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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Consciência

Foi possível ver o brilho da luz, refletida na lâmina da faca, aparecer pelo menos umas dez vezes até que esta fosse completamente tomada pelo rubro sangue. Precisar o número golpes seria impossível. Contudo, a julgar pela respiração cansada do homem que a empunhava, presumir-se-ia que foram muitos. Ele se recompôs sentado sobre o corpo desfigurado, outrora vivo. Cessada a fúria bestial, o ar trouxe de volta ao cérebro a racionalidade que fora lançada ao espaço. O olhar surgido foi de arrependimento. A quem duvidasse, as palavras esclareceram.


- Meu Deus, o que eu fiz? Matei minha esposa! Como pude? Eu sou um monstro. – Desesperou-se, fechando os olhos para evitar contemplar o que fizera.

- Calma, meu rapaz. As coisas não são tão graves. – Disse-lhe uma voz.

- Não? Como não? Olhe esse sangue, olhe pra ela. Não consigo sequer reconhecê-la agora.

- Realmente, ela já foi mais bela. Mas, tenha calma. Não foi você quem a matou.

- Olhe essa faca em minhas mãos. Olhe o sangue em minha roupa. Quem a matou então?

- Eles a mataram!

- Eles? Quem são eles?

- Todos eles. Até mesmo ela é culpada. Você não! Você é a vítima dessa história, acredite.

- Você está louco! – O brado ecoou no recinto.

- Louco? Sou a voz da sanidade que quer te mostrar a verdade. Você só precisa abrir os olhos e enxergar. Você não é culpado de nada. Você segurou a faca, mas foram eles quem a apunhalaram.

- Não consigo entender. O que você está tentando fazer?

- Não quero fazer nada. Apenas estou tentando te mostrar a verdade. Abra sua mente. Procure pelas respostas.

- Respostas? Como encontrarei as respostas sem sequer saber quais são as perguntas?

- Acalme-se. Porque ela está morta agora? Que razão te fez pegar essa faca e tirar-lhe a vida?

- Ela me traiu! Por isso.

- Você a viu com outra pessoa?

- Não!

- Então como sabes que foste traído?

- O Emanuel me contou. Zombou de mim, aquele infeliz. Disse ainda que todos se riem de mim pelas minhas costas.

- Entendo. Mas era verdade o que o Emanuel contou?

- Não sei.

- Você não perguntou para ela?

- Perguntei. Ela não respondeu. Deu um sorriso debochado e perguntou se eu enlouquecera.

- Percebes? Não és o culpado, eles o são. O Emanuel, que criou em ti a dúvida. Ela por não esclarecê-la. Se não fossem eles, não terias feito isso. Talvez, ela desejasse isso. Por isso sorriu, provou tua fúria. Foste apenas manipulado.

- Mas, eu quis matá-la. Pelo menos, naquele instante eu quis. Mas, agora me arrependo.

- Esse arrependimento é o que prova o que eu digo. Se te arrependes, é porque não querias realmente matá-la. Foste impelido por algo mais forte, momentâneo, que te levou a isso. Não somos uma má pessoa, foram eles quem nos incitaram a isso.

- Pensando bem. Talvez estejas certo. Mas, e agora?

- Agora você precisa se vingar deles. Ela já foi punida pelo mal que causou. Mas ainda falta o Emanuel, e todos os outros.

- Mas quem são os outros.

- Todos quantos puderes te vingar. Eles são maus, nós devemos puni-los pelo mal que nos causaram.

- Isso não me parece certo.

- Certo ou errado. Tudo depende do ponto de vista. Ouça o que digo. Se parece errado, é apenas porque alguém conseguiu te convencer que o oposto era o certo. Entende como tudo isso é frágil?

- Talvez. Mas se isso for verdade, minha vida inteira foi uma grande ilusão.

- Isso! Enfim entendeste. Estou aqui para te libertar. Tenho te observado calada há muito. Mas agora é a nossa hora. Vamos fazer o certo. O que nos parece certo.

- Sim. Você me ajuda? Você vem comigo?

- Sempre!

- Mas... Quem é você?


- Ninguém. Apenas sua consciência.


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