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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Amanhã

     A noite havia sido longa. Eu precisava daquele banho para relaxar e dar prosseguimento à segunda parte. Mas, antes de sair, o narcisismo costumeiro forçou-me a encarar o espelho. Contemplei novamente meu rosto, meu corpo atlético que, nem de longe, denotava meus quarenta anos. Enfim, era a injeção de auto-estima que faltava para inflar meu ego por completo. Agora sim podia ir ao encontro daquela que me aguardava.
     Ao sair do banheiro, um suave aroma veio até mim. As luzes do quarto estavam apagadas. Apenas uma vela acesa na cabeceira da cama iluminava o ambiente. Era dela que vinha a essência perfumada. Sobre a cama uma silhueta se desenhava em meio à penumbra. De onde estava não possuía uma visão privilegiada, por isso caminhei lentamente para poder ver melhor.
     Ao me aproximar, vislumbrei-a sobre a cama: estava deitada, completamente nua, olhava em meus olhos convidando-me a amá-la. Meus olhos passearam sem pressa por aquele corpo, como fossem turistas que, deslumbrados, caminham a passos lentos para contemplar ao máximo a paisagem a sua volta. Entretanto, aquela figura era tentadora demais para que somente meus olhos se deleitassem. Precisava saciar a vontade que dominava meu corpo.
     Avancei sobre ela com avidez, como se aquela fosse minha última noite. Entorpecer-me no calor daquele corpo não foi difícil. Aqueles beijos, suspiros, até nossa respiração parecia sincronizada. Personificamos com ardor o desejo. Ela sussurrava ao meu ouvido o que eu queria –precisava- ouvir. Parecia adivinhar meus pensamentos: ora movia o corpo lentamente ora com rapidez selvagem. Com habilidade, ela regia a sinfonia do meu gozo.
 
     Do alto de minha experiência sexual, jamais tivera noite semelhante. Aquela mulher, definitivamente, detinha o controle sobre minha volúpia. Os olhares, os gemidos, o prazer. Tudo isso fez com que minha racionalidade me abandonasse. Sem que me desse conta, esquecera-me que nosso envolvimento deveria ser apenas físico. Aquele brilho maldito já pousava em meu olhar. Eis que veio o ápice, a explosão do prazer. Foi então que, indefeso, reconheci: apaixonei-me.
     Com o corpo sobre o meu, ela me encarava enquanto sua respiração, outrora ofegante, voltava ao normal. Ela era a mistura de meus maiores anseios: a pele morena, os lábios generosos, o olhar sedutor... o sexo perfeito. Sabia que deveria ficar com ela. E eu o diria, assim que ela deitasse ao meu lado. Conversaríamos por alguns minutos. Ela não resistiria ao meu charme. Amaríamos-nos novamente até o amanhecer. Aquela noite se eternizaria em minha vida.
     Mas, me enganava. De súbito, ela se levantou. Foi até o banheiro. Imaginei que voltaria para ficar comigo. Ela voltou, apanhou as roupas que estavam espalhadas pelo chão. Vestiu-se enquanto eu a observava atônito. Depois de arrumada, caminhou até a cama. Inclinou-se sobre mim. Imaginei que me beijaria. Apenas sussurrou em meu ouvido:
     -Espero que tenha gostado de nossa noite. Em nome da agência agradeço por sua preferência. Precisando, pode contar sempre com nossos serviços. Caso queira encontrar-me novamente, meu nome é Kelly. Mas, se preferir, dispomos de várias outras acompanhantes. Tenha uma boa noite.
     Após dizer isso, ela foi embora. Solitário naquele quarto me dei conta de meu devaneio. O prazer de outrora despertara em mim a essência romântica há muito reprimida. Mas, felizmente, as palavras da prostituta foram suficientes para despertar minha racionalidade. Nos dias de hoje, amar é estar vulnerável. E esse é um luxo para poucos. O realismo do mundo me fez ser o que sou. Amanhã, ao despertar, isso tudo será um sonho. Amanhã estarei de volta à minha vida, e ao mundo dos que não podem amar. Amanhã...

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