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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Observador

     Como costumam dizer, ao chegar, já peguei o bonde andando. Ninguém parou para me ver. Talvez por isso observar tenha sido minha sina. Afinal, quando não se é visto, ver é o que nos resta. Logo que pude, escolhi sentar à janela, só para ver o que o mundo tinha para me mostrar. E foi assim que meu olhar se acostumou a passear pelo mundo enquanto me mantive passageiro da vida. Muito do que sei, aprendi com os olhares. Uma parte naqueles que lancei ao horizonte. Mas, grande parte, também, nos olhares alheios, sempre cheios de intenções, vontades. Tanto vi que, por vezes, me perco em minhas memórias. No entanto, diria que algo me ocorre neste momento.
     Recordo que era cedo quando a mentira se mostrou a mim pela primeira vez. No início, mostrou-se bela, capaz de seduzir facilmente um olhar jovem como o meu. E o fez tão bem. Caí em seus braços como quem busca a redenção. Confesso que, por um instante, fui feliz. Mas, logo fui traído. As palavras que me salvaram se voltaram contra mim. Por fim aprendi, a duras penas, que, nem sempre, devo me render ao que atrai meus olhos. Preferi então encarar a face grave da verdade. Ela não seduz, muito menos faz promessas. Mas jamais te trai com sorrisos dissimulados.
     Sempre estive sozinho. Por isso, foi fácil afeiçoar-me àquela que primeiro correspondeu ao meu olhar. Lá de cima, ela brilhou, igualmente a mim, solitária. Parecia compreender minha dor. Foi assim que me enamorei da lua. Porém, era um amor daqueles difíceis. Dias inteiros eu tinha que esperar para vê-la. E, nos dias em que ela não vinha, conheci a dor que roubou minhas lágrimas. Fui apresentado também à saudade, que veio em silêncio e apertou-me o peito sem dó. Após muito sofrer, por fim, desisti daquele amor impossível. Talvez tenha sido melhor.
     Desde então, resolvi olhar o amor de perto. Esquadrinhá-lo, a fim de abstrair sua essência. Como se isso fosse possível. Levei certo tempo até perceber que minha empreitada era falha desde o início. Mas consegui vislumbrar algumas coisas. Muitos foram os amantes que vi pelo caminho. Alguns deles, isolados nas ilhas do amor a dois. Julgavam que assim estariam seguros, protegidos. Contudo, por vezes eram surpreendidos pelas tormentas da vida, que, não raro, devastavam tudo. Os que sobreviviam, restauravam a ilusão de outrora e seguiam, aguardando a próxima tempestade.
     Mas havia aqueles que diziam não ter nascido para viver em terra. Ou pelo menos se convenciam disso. Não buscavam segurança ou proteção. Diziam-se afeitos à adrenalina das marés. Zombavam dos ‘ilhados’. Preferiam se afogar no mar das possibilidades a se render à monotonia de uma vida a dois. E muitos se afogavam, quando vinham as tormentas. Os que sobreviviam, acabavam por procurar por terra firme. Salvo alguns poucos, que optavam por se arriscar uma vez mais.
     Eu muito já havia visto até então. Contudo, decidi vivenciar o amor uma vez mais. E ao destino coube essa parte. A tarde se despedia, em um daqueles dias em que o Sol faz questão de mostrar-se belo ao se pôr, quando veio a mim o amor. Sentou-se ao meu lado e, com aqueles olhos castanhos, se pôs a olhar pela minha janela. Como quem desejasse adentrar em meu mundo. Quando já havia visto o suficiente, me encontrou encantado. Havia em mim a certeza de que aquela era minha ilha. Porém, quis ela saber se seria a primeira flor a desabrochar em meu coração.
     As palavras vieram, e junto a elas, a lembrança de minha alva amada, que a noite caminha pelo céu. A mentira me pareceu irresistível, mas fechei os olhos para encarar a verdade. Respondi que outra já havia deixado em mim sua marca. Não a vi me abandonar, mas já podia sentir o abraço frio da saudade. Uma primeira lágrima quis se mostrar, mas uma palavra doce a conteve. “A verdade nem sempre é escrita com lágrimas”, sorriu-me. Pegou em minha mão, e me convidou para viver o que há muito eu somente havia visto. E foi assim que dei adeus à vida de observador do mundo. Hoje devoto minha atenção apenas àquele olhar castanho, pois, hoje, ele é meu mundo.

Fonte Imagem: http://blogdokelmer.files.wordpress.com/2010/06/ilha-01a.jpg

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