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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Futepolítica

Antes de qualquer coisa, permita-me pedir desculpas pelo recurso a tal metáfora, há muito vulgarizada, para ilustrar o panorama atual. No entanto, conquanto a comparação remonte a tempos anteriores ao penta, quiçá ao tetracampeonato da seleção brasileira de futebol, o fato é que a mesma segue, infelizmente (para alguns), se encaixando à realidade do país.

Nunca antes na história desse país... (você entendeu a referência, eu sei, mas, asseguro que o recurso a tal bordão foi proposital, para, dependendo da sua reação, permitir que você identifique para que time torce, nesse campeonato onde, aparentemente, só dois times jogam) ...a política foi tão debatida com ânimos futebolísticos. Falo sério. Há muito tenho observado aqueles que me cercam, e percebo que a política tem dominado boa parte dos corações (quando deveria ter por habitat natural a razão, diria).

Aparentemente, vivemos uma constante final de campeonato. Um clássico daqueles. Brasil e Argentina. Fla-Flu. Gre-Nal. Re-Pa. Esquerda-Direita. Estes últimos são os times em campo. Logo, você deve escolher sua cor, vestir a camisa, e gritar, chorar, xingar, torcer até enr(l)ouquecer. Ainda que você não seja um ávido torcedor, é preciso escolher um lado da arquibancada. Não há meio termo, neutralidade. Não pode haver.

Exemplos que evidenciam esse ponto, tivemos muitos. Vide as votações do impeachment, que tiveram os votos de deputados e senadores sendo comemorados como se gols fossem. Até mesmo os dias, coincidiram com o do futebol: um domingo e duas quartas feiras. Tudo devidamente televisionado, com ampla cobertura da imprensa esportiva política. Em todos os três jogos, o time da esquerda saiu derrotado. Há quem diga que o esporte como um todo foi prejudicado, mas, "futebol é campo e bola", diriam alguns. Logo, o que vale é o resultado.

E quem comemora e chora os resultados? A torcida, claro. E, uma vez mais, tal qual ocorre no futebol, há aqui aqueles que se organizam. De ambos os lados. Torcidas uniformizadas, coreografadas, com gritos de guerra e tudo. Às vezes, quando não tem jogo, até vão às ruas manifestar sua paixão. Infelizmente, como também ocorre no futebol, há confrontos quando essas torcidas se encontram. A paixão transborda, os ânimos não se controlam e, por fim, a resolução acaba sendo buscada no grito, no braço. Lamentável. Mas, como já fora dito antes, no fim, todos acabam se acomodando em seus lugares na arquibancada, para ver a partida (felizmente?).

Aqui também há vezes em que lances polêmicos ocorrem, cabendo aos juízes decidirem a respeito da regularidade dos mesmos. E, pasmem, também há um lado que comemora, elogia, torce pelo juiz. Ao passo que o outro, o dito "prejudicado", questiona a atuação do mesmo, aponta para o regulamento, indaga sobre a honestidade do julgador. E tudo é tão volúvel, que o juiz que hoje é o herói, no jogo seguinte pode ser o maior dos facínoras. Basta que atue de modo diverso do esperado. Sim, política futebol tem dessas coisas.

Entretanto, o mais interessante nessa comparação, está no fato de que, não importa o quanto aqueles que estão na arquibancada torçam, chorem, briguem; eles, quase sempre, não passam de meros espectadores, cujas apostas, a despeito do quão altas possam ser, independem suas vontades, estando condicionadas ao modo como os jogadores que vestem as cores do time vão se portar em campo. Irônico? Pois é. A política O futebol é assim.

Claro, não se pode ignorar que há aqueles torcedores mais ativos. Inconformados, protestam, cobram dos jogadores, do técnico, da comissão, pedem mais comprometimento, clamam por vitórias, títulos. Mas, esses renitentes não costumam ser bem vistos, nem mesmo pela própria torcida. Geralmente, lhes relegam a pecha de vagabundos. Sim, pois futebol é coisa para as horas vagas. É preciso cuidar da vida. No máximo comentar durante os intervalos. Torcer mesmo, só quando há jogo.

É preciso, no entanto, fazer uma ressalva: é verdade que há aqueles que tentam discutir o tema durante o trabalho, na mesa de bar, na faculdade. Mas, de modo geral, são embates que partem do nada para lugar nenhum. Os envolvidos no debate de digladiam, amiúde se ofendem, e no fim ninguém muda de opinião. Não há vencedores ou perdedores. No máximo, alguém sai levemente ressentido, e mais apaixonado pelas convicções próprias.

Costuma, porém, haver um uníssono entre os torcedores, o único ponto de convergência. Diz respeito àqueles que simplesmente declaram não gostar de futebol, ou, se gostam, não torcem para nenhum dos times. Ah, isso gera revolta. Há, inclusive, termos pejorativos para tratar destes indivíduos que tentam fugir da dicotomia. No entanto, de modo geral, o que se busca é emoldurar o infeliz em uma das cores, mesmo que este se manifeste em contrário. O elogio a performance de um jogador pode imediatamente ser interpretado como simpatia pelo time que o mesmo defende. Qualquer coisa pode ser utilizada para fins de enquadramento em uma das faixas dessa via de mão dupla. O que não pode é ficar no acostamento, à beira do gramado, vendo o jogo rolar. Isso não.


Você talvez deva estar pensando que a metáfora foi um tanto forçada. Ou então, reducionista. É possível. O texto parte de uma inquietação de quem simplesmente observa. Sim, aquele que ao final subscreve é um desses infelizes que insiste em sentar à beira do gramado, apenas para acompanhar o jogo, sem torcer por nenhum dos lados. Isso lhe incomoda? Se sim, fique à vontade para vestir sua camisa, apontar o dedo e tentar me enquadrar em uma das torcidas. Posso até me sentar junto a você na arquibancada, para conhecer de perto sua paixão. Porém, se a reação foi outra, e você percebeu que há a opção de simplesmente não torcer, seja bem-vindo. Sente-se à beira do gramado também e observe: a paixão, a torcida, o jogo. Daqui, é possível ver e ouvir alguns lances que o barulho da torcida acaba por abafar.

Um comentário:

  1. Robson, gostei dessa reflexão. Independente de se concordar ou não, este tipo de crítica é importante pra estes tempos de antagonismo e intolerância. Um abraço e SRN.

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Obrigado. R.H.