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quarta-feira, 9 de março de 2011

Quarta-feira de cinzas

     Entre pandeiros e tamborins, confetes e serpentinas ela entrou em minha vida. Seria apenas mais uma na multidão, um amor de carnaval como muitos outros anteriores. Nos aproximamos sem desviar o olhar. Parei diante dela sorrindo. A bela moça olhou em meus olhos como que procurasse por algo. Em seguida perguntou meu nome. Embora estivesse um pouco desconcertado após aquele olhar, eu lhe disse. Antes que pudesse terminar, fui interrompido por um beijo repentino.
     Foi um beijo diferente. Era como se aqueles lábios precisassem dos meus. Aquela atitude, aquele beijo, definitivamente eu havia encontrado alguém interessante. Eu sentia isso. Interessei-me em conhecê-la melhor. Perguntaria-lhe o nome, porém ao fim do beijo só vi quando o vulto daquela estranha sumiu na multidão. Corri atrás dela, precisava saber quem ela era.

     Procurei-a por horas, mas não obtive sucesso. A noite havia perdido a cor. Parecia não haver mais mulheres interessantes. Eu estava disposto a encontrá-la. Porém, já era madrugada e meus amigos me obrigaram a ir descansar para o dia seguinte. No meio do caminho até o hotel onde estávamos, contei-lhes sobre a desconhecida. Todos riram de mim. Afinal, eu estava solteiro a menos de um mês, deveria aproveitar a festa e não me fixar a uma mulher que só quis um beijo.
     Mesmo com todos os “conselhos”, decidi que no dia seguinte a encontraria. Dormi pensando naquele beijo. Por vezes me julguei um idiota. Como poderia ter ficado encantado por um simples beijo de alguém que eu nem conhecia? Isso ia contra tudo o que eu entendia por racional.  Mas a vontade de encontrá-la novamente estava latente em meu pensar. Já era quase dia quando enfim consegui dormir.
     Sonhei. Estava novamente em meio à multidão e tudo se repetiu. Porém, dessa vez ela estava lá quando abri os olhos. Ela sorria para mim. Eu não consegui me conter e a beijei novamente. Por fim olhei em seus olhos e perguntei seu nome. Ela sorriu. “Meu nome é...”. Alguém me acordou antes que pudesse ouvir.
     A frustração por ter de despertar naquele momento fez com que acordasse mal humorado. Tanto que decidi sair sozinho. Mesmo porque não queria ouvir as piadinhas dos meus amigos quando percebessem que eu estava procurando por ela. Andei por todos os lados, olhei em cada rosto feminino que por mim passava, mas nem um era o dela.
     A noite avançava quando decidi voltar para o hotel. Estava exausto e já não tinha mais esperanças de encontrá-la. Seguia de cabeça baixa quando uma mão me deteve e levantou meu rosto. Era ela. Mal pude acreditar. Ela interrompeu meu espanto com mais um beijo. Eu tentei perguntar seu nome. Ela pôs a mão em meus lábios. Então caminhou para uma rua escura.
     Eu a segui de perto. Entrei na rua a sua procura. Percorri-a até o fim, mas não encontrei ninguém. Era como se ela estivesse desaparecido em meio à escuridão. Julguei se uma brincadeira de mau gosto. Mas após alguns minutos percebi que ela não voltaria. Voltei para o hotel confuso. Não entendia o porque daquela atitude. Adormeci antes que meus amigos voltassem. Esperava sonhar com ela novamente e não queria ser interrompido novamente.
     E foi o que aconteceu. Ela esteve em meus sonhos mais uma vez. A cena de horas atrás se repetiu. Ela me beijou e entrou na rua escura. Eu fui atrás dela novamente. Estava muito escuro e eu não conseguia ver nada. Mas senti quando ela me abraçou. Senti aqueles lábios subindo por meu pescoço a procura dos meus. Desejoso por aquele beijo, eu cedi. Mas senti que o rosto dela estava úmido. Ela estava chorando. Perguntei o motivo, mas a resposta veio em uma palavra: “Adeus”.
     Neste momento acordei. Ainda estava sozinho no quarto. Olhei no relógio e percebi que haviam se passado apenas cinco minutos desde a minha chegada. Tentei dormir pensando sonhar continuar o sonho. Mas sequer sonhei. Procurei por ela no dia seguinte, mas não a encontrei. Ela simplesmente havia sumido.
     A quarta feira de cinzas chegou para por fim ao carnaval, e às minhas esperanças de encontrá-la. Voltei para casa de manhã bem cedo. Ao chegar, observei que havia certa tristeza pairando no ar. Perguntei à minha irmã o motivo de ela não ter ido nos encontrar. Havíamos até reservado um quarto onde ela ficaria com as amigas. Mas, durante todo o carnaval ela sequer dera notícias.
     Ela então me explicou com lágrimas nos olhos o que havia acontecido: às vésperas da viagem, uma das amigas que iriam com ela havia falecido. Ela falou o nome da moça, mas não me pareceu familiar. Parecia ser uma amiga que eu não conhecia. Percebendo minha indiferença, ela pegou o jornal onde havia uma reportagem sobre o ocorrido. Leu a matéria para mim com a voz mareada. Por fim, mostrou-me a foto da moça.
     Faltou-me o ar, bem como a voz. Diante do meu sobressalto, minha irmã ficou surpresa. Perguntou-me o porque de tamanho nervosismo. Assim que me acalmei, perguntei quando ela havia falecido. Segundo ela, a infeliz perdera a vida no mesmo dia em que viajei com meus amigos. Fiquei ainda mais confuso. Como poderia ela estar morta se eu a havia beijado?
     Contei tudo o que havia acontecido à minha irmã. Ela ficou estática. Então contou-me algo que eu desconhecia. Aquela moça havia se tornado amiga dela há poucos meses. Me vira uma vez e não conseguira esconder o interesse, porém, eu era comprometido. Mesmo com o passar dos meses, ela não havia me esquecido e, assim que soube que eu estava solteiro, decidira me conquistar.
    Mas nossos caminhos nunca se cruzavam, de modo que o carnaval pareceu a oportunidade perfeita para ela. Ela havia dito que iria se aproximar de mim e tinha certeza que eu me apaixonaria e enfim ficaríamos juntos. Porém, a morte interrompera seus planos. Pelo menos parte deles. Pois, mesmo sem entender o que acontecera, eu havia me apaixonado.
Fonte Img.: http://ipiauonline.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2011/03/crentes.jpg

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