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sexta-feira, 25 de março de 2011

Contenda

     Acabo de chegar à minha casa, mas o cheiro de sangue ainda está impregnado em minhas roupas. Mas isso não me incomoda tanto. O pior é a imagem recorrente em meus pensamentos. A imagem do homem que acabo de matar. Disso eu sei que jamais conseguirei me desvencilhar. Mas foi por um motivo perfeitamente justificável: vingança. Para ser mais específico, vingança em defesa da honra.
     A vida que acabou de ceifar era do homem que há dez dias matou meu pai. Ele o fez pelo mesmo motivo que acabo de alegar. Pois, meu pai fora o assassino do pai dele. E também o fizera em defesa da honra. Enfim, não sei ao certo quando tudo isso teve início. Muito menos quem começou essa matança. O que sei é esta contenda entre nossas famílias perdura há mais de quarenta anos.
     Há sete anos, meu pai havia acordado uma trégua com o chefe da outra família. E foi este o mesmo que a quebrou ao assassinar meu pai. Como filho mais velho, coube a eu fazer o que manda a tradição: vingar a morte do meu pai, dando ao assassino a mesma punição que dada por ele a meu genitor. E é o que acabo de fazer. Aguardei até o sétimo dia após a morte de meu pai. Após isso comecei a planejar como faria tudo.
     Agora, começa a contagem regressiva para mim. A minha expectativa de vida é de mais sete dias: período em que a outra família irá chorar a perda do ente querido. Findados estes dias, o filho do homem que matei virá buscar minha vida, a qual, agora, julga lhe pertencer.  Possuo estes dias para gozar a vida que resta ao lado da minha família, amar minha mulher e filhos.
     Injusto? Diria que depende do ponto de vista. Para minha esposa tudo isso é loucura. Minha mãe entende que eu fiz o que devia. Meu único filho homem é o único que ainda não entende tudo isso. Mas em breve entenderá qual deve ser seu dever. Afinal, o sangue daqueles que amamos é derramado, entendemos até onde somos capazes de ir para vingar aquela perda.
     Minha morte poderia ser evitada? Diria que sim. Mas isso iria contra todos os valores que foram repassados a mim desde criança. Os quais também repasso a meu filho enquanto estou vivo. Eu poderia me policiar e tentar acabar com a vida de meu algoz antecipadamente. Mas isto violaria a tradição da contenda. Portanto, cabe a eu viver os dias que me restam despreocupado, aguardando até que aquele que agora chora, venha cobrar de mim o que é dele por direito.
     Minhas filhas indagam o porquê das lágrimas derramadas pela mãe. Por enquanto são jovens demais para entender. Mas em breve irão se enquadrar nisso tudo. O que me conforta é saber que tenho um filho para, quem sabe, por um fim nisso tudo. Agora só resta um homem naquela família. Logo, assim que eu for morto, meu filho terá o direito de tirar a ultima vida masculina que resta daquela raça desgraçada. Creio que assim, finalmente, tudo isso terá seu ponto final.
Tudo o que acabo de dizer é loucura? Não. Isto se chama justiça. Loucura seria permitir que algum deles ficasse impune após derramar o sangue de um dos nossos. Loucura seria esperar que eles deixassem-nos livres após tirarmos a vida de um deles. Pois a ausência do senso de justiça é que é loucura. O que fazemos é o justo. O que fazemos é nossa maior demonstração de sanidade. Fazemos nossa justiça com as próprias mãos.

Fonte img.: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrYSmyG55SzghAOSyRfAKj8QfEjpW_eKu3nB27M0tIdYTS1Hknbt5hkaqlC-w1lBdjdzWnq7bECae1PAoReoX3Xpf4woXe8pLafEXVc6DmVix7luSLxrXLJ7U3TjxNjT9wI8O02k9mT5c/s1600/m%C3%A3o.jpg

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