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sábado, 11 de janeiro de 2014

Rosa

    Ao chão, jogada, estava a Rosa, com a alma machucada pelas palavras de aço. O ego cheio de hematomas doía bem mais que a carne agredida. Os golpes não cessavam, mesmo ao longe, ele continuava a disparar frases cruéis, suas verdades mentirosas que rasgavam o ar e atingiam-na em cheio. O sangue quente fugia-lhe pelo corte no canto da boca. Por trás do olhar, pensamentos reviravam-se em fúria. Os sentimentos convergiam em uma única direção – a insanidade.

     Aquele maldito ébrio falastrão confiava tanto na resignação arraigada, que sequer esperava reação. Não teve tempo de surpreender-se quando ela cravou-lhe a faca nas costas. Mas o demônio teve sorte e, a bela Rosa, o infortúnio. A fúria cega não planeja, age no impulso. A faca não acertara o maldito pulsante. O dito golpe o ferira, mas não fora definitivo. O infeliz sequer foi ao chão, suportou com solidez marmórea. Para Rosa, jamais houve tão inoportuno momento para o regresso da razão, principalmente porque trouxera consigo o arrependimento.

     Foram estátuas por poucos, porém demorados, segundos. Rosa sem saber se odiava mais a si pelo que fizera ou por não haver sido competente para matar aquele que agora a olhava nos olhos. O facínora tentava entender o que acontecia. Quando conseguiu relacionar a dor que sentia à reação da mulher, explodiu. Avançou sobre ela tendo as mãos um destino certo: o delgado pescoço. Pressionou-a contra a parede e pôs fim ao sofrimento de Rosa. A constrição fora tão forte que os ossos estalaram.

     Ao chão, atirada, estava a Rosa, que acabara de contemplar a própria morte, na cena que se desenrolara em sua mente. Ele ainda estava lá, de pé, de costas para ela. Jamais houve tão oportuno momento para o regresso da razão. Rosa concluiu não poder com ele. Ademais, sujar as mãos com aquele sangue era loucura. Domada a fúria, a muito custo conseguiu levantar. Foi ao banheiro lavar as feridas. Contemplou o sangue escapar pelo ralo. Por fim, deitou-se ao lado de seu algoz, que ainda fez questão de possui-la. Adormeceu a resignada Rosa.


     Era madrugada quando despertou. O frio da noite quis castigar ainda mais seu corpo dolorido. Mas teve ela forças para levantar. O marido dormia como se inocente fosse. Rosa foi até a cozinha, apanhou uma panela e pôs a água para ferver. Aguardou calmamente. Olhou para o pote de café, hoje o ignoraria. Caminhou lentamente com a panela fumegante em mãos. Parou ao lado da cama e despejou o líquido quente dentro de um dos ouvidos do marido. Os gritos só não foram mais altos que as risadas de Rosa. A resignada Rosa.


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