então organizou um almoço. Seria perfeito. Definitivamente eu queria conhecer as pessoas que a cercavam, afinal, agora eu fazia parte da vida daquela mulher maravilhosa. Queria que todos soubessem.

     No dia marcado fui até a casa dela. Surpreendi-me pela quantidade de carros. Definitivamente ela tinha muitos amigos. Assim que bati a porta, ela abriu com um enorme sorriso. Aquele sorriso das mulheres quando querem dizer alguma coisa: “Amor, você não vai adivinhar. Minha irmã chegou de viajem e veio almoçar conosco. Estar ansiosa para te conhecer. Seja gentil com ela, há poucos meses ela terminou um relacionamento e está tentando superar.”

     Em meio a minha ingenuidade, apenas consegui dizer: “Pode deixar, serei o mais gentil possível. E fico contente por poder conhec...”. Não tive tempo de terminar. Ela chamou a irmã. Quando a moça se virou, a surpresa: era minha ex. Percebi no rosto dela que compartilhava da mesma sensação que eu, porém, seu olhar denotava certa raiva.

     Ela caminhou até nós me encarando. Fomos apresentados formalmente. Era impossível saber quem era o melhor ator, afinal, fingimos tão bem que nunca havíamos nos visto. Uma amiga chamou Ângela, que nos deixou a sós dizendo para conversarmos um pouco. Carla falava comigo de um modo que era possível perceber a mágoa, por eu ter superado nosso término relativamente rápido, e o ódio pela superação ter se dado com a irmã dela.

     Eu não sabia o que fazer. A cada palavra que Carla dizia, eu percebia que seria difícil continuar com aquele relacionamento. Ela não deixaria. Minha única reação foi deixá-la falando sozinha e sair da casa. Fiquei um tempo pensando sobre o que acontecera. Como a vida havia brincado comigo: tinha me apaixonado pela irmã da mulher que um dia amei. O que fazer?

     Mas, agora eu amava Ângela. Eu merecia viver aquele sentimento. Seria injusto simplesmente sair da vida dela. Injusto para ambos. Após alguns minutos tomei minha resolução. Entrei na casa novamente. Chamei Carla e falei:  "Sei que você vai fazer de tudo para que meu relacionamento dê errado com sua irmã, assim como o nosso. Porém, não ligo. Fique a vontade. Eu estou sentindo algo diferente por ela e não vai ser você quem vai atrapalhar."

     Ela simplesmente me olhou por alguns segundos. E disse que aprovava minha decisão. Demorei um pouco para acreditar. Ela então me disse que o importante era a felicidade da irmã. Mas que se eu fizesse algo de errado, teria de enfrente a fúria de duas mulheres. E quanto ao nosso antigo relacionamento, deveria ficar no passado. Seria nosso segredo.

     E assim as coisas seguiram. Hoje continuo com Ângela. Carla tornou-se uma grande amiga, mas continua solteira. Estou feliz. Percebi que não posso ir contra os rumos que a vida toma. E assim, hoje sigo sendo cunhado da ex-namorada e namorado da ex-cunhada.