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sábado, 16 de abril de 2011

Eterno

     E lá está ele novamente. Bem no horário costumeiro. Estou aqui há dez anos e jamais ele se atrasou. Tão dedicado, tão pontual. Ele atravessa o jardim, cuidadosamente apanha uma flor e caminha até o banco que fica sob o carvalho. Senta-se e se põe a observar o horizonte, esperando-a chegar. Seus olhos brilham de esperança. Ele aguarda. O sol parte e, mais uma vez, ela não veio. Ele então levanta, esboça um sorriso, e caminha de volta com a flor nas mãos.
     Há dez anos vejo esta cena se repetir. No começo não entendia o porquê daquele senhor seguir isto religiosamente todos os dias. Mas, com o passar dos anos, pude compreender que o sentimento que o motiva é bem mais forte que a idade. Agora sei, que enquanto este homem tiver forças para caminhar, ele permanecerá repetindo este gesto. Mas, para que fique mais claro, permita que eu conte a história deste pobre homem.
     Ele sempre viveu nesta casa. Fora educado por seu pai, homem de posses, mas que o via como sua maior riqueza. Fruto de um amor atrapalhado pelo destino, tivera de apartar-se prematuramente do seio materno por culpa de um acidente que ceifou a vida de sua genitora. Crescera ao lado do pai, que cuidou de ensinar-lhe tudo o que sabia.
     Viveu rodeado pela atenção paterna. Era rapaz distinto, interado da cultura de seu tempo e bem relacionado. Mas a infelicidade de um infarto fulminante ceifou a vida daquele a quem tanto amava. Tinha exatos vinte anos quando se viu sozinho. Embora dor fosse forte, entendia que era preciso tomar as rédeas da situação e assumir o controle do que herdara. Essa era a vontade de seu pai. Ele o preparara para isso desde cedo.
     Fora bastante promissor em sua administração, de modo que em cinco anos já dobrara a riqueza que havia herdado. Era cobiçado pelas solteiras da cidade. Os pais assediavam-lhe oferecendo-lhe as filhas. Mas, ele parecia não se importar com a solidão. Era como se aquela vida só existisse em função do trabalho. Pelo menos ele não demonstrava interesse algum em relacionamentos.
     Mas, como o destino sempre opera mudanças em nossas vidas, na dele não havia de ser diferente. Aquele coração congelado pelo tempo se reavivaria consumido pelas chamas do amor por uma morena. A mais bela dentre todas. Porém, para sua infelicidade, ela era casada. Esposa do homem que sempre fora inimigo de seu pai, com quem também tinha suas desavenças.
     Embora a situação não os permitisse viver o que sentiam, o amor daria um jeito de uni-los. E foi por meio de encontros furtivos que puderam gozar de seus sentimentos. Todos os dias se encontravam antes do pôr-do-sol sob aquele velho carvalho. E ali deixavam-se guiar pelo desejo de seus corações. Sonhavam, faziam planos para o futuro.
     Futuro que infelizmente não chegou. Pois foram descobertos. O marido da moça, movido pela cólera de ter a honra manchada tratou de separá-los para sempre. Certo dia quando ela voltava de mais um encontro amoroso, ele a matou. Todos sabiam que ele cometera o crime, mas não havia como provar. Assim, ele seguiu impune.
     Quanto ao nosso jovem, ao saber tal notícia não acreditou. Julgava que nem mesmo a morte poderia ser mais forte que seu amor. Tanto que, mesmo vendo sua amada morta, julgou estar sendo ludibriado por sua visão. Julgou que o mundo tentava enganá-lo. E assim, desconfiando de tudo e todos, mergulhou nas águas da loucura e jamais saiu.
     No dia seguinte após o enterro, ele foi esperá-la sob o carvalho. Mas, como se pode imaginar, ela não apareceu. Todos que contemplaram a triste cena, tentaram dissuadi-lo de insistir. Afinal, ela estava morta. Porém, contrariando todos, ele recusou, e deu como resposta:
     “A morte é um mal que só encontra morada no coração daqueles que desconhecem a pureza do amor. A vós ela pode estar morta, mas não para mim. Encontrar-me-ei com ela até o fim de minha vida, pois sei que todos os dias ela virá ao meu encontro, e eu seria um tolo se a deixasse esperando.”
     Dito isto, ele permaneceu cumprindo o ritual do encontro diário. E até hoje o faz. Nem mesmo a idade avançada consegue deter este coração. Às vezes tenho a impressão de que ele está certo, que ela vai ao seu encontro todos os dias. Às vezes o julgo louco. Mas, na verdade, eu o invejo. Invejo o sentimento que vive neste homem, que o impele a vencer o tempo, a idade, a razão.
     Quisera eu um amor assim. A cada dia que vejo este homem caminhar pelo jardim para ir ao encontro de sua amada, percebo que a vida é pouco para o amor. Que a força deste sentimento ultrapassa as fronteiras deste mundo. Compreendo que a eternidade pode ser pouco para viver tal sentimento. E sinto pena de mim, por sentir que talvez nunca sinta algo com tamanha intensidade. Nunca conhecerei o poder de um sentimento eterno.

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