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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Inveja

- Mas é um primor essa esposa do Chico. Disso você não pode discordar! – Comentou sem desprender o olhar da morena que atravessava a rua.
- Realmente, é uma bela mulher. Mas essa é uma opinião universal, não vale. Não há um homem nesse bar cujo olhar não esteja com ela nesse momento.

- Poderia utilizá-la para reforçar a minha tese. Mas, seria deselegante.

- Ah sim, sua tese. Desenvolva-a melhor. Quem sabe ela começa a fazer algum sentido.

- Não tivesses a inexperiência da juventude como “vantagem”, diria que tua teima é irritante. No entanto, sou compreensivo e entendo que não me fiz bastante claro. Posso continuar então?

- Por favor!

- Pois bem, meu jovem, sendo direto, dizia eu que a inveja é a força que rege as relações humanas, para não dizer a vida. Qualquer outra coisa que lhe disserem será bobagem.

- Como assim, meu caro? Dê-me uma prova do que dizes. – Indagou o homem com um sorriso sarcástico.

- Belo relógio esse que tens no pulso. É novo? – Apontou.

- Sim. Mandei trazerem da Suíça. É automático. Banhado a ouro. – O rapaz agora o exibia com olhar satisfeito.

- Deve ter custado caro.

- Sim. Confesso que economizei algum tempo para comprá-lo.

- Presumo que te orgulhas de possuí-lo.

- Diria que sim.

- Mas, o que o faz tão especial, a ponto de teres te sacrificado para obtê-lo?

- Como assim? É um relógio suíço banhado a ouro. Acaso achas que não tem valor?

- Não, até o mais idiota dos homens reconheceria o valor dele. Refiro-me ao que há nele que te faz ser orgulhoso de sua posse.

- A beleza da peça, a qualidade do material utilizado...essas coisas.

- Besteira! Você sabe que não é isso.

- Não entendo. Onde queres chegar?

- Apenas estou tentando te mostrar a verdade.

- E qual é a verdade?

- Esse relógio lhe é tão valioso não por seu material ou pela beleza. O que o faz especial é o fato de que, por ser importado, não é um relógio comum, desses que se vê por aí, no pulso de qualquer um. Ademais, é feito de ouro, o que, de fato o torna belo, mas, além disso, atrai os olhares alheios, faz com que as pessoas o cobicem, invejem você por possuí-lo.

- Não é nada disso.

- Ok. Discordas então?

- Plenamente.

- Certo. Mudemos de assunto. Você é médico, não?

- Você sabe que sim.

- Há quanto tempo?

- Uns cinco anos.

- És um homem jovem, imagino que ingressou na faculdade bem cedo.

- Sim, era o único adolescente da turma. Meus colegas de classe implicavam muito comigo por isso.

- Achas que a implicância se dava por tua pouca idade?

- Sim, porque mais seria?

- E se eu te dissesse que era inveja? Que era um modo dos colegas manifestarem a indignação que sentiam por teres alcançado teu objetivo tão cedo?

- Diria que estás enganado.

- Digo mais: pelo modo como você falou, devias te orgulhar em ser o mais jovem da turma. E tal regozijo era um reflexo do seu ego, que se sentia lisonjeado por saber que despertava a inveja alheia.

- Hahaha. Isso é loucura, sabia?

- Será? Pense bem.

- Ok. Se você me der um exemplo realmente convincente, posso aceitar que tens certa razão.

- Tudo bem. Olha lá, a esposa do Chico vem voltando.
A conversa cessou. O silêncio se fez, e o bar inteiro devotou total atenção à moça. Passados alguns segundos, retomaram o assunto.

- Eis o exemplo convincente que querias.

- Qual?

- Acabou de passar. Não viste?

- A esposa do Chico?

- Sim. Ela mesma.

- Tá, me explica essa.

- Você, eu, e todo o resto do bar paramos para vê-la passar. Certo?

- Claro, como não parar?

- Pois bem. A menos que sejas ingênuo, haverás de concordar que todos os olhares a desejaram. Mentes fantasiaram coisas que levariam a todos nós para o inferno sem qualquer julgamento.

- Sim, sim. Sou culpado também, eu assumo. – Sorriu.

- Pois bem. Ela é uma bela mulher casada. Nós a desejamos. E, ainda que não queiras reconhecer, isso nos faz sentir inveja do Chico, por ter a sorte de dormir com ela todas as noites.

- Até pode ser. Mas isso não me convence.

- Mas eu ainda não terminei. Faltou dizer que o Chico sabe disso.

- Que todo mundo cobiça a mulher dele? Como?

- Meu caro, hás de convir que o Chico é um homem feio, ao passo que ela é perfeita. A probabilidade de um homem como ele ter uma esposa daquelas é muito pequena. No entanto, ele conseguiu, casou-se com uma bela mulher. Ele sabe que todos a desejam. Sabe que é invejado por tê-la desposado. Mas não se incomoda com isso. Na verdade, diria que ele se orgulha.

- Mas o Chico a ama.

- Amor...isso não existe. Foi apenas um nome que inventaram para designar o que quero dizer. Talvez ele até goste dela. Mas, acima de tudo, há a certeza de ser invejado. Aquele sentimento de ter algo valioso, que acaricia o ego. Você o conhece. Resguardada as devidas proporções, é o mesmo que você sente em relação ao seu relógio suíço.

- Estás realmente convencido que isso tudo é verdade, não é?

- Nestes anos de vida vi muitas coisas. Não foi atoa que cheguei a tal conclusão. A inveja é uma força onipresente. Ela é democrática, está no pobre e no rico, no culto e no ignorante. Claro, os abastados e os sábios sempre são mais invejados, mas isto não significa que não sintam inveja de outros que estão em seu patamar ou acima dele. É algo que nasce conosco. Que nos faz, na infância, querer o melhor brinquedo. E, se não o temos, quebramos o do colega que o tenha. Na vida adolescência, nos faz desejar o beijo da menina mais bela, ser bom nos esportes. Na vida adulta, nos faz querer uma vida confortável. Meu caro chame do que quiser: vaidade, conforto, orgulho, amor. Seja o que for a inveja estará por trás, regendo tudo. É algo que faz parte de nós, queira ou não. Mesmo o mais humano dos homens a tem, embora a negue.

- Desculpe, mas acho isso tudo uma grande loucura.

- Prove-me o contrário.

- Como disseste no início, não vi muito da vida para poder refutar o que dizes. Nem vi tão pouco para tomar como verdade absoluta o que ouvi. Dar-te-ei o benefício da dúvida.

- Tudo bem. Quem sabe não estás certo? Talvez minha tese seja apenas a senilidade da velhice chegando. Quando estiveres mais velho, se eu ainda tiver vivo, me diga o que achas. É possível que chegues à conclusão de que eu estou errado. Se não, aceite que eu estive certo, ou então que também te tornaste senil.

- Tenho de reconhecer que és um homem esclarecido. Invejo isso.

- Já é um começo. - Sorriu.



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