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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ironia

     O meu expediente acaba de começar. Eu estava respondendo ao e-mail de um cliente importante quando minha superior entrou. Fechou a porta à chave e veio em minha direção desabotoando o vestido. Eu permaneci imóvel tentando entender o que acontecia. Tive completo entendimento quando ela parou diante de mim trajando apenas aquela lingerie vermelha.
     Naquele momento percebi que não haviam saídas. Durante meses eu conseguira resistir às investidas daquela mulher, porém jamais imaginei que ela chegaria a tanto. Estava confuso, nervoso. Ela percebeu e avançou sobre mim tentando “me acalmar”. Pressionou o corpo sobre o meu e sussurrou ao meu ouvido: “Agora não há volta. Eu disse que consigo tudo o que desejo. Não há como você fugir de mim!”.
     Aquelas palavras provocaram em mim um misto de excitação e receio. Receio pelo que eu estava prestes a fazer. Logo eu, que sempre fui fiel e condenava qualquer tipo de traição. Porque aquilo estava acontecendo? Porque justamente comigo? Antes que pudesse me fazer mais perguntas, ela começou a me despir. Percorria meu corpo com as mãos, com tanta intimidade que parecia conhecê-lo perfeitamente.
     Aos poucos fui perdendo o controle, de modo que a excitação me dominou. Avancei sobre ela com a voracidade de um animal sedento. Os olhos dela brilhavam de êxtase. Joguei tudo que havia sobre a mesa ao chão e a deitei. Percorri aquele corpo com beijos, dos pés aos lábios. Cometeria aquele pecado. Iria ceder ao impulso, mesmo sabendo a culpa que viria depois.
     Porém, quando olhei para aquele rosto, a imagem de minha esposa me veio à mente. Recordei a noite anterior (quando havíamos feito amor); a voz dela me dizendo “eu te amo”; o sorriso com que me recebe sempre que chego do trabalho. Por fim, vislumbrei a imagem dela há poucas horas me beijando e desejando um bom dia de trabalho.
     Após tais lembranças, era impossível continuar com aquilo. Mas como explicar isso para a mulher sob a minha mesa quase nua com o corpo embaixo do meu? Ela percebeu que meu rosto assumira a expressão de preocupação de outrora e tentou me segurar. Mas consegui sair de cima dela e comecei a me vestir rapidamente. O que era excitação tornou-se fúria. Ela avançou sobre mim tentando rasgar minhas roupas. Dizia que me processaria por assédio sexual, que minha vida profissional estaria acabada.
     A porta trancada e a força dela tornavam impossível a tentativa de sair dali. Porém, uma janela aberta foi a oportunidade perfeita. Passei por ela rapidamente e cai no estacionamento do escritório. Por sorte a chave do carro ainda estava presa à minha calça. Entrei no veículo rapidamente e parti com velocidade. O som dos pneus queimando o chão despertou a atenção de quem estava na rua. Ela ficou me olhando pela janela com o olhar de fúria típico de uma mulher rejeitada.
     Eu sabia que depois daquilo perderia meu emprego. Mas não importava, tudo o que eu queria era chegar em casa e ficar com aquela que me amava. Como eu pude pensar em traí-la? Logo ela que sempre fora tão fiel, tão pura. Eu era um monstro. Eu devia desculpas a ela pelo erro que quase havia cometido. Eu precisava daquele abraço. Eu precisava saber que ela me perdoaria.
     Dirigi como um louco, ignorando a sinalização, cometendo as mais variadas imprudências. Mas, felizmente consegui chegar em segurança até minha casa. Como não tinha condições de estacionar o carro, acabei deixando-o sobre a calçada. Corri em direção ao meu porto seguro. Corri em direção a minha amada. Sabia que ela ficaria surpresa ao ver-me tão cedo em casa. Não havia como mentir, eu devia ser sincero e contar tudo o que acontecera.
     Entrei e comecei a procurá-la. Como não  achei-a nos outros cômodos, fui até o nosso quarto. Ela devia estar lá. E estava. Ao abrir a porte contemplei uma cena inesperada: vi minha esposa fazendo amor com outro homem no chão do quarto. Ela se contorcia de prazer e gemia com vontade. De modo que, imersa no prazer, nem notou minha presença. Meu sorriso, assim como o meu coração, se desfez diante daquilo.
     Irônico não? Mas a vida é irônica. Ela traça os mais tortuosos caminhos e somos obrigados a segui-los enquanto ela zomba de nós. Eu sou um ótimo exemplo: fui ludibriado tão bem e por tantos anos. Mantive-me fiel, mesmo quando parecia impossível. Em vão. Aquela que eu julgava ser o anjo da minha vida, na verdade era o mal que me cegava com seus adultérios. Em poucas horas minha vida se destruíra por completo. Perdi meu emprego, a ilusão de um amor. Mas em troca ganhei uma certeza: a vida às vezes é ironicamente cruel com quem tenta fazer a coisa certa.



Um comentário:

  1. Meio rodrigueano... Poucas inspirações são tão valiosas. Parabéns, Seu. De novo e de novo!

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