Páginas

sábado, 5 de março de 2011

Realidade

     Ele abre os olhos. A imagem que se desenha diante de si em meio à penumbra é a silhueta de uma mulher sentada à beira da cama. Mesmo com pouca luz, ele é capaz de observar a suavidade das curvas que compõem aquela cintura. Apenas contemplar não é suficiente e, cedendo ao impulso, ele estende a mão para tocá-la. Com a ponta dos dedos vai suavemente percorrendo aquele caminho macio.
     Após alguns segundos de carícias ela se vira. Mesmo no escuro ele consegue ver os traços daquele rosto. São belos, familiares. É o rosto da mulher amada. Ela se reclina sobre ele. Toca-lhe os lábios docemente. Aos poucos vai aumentando a pressão. Até que o sutil toque se transforma em um beijo ardente e voraz. Sedentos de prazer, os dois se amam até o amanhecer.
     Ela adormece. Mas ele não. Ainda extasiado, permanece contemplando aquela beleza. Já está claro e agora tudo se revela diante de seus olhos. Estão em um quarto em algum lugar alto, pois a vista é primorosa. A decoração do quarto é repleta de elementos finos. E, para dar o ar de perfeição ao cenário, há aquela linda mulher que dorme. O lençol cobre-lhe parcialmente o corpo, em alguns pontos chega a moldar-se perfeitamente a ele.
     Satisfeito com tudo aquilo, ele deita ao lado da amada. Carinhosamente, aconchega-se àquele corpo sob os lençóis. Afaga aqueles belos cabelos negros. Pensa na sorte que tem de ter aquilo tudo. Agradeceria a Deus, se Nele acreditasse. Abraça mais forte a mulher, a fim de compartilhar um pouco do calor daquele corpo. Não demora muito e adormece.
     Ele abre os olhos. Mais uma vez desperta imerso na escuridão. Olha para os lados, porém dessa vez não vê sua amada. Decide então se levantar. Mas percebe que está amarrado à cama. Tenta mover as pernas, mas descobre que não mais as tem. Apavora-se. Chora. Grita. Que lugar é aquele? Porque está amarrado? Porque lhe cortaram as pernas?
     Então a porta do quarto se abre. Uma luz se projeta para dentro do recinto. A sombra de um homem aparece à porta. Ele tem uma seringa na mão. Vem em direção à cama. Temeroso por tudo aquilo, o infeliz tenta se soltar aos berros. Mas percebe que é em vão. O homem então para diante dele. Aplica-lhe violentamente uma injeção, enquanto o pobre homem sente os olhos pesarem e a voz falhar.
     Ele abre os olhos. Desperta assustado, suado. Está de volta ao quarto onde adormeceu. Seu sobressalto incomoda o sono de sua amada que dorme ao seu lado. Ele a abraça forte. Beija-lhe a face e respira tranqüilo. “Foi apenas um pesadelo!” diz para si mesmo. Deita novamente e volta a adormecer.

     Dorme tranqüilo, crente que aquilo tudo é real. Pobre tolo. Não imagina que, na verdade, o que pensou ser pesadelo é que era a realidade. Não imagina que vive um sonho. Uma fantasia monitorada por médicos e enfermeiros que o mantém sedado para que não acorde e perceba sua infelicidade: sua amada esposa faleceu no mesmo acidente que o fez perder as pernas. Para que não descubra que sua vida se perdeu e que só lhe restou ser cobaia e viver preso em um quarto escuro de um centro de pesquisas.
     Mas, ele não precisa saber. Porque contar-lhe a verdade e despedaçar ainda mais aquele coração? Porque trazê-lo de volta à cruel realidade que os homens atormenta? É melhor deixar que viva nesse mundo ilusório. É melhor que se apegue a essa realidade falseada. Assim ele é feliz. Quando a realidade se mostra difícil, as ilusões ganham força e mitigam o sofrimento. Afinal, é para isso que os sonhos servem: amenizar as crueldades da vida real.

Fonte imagem: http://objetos.radiometropole.com.br/img_original/2010_11_1812_35_5320297dormirdeconchinha.jpg

Um comentário:

Se você gostou do texto acima, fique a vontade para comentar. Críticas, elogios ou sugestões serão sempre aceitos. Se acaso achares que o blog merece, siga-o.
Obrigado. R.H.