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terça-feira, 17 de setembro de 2013

A criatura

Quando dei por mim, corria por um beco escuro, sem fim. Faltava-me o fôlego, pensei em parar. No entanto, olhei para trás. Foi então que a vi, não nitidamente, apenas o vulto de seu manto sujo e esfarrapado aproximando-se, estendendo a mão, tentando apanhar-me a todo custo. O desespero agarrou-se a mim, obrigando-me a correr ainda mais. À minha frente, uma bifurcação surgiu, escolhi um lado esperando despistá-la, mas logo depois ela apareceu em meu encalço. Estava determinada a me capturar.


Como não vira seu rosto, não sabia quem me perseguia. Não era de meu conhecimento também o porquê eu era sua presa. Sentia um medo tão forte que não desejava obter respostas para as perguntas que a minha mente insistia em fazer. Não existe temor mais forte que o que é inspirado pelo desconhecido. E logo eu, que sempre me julguei corajoso. Naquele instante, percebi que corajosos são aqueles que ainda não descobriram o que realmente temem. Eu, enfim, encontrara. A inédita sensação não era das melhores, confesso.

A luz era parca, parecia brotar do chão em poucos pontos. Não tendo a plena visão, aguçaram-se meus outros sentidos. O lugar tinha um cheiro forte, não necessariamente ruim. Era do tipo que inebria, entorpece. O relevo chão era irregular. Por vezes, tive a sensação de correr sobre pedras. Em outros momentos senti meus pés afundarem, como se houvesse areia sob eles. Contudo, o que mais me intrigou foi perceber que ouvia apenas meus passos e minha respiração. Ainda era perseguido, podia sentir, mas não conseguia ouvir qualquer som vindo de trás.

Sentia a boca seca e o coração arredio pisoteando-me o peito, quando o beco bifurcou-se novamente. Segui pelo caminho da esquerda que, para minha surpresa, estava iluminado. Assim que meus olhos se acostumaram à luz, olhei para trás e a pude vê-la mais nitidamente. O manto acinzentado cobria todo o seu corpo, de modo que eu só conseguia ver os contornos que se desenhavam no tecido entre uma passada e outra. Corria silenciosa, sedenta por mim. Pensei ser a morte. Corri ainda mais.

Tentei entregar minha atenção ao caminho, tentando ver adiante. Notei então a presença de inúmeros quadros, presos às paredes. Quis observar as imagens contidas nas telas, mas corria rápido demais para ter uma boa visão. Reduzi minha velocidade vi que em todos os quadros havia uma mulher, mas não consegui ver seu rosto. Corri ainda mais devagar para vê-la. Ela me parecia familiar. Em todas as telas, seu misterioso olhar estava apontado para mim. Olhei novamente para frente e me deparei com o fim do corredor. Nele havia um derradeiro quadro.

Parei bruscamente diante desta tela final. Nela, a mesma mulher retratada, porém, comigo ao seu lado. Eu a abraçava, nós dois sorríamos. Observei-a por pouco mais de dois segundos. Então a lembrança criatura que me perseguia me despertou, mas já era tarde. Não tive tempo de voltar o olhar para vê-la se aproximar. Apenas senti o impacto de seu abraço maldito, que me levou ao chão violentamente.

Despertei assustado, com a respiração ofegante e o rosto suado. Havia adormecido no sofá. O pesadelo ainda estava vivo em minha mente. O beco, a criatura em seu manto, os quadros nas paredes, o abraço que me levou ao chão. “Felizmente foi apenas um pesadelo”, pensei. Mas aí notei que havia algo em minha mão. Era uma foto rasgada ao meio. A imagem era a mesma do derradeiro quadro. O sorriso, a mulher. Fui arrebatado para a realidade e senti um aperto no peito. Percebi que aquilo não era um pesadelo. Era real. A criatura que me perseguia de fato conseguira me pegar, eu podia sentir suas garras apertando-me por dentro. Seu nome? Solidão.




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