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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Passado Perdido

     Não me lembro há quanto tempo estava ali. Quando dei por mim estava parado diante daquele homem olhando-o nos olhos. Era um senhor de mais ou menos oitenta anos. Seu olhar me dizia isso. Aliás, aquele olhar me dizia tanta coisa que eu simplesmente não conseguia deixar e encará-lo. Era como se fosse um livro me convidando a viajar por suas linhas cheias de palavras, querendo contar suas histórias.
     Então lhe sorri e quase que instantaneamente ele retribuiu-me. Porém, ao contrário do meu, aquele sorriso não trazia consigo aquele ar alegre. Aqueles dentes outrora brancos, tal qual como uma folha de papel, adquiriram as manchas amareladas do tempo. Tinha um tom melancólico, solitário. Impressionei-me.
     Enquanto o observava, comecei a imaginar quanta história havia por trás daquelas rugas e cabelos brancos. Quantos fatos aquele homem pode presenciar no decorrer de sua caminhada através da sinuosa estrada da vida? Quantas mulheres amou? Quantas o amaram? Terá sido feliz? Porque hoje é triste? Eram tantas perguntas. Mas eu sabia que se olhasse bem fundo naqueles olhos poderia obter as respostas.
     Embora tentasse decifrar tudo o que aquele olhar tinha a me dizer, eu só conseguia chegar a uma conclusão: independente do quanto aquele senhor tenha vivido, qualquer vestígio de felicidade parece ter se dissipado com o tempo. Tudo o que eu conseguia perceber era a tristeza que transbordava de seus olhos tristes. Mas o que motivara tal sofrimento? Porque ele parecia tão infeliz? Mais uma vez, perguntas surgiam. Eu sentia que poderia encontrar as respostas, mas não estava conseguindo.
     Seria o tempo o responsável por aquele olhar tristonho? Sim, o tempo. Ele é implacável. Corre ao sabor do próprio ritmo, sem se preocupar com quem vai ficando pelo caminho. O tempo é um juiz, cujo veredicto é infalível e irrevogável. Veredicto que dá sentido ao velho ditado do “aqui se faz, aqui se paga”. Mas o que teria feito aquele homem de tão ruim para merecer a ira do tempo?
     A cada segundo eu sentia como se aquele homem fosse bem mais que apenas um velho desconhecido. Os contornos enrugados daquele rosto maltratado pelo tempo começavam a me parecer tão familiares. A melancolia daquele olhar sofrido me era tão familiar. Era como se eu pudesse sentir a mesma dor que ele sentia. Não era comiseração, era uma dor real.
     Tão real que ele percebeu que eu compreendia e sentia o mal que lhe consumia. Vi quando uma lágrima brotou daquele olhar e escorreu suavemente pelo rosto do velho senhor. Neste momento despertei. Senti que uma lágrima corria por minha face também. Foi então que percebi o que acontecia: aquele senhor de olhar melancólico era eu. Diante do espelho eu tentava em vão resgatar o meu passado, tudo que vivi, mas que o maldito Alzheimer me roubara da memória. Por fim, eu estava certo, aquela dor era real.


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