Páginas

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Armadura

     Pela janela, o sol contempla a pele morena da mulher que penteia os negros cabelos frente ao espelho. Seus pensamentos passeiam enquanto ela realiza aquele gesto costumeiro. Pelo brilho que reveste seu verde olhar, pode-se imaginar que está a devanear. Com um súbito piscar de olhos, ela desperta. Levanta-se e caminha em direção ao guarda-roupa. Parece perdida em meio a tantas peças. No entanto, após alguns segundos, escolhe o que vai vestir. Volta uma vez mais ao espelho. A maquiagem que faz, apenas realça o que a natureza já fizera majestoso. Lança um último olhar para si. Por um instante parece pensativa, mas não há mais tempo. Um dia de trabalho a aguarda.
     Passa pelas ruas com passos apressados, mas ainda assim sutis. Involuntariamente, furta os olhares pelo caminho. Alguns de desejo, outros de inveja. Efeito semelhante acontece no trabalho. Impossível não dissipar a atenção diante dela. É visível a insistência por parte dos companheiros de trabalho em desejar-lhe um bom dia. Assim como a animosidade demonstrada pelas demais funcionárias da empresa. Contudo, ela parece já estar acostumada. Demonstra simpatia aos que merecem. Indiferença às demais. Mesmo porque, sabe que a inveja é a frágil clava que trazem à mão os infelizes que padecem da pobreza de espírito.
     Ela detém um dos cargos mais importantes. Adequado à sua postura respeitável e resoluta, segundo disseram-lhe quando foi promovida. Sua inteligência é digna da admiração de todos. Diriam alguns que estamos diante da mulher perfeita, que traz em si as virtudes de Venus e Minerva. Porém, suas dádivas acabam por parecerem-lhe malditas. A independência e autoconfiança que exala, provoca o receio naqueles que se encantam por sua beleza. Por não denotar a típica fragilidade feminina, atraente a alguns, faz com que os homens prefiram os cumprimentos formais aos gracejos. Até mesmo os mais ousados perdem as palavras quando se vêem diante daqueles olhos verdes.
     Não se deve negar que há aqueles que ousam aproximar-se um pouco mais. No entanto, seu faro, apurado por desilusões anteriores, facilmente detecta as intenções. Infelizmente, elas nunca são as que ela procura. A maioria dos homens faria tudo para tê-la, mas apenas por uma noite. Apenas para poder, no dia seguinte, dizer aos demais que conseguira, por meio da ousadia destemida, ter o que todos cobiçam receosos. Essa idéia de ser vista como troféu mais a atormenta que lhe afaga o ego. Preferia ter apenas um disposto a partilhar de seus finitos dias, ao invés tantos que a desejam apenas por um luar.
     Os gestos são sempre os mesmos, palavras repetidas. Nada a surpreende. Nenhum leitor capaz de decifrar-lhe o código, de perceber o que escondem as entrelinhas de seus olhos. Em seu íntimo, deseja o mesmo que todas: ser compreendida. Ter uma mão para segurar enquanto caminha pelo horizonte da vida a buscar seus sonhos. Alguém capaz de senti-la, conhecê-la sem recorrer às palavras. Que liberte o desejo que há muito é aprisionado. Contudo, nenhum se mostra deus para tomá-la por ninfa.
     São tais motivos que forçam nossa bela mulher a ter a solidão por única companhia. Eis as razões pela qual ela segue a rotina de uma vida insípida, que dia após dia vai perdendo o sentido. Ah, se todos soubessem que por trás daquele olhar grave existe um brilho em ânsias de se mostrar diante do menor elogio. Se soubessem que toda aquela seriedade e rigidez fazem parte da armadura que ela forjou para si, um revestimento com o qual protege a preciosa pérola que pulsa solitária em seu peito. Se soubessem que todas as noites ela, como uma adolescente romântica, sonha com o amor sincero, digno de seus pensamentos.
     Mas, como não vê seus sonhos reais, ela sofre. No entanto, não perde as esperanças. É como uma criança pertinaz. Todos os dias, enquanto se prepara, ela reflete consigo, diante do espelho, se não será esse o tão esperado dia em que sua vida ganhará novo fôlego. É esse pensamento que lhe impulsiona a viver cada dia. Enquanto isso, ela é obrigada a, uma vez mais, eclipsar a própria essência sob a couraça protetora. Pobre mulher. Se ao menos lhe passasse pela mente que não está sozinha nesta busca pelo amor verdadeiro. Se soubesse que, no jardim da vida, é apenas mais uma violeta solitária à espera de seu colibri. Apenas mais uma ninfa torturada por meros devaneios que, embora tolos, são tudo o que possui para se ater. Apenas mais uma a crer no forasteiro Amor, que a cada dia parece relutar mais em intervir em nossas vidas.



Fonte imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwBim2xlCjhPP2HxSuVEgA1vO980TDRPXTJF_c0dMADonAuT-Q9sMctocaf5kyj-X8pGd27u4sfRvJq4P10LedYLl-7q3_Tse0wpa90ysq44VfkmNuDoNMTKyLbHBIZWTI9j90ylmqjDkv/s320/concha.jpg

Um comentário:

Se você gostou do texto acima, fique a vontade para comentar. Críticas, elogios ou sugestões serão sempre aceitos. Se acaso achares que o blog merece, siga-o.
Obrigado. R.H.