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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Promessa

     Quando anunciou a data do casamento, durante o jantar, Marcelo viu o sorriso de contentamento surgir na face de todos. Luana, a noiva, detinha um brilho peculiar no olhar. O rapaz beijou-a, como prova de um amor que seria eterno. Em seguida foi cumprimentado pelo sogro e pelo pai. Enfim os laços da antiga amizade entre as famílias seriam sacramentados. Todos exalavam felicidade. Aquele casamento era objeto de desejo desde que Marcelo e Luana eram crianças. O destino fora generoso ao uni-los, agora o sonho se tornaria realidade.
     Luana era menina prendada, daquelas criadas à moda antiga: “para casar”. Dona de uma beleza delicada possuía os olhos azuis da mãe e a pele alva do pai. No entanto, encantava muito mais por seu jeito meigo, sempre tão doce e sutil. Mas, como fora sempre mimada pelos pais, era excessivamente sensível, se ofendia com qualquer palavra dita em tom mais alto ou de forma grosseira. Eis a grande dificuldade enfrentada por Marcelo desde o início. O rapaz fazia o tipo galã, acostumado a conquistas fáceis, não estava habituado a cativar mulheres com gestos e palavras doces. Contudo, como se apaixonara, viu-se forçado aprender como lidar com Luana. “Tudo pelo amor!”, dizia.
     Ao custo uma mudança de postura radical e muita paciência, Marcelo conquistou a moça. Começaram um namoro que, como sabemos, já tinha a aprovação das famílias desde a primeira troca olhares. O rapaz esforçava-se para agradar a amada, falava macio, aprendia poemas, era deveras carinhoso. Sabia que aquele amor demandava calma e, embora a deseja-se com todas as suas forças, ponderava seus beijos e carícias. Controlava-se o quanto podia. Luana era para ele um cristal a ser manipulado com toda sutileza possível, a simples idéia de um dia magoá-la o aterrorizava.
     Após um ano de namoro, vislumbraram o matrimônio. Marcaram a data em segredo. Anunciaram-na durante um jantar entre as duas famílias. Fora a surpresa mais agradável. Dali a dois meses subiriam ao altar, era preciso principiar os preparativos. As famílias divergiam quanto às proporções da festa: os pais da noiva queriam algo luxuoso, invejável; os pais de Marcelo optavam pela simplicidade discreta, justamente para não despertar a inveja, que tanto mal faz aos jovens casais. Por fim, decidiram consultar o casal. Marcelo se anulou, entregou a decisão à noiva. A jovem quis que a festa fosse modesta, mas a lua de mel seria na Europa. Ninguém ousou contrariá-la.
     Eis que o sonhado dia chegou. Do altar, Marcelo contemplava a igreja cheia de familiares e amigos enquanto aguardava Luana. Então, iniciou-se a marcha nupcial. A noiva surge à porta da igreja. Parecia um anjo naquele vestido branco ornado de cristais. Os olhos do noivo brilhavam. Conforme ela se aproximava, ele entrava em conflito consigo: admirava aquele ser celestial, mas ao mesmo tempo a desejava sem aquele vestido, era capaz de imaginá-la nua. “Primeiro o sagrado, depois o profano.”, disse para si, tentando refrear o desejo.
     Após a cerimônia, todos foram para a festa que, apesar de simples, aparentemente, agradou a todos. Os noivos dançaram, posaram para fotos, agradaram os convidados. Luana parecia estar em seu dia de maior esplendor, era impossível não corresponder àquele sorriso constante em seu rosto. Marcelo também demonstrava felicidade, mas dentro de si contava os minutos para estar a sós com a esposa. Afinal, passara um ano contendo suas vontades, enfim poderia tocar aquele corpo. Como percebesse isso, o pai da noiva chamou o genro para uma breve audiência antes do fim da festa.
     -Sei que estás ansioso por esta noite, posso ver em teus olhos. Mas, tenha cautela. Lembre-se que Luana é uma moça delicada, certas coisas podem assustá-la em um primeiro momento. – Aconselhou o sogro a Marcelo.
     -Pode ficar tranqüilo, após um ano de namoro, sei bem como lidar com sua filha. Ela está em boas mãos. – Respondeu o noivo.
     -Promete-me que fará tudo cuidadosamente? – Indagou preocupado ao genro.
     -Eu a amo e lhe prometo que jamais faria algo grosseiro. – afirmou Marcelo.
     O sogro abraçou o rapaz, tinha certeza que a filha estava em boas mãos. Ao da festa, os noivos foram a um hotel. Viajariam no dia seguinte para a Itália, mais precisamente Verona, a cidade dos namorados. Porém, Marcelo não queria aguardar tanto tempo. Assim que chegaram ao hotel, o rapaz tentou consumar o casamento. Deitou Luana sobre a cama e com todo o cuidado foi desabotoando sua roupa. Beijava-a suavemente, como se cada beijo fosse um pedido de perdão por sua lascívia. Fazia tudo com muita calma, afinal, havia prometido que seria assim.
     Contudo, Luana o repeliu. Disse-lhe que estava cansada, precisava dormir. Marcelo achou melhor não insistir, temia magoar a noiva, além do que, também estava cansado. Assim passou-se a primeira noite sem que o noivo saciasse sua vontade. No dia seguinte, Luana estava radiante, quem a visse diria que a noite havia sido “agitada”. No entanto, o mau humor de Marcelo desmentia essa primeira impressão. A viagem foi longa e, ao chegarem, a moça alegou cansaço quando o rapaz a procurou. Adiou-se, uma vez mais, a noite esperada.
     Os dias que se seguiram foram regados a passeios românticos, jantares, planos para um futuro. Porém, ao cair da noite, a coisa mudava. A cada aproximação Marcelo procedia com mais cuidado ao tocar a esposa. Afagava-lhe os cabelos calmamente enquanto sua mão passeava devagar pelas curvas daquele corpo. Por vezes pensou que enfim aconteceria. Contudo, Luana se mostrava sempre pouco disposta, era como se não o desejasse. Era indiferente ao seu toque, não importava o quão sutil fosse.
     A lua de mel estava acabando e Marcelo não conseguira ir além de beijos e carícias. Isso o perturbava. Por dentro, estava quase explodindo, porém, precisava manter a calma. Na penúltima noite, após ser rejeitado uma vez mais pela mulher, quase perdeu a cabeça. Porém, lembrou-se da promessa que fizera ao sogro. Revoltado, saiu, deixando-a sozinha. Precisava acalmar os ânimos antes que fizesse algo que não deveria. Caminhou pelas ruas da cidade. Por fim parou em um bar próximo ao hotel.
     Pediu uma dose uísque. Enquanto tomava-a, pensava o que fazia de errado, mulher alguma jamais havia resistido tanto aos seus carinhos. Porque ela não o queria? Decerto não o amava. Talvez aquele houvesse casado apenas por conveniência. Como pode ser tão leviana? Juntamente com os pensamentos, fluíam as doses. Estas inflamavam as idéias na mente de Marcelo. Após algum tempo, as conjecturas tornaram-se certezas. “Ela não me ama, me enganou!”, concluiu. A bebida quente aqueceu o coração do rapaz, despertando um desejo colérico. “Ela vai me pagar!”, disse para si e em seguida saiu rumo ao hotel.
     Ao chegar ao quarto, Luana estava à varanda, observando a lua. Parecia preocupada. Diria alguma coisa, mas Marcelo tratou de calar-lhe com um beijo voraz, desses de roubar o ar. Em seguida, atirou-a sobre a cama. Avançou sobre a esposa e rasgou-lhe as roupas, sedento. Antes que Luana pudesse esboçar qualquer reação, Marcelo puxou-a para si pelos quadris e, enfim, consumou o ato, com violência, com furor animalesco. Sequer virou o corpo da esposa para olhar em seus olhos. Quem visse a cena diria se tratar de um estupro. E de fato, o era.
     Marcelo saciou sua tara. Porém, após a explosão do orgasmo, quando o prazer intenso, porém breve, cessou, as idéias tornaram ao seu curso normal. Veio então o arrependimento. O rapaz saiu de cima da amada. Temia encarar aqueles olhos que deveriam estar banhados em lágrimas após aquele crime infame. Mas, precisava encará-la, ainda que fosse a última vez. Pôs a mão sobre o corpo de Luana e virou-a com calma. Pensou em algo para dizer, mas perdeu a voz ao olhar a face da mulher. A expressão de dor esperada não se mostrara naquele rosto, pelo contrário, Luana sorria e tinha no olhar um brilho de satisfação.
     Assustado, o rapaz demorou a entender. Então a esposa o abraçou forte. “Eu te amo!”, disse-lhe com voz fogosa. Por fim, ele compreendeu: às claras, Luana era afeiçoada a sutilezas, mostrava-se sensivelmente frágil; porém, quando as luzes se dissipavam, era do tipo que se deixava dominar por um desejo selvagem, gostava de ser possuída com força, como se mordidas e tapas fossem carícias. Marcelo então se lembrou da promessa que fez ao sogro. Não pode conter o riso: “Promessa, ah! Promessa.” Até o último dia da lua de mel Marcelo não teve descanso, havia despertado uma fera luxuriosa insaciável.


Fonte imagem: http://cdn.mundodastribos.com/361711-casamento.jpg

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