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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Esquecido


A lua já correu o céu muitas vezes, desde aquele primeiro encontro. Não recordo o ano, mas, em minha memória, sei que era novembro, e que ela fazia aniversário naquela noite. Diante dos olhares de todos os presentes, fomos apresentados. A timidez inicial se perdeu em meio a empatia instantânea que entre nós surgiu. Ao primeiro sorriso, eu senti que aquele era apenas o início de uma longa história. Ao o primeiro abraço carinhoso, descobri que ali nascia o nosso amor.

Após aquela noite, nossas vidas se uniram, como se fossem partes de um todo que, antes separadas, agora haviam se encontrado para permanecerem assim para sempre. Passávamos grande parte do dia juntos. Durante as noites eu ficava ao seu lado em silêncio, velando por seu sono, esperando amanhecer para receber minha maravilhosa recompensa: o primeiro sorriso do dia. E como ela gostava de sorrir para mim. Aquele riso era a personificação de minha felicidade.

Nossa relação se fortalecia dia após dia. Eu era seu confidente, conhecia os maiores segredos daquele coraçãozinho. Eu estava com ela em seus momentos felizes. Quando ela estava triste, meu abraço a consolava. Se ela sentia medo, lá estava eu para encorajá-la com minha presença. Durante muito tempo foi assim. Acompanhei as mais belas fases daquela vida, devotando todo o amor que podia. E sempre fui fiel, pois somente a ela pertenciam meus abraços.

Os anos se passaram e pude contemplar de perto o alvorecer de sua juventude. A vi tornar-se mais bela, enquanto lapidava os contornos de sua personalidade. Confesso que sentia-me, a cada dia, mais encantado por ela. E eu não era o único, ela agora despertava olhares - sentimentos - em todos aqueles que por ela passavam. Mas, embora aos olhos do mundo agora ela fosse outra, eu poderia ver por trás daquele sorriso, a menininha que há muito eu havia conhecido.

Sem que me desse conta, as coisas foram mudando. Já não passávamos mais tanto tempo juntos. Havia dias em que eu mal a via. Em outros ela simplesmente não me dava atenção. Ela estava sempre ocupada demais, pensando em muitas outras coisas. Eu já não sabia tanto de sua vida. Solitário, eu sofria. Contudo, vez ou outra ela vinha até mim, com aquele jeito meigo que eu já conhecia. Isto bastava para me fazer esquecer tudo.

Mesmo diante de todas as mudanças, eu me convencia de que, cedo ou tarde, as coisas voltariam a ser como antes. Enganava-me, porém. Certo dia, veio ela até mim. Enchi-me de amor esperando por sua atenção. Mas, ela simplesmente me tomou pelo braço, e me escondeu no armário. Eu não entendia o que acontecia, até o momento em que alguém entrou no quarto junto a ela. Escondido na escuridão solitária, a ouvi falar àquele estranho palavras de amor, como um dia dissera a mim.

Revoltei-me, mas nada podia fazer. Decidido estava a tomar satisfações quando ela viesse me libertar da prisão em que havia me enclausurado. No entanto, alguns dias passaram e ela não apareceu. Meus olhos, agora acostumados à escuridão, pediram-me para explorar aquela maldita prisão. Permiti, e só então tomei conhecimento de tudo: naquele armário estavam guardadas diversas coisas conhecidas por mim, que eu há muito não via; dentre elas, jaziam os brinquedos que ela ganhara na noite em que nos conhecemos.

Entristecido, observei todos aqueles brinquedos, duramente banhados pela poeira do esquecimento. Lembrei-me que, no decorrer dos anos, aos poucos ela os havia substituído por outras coisas. Encegueirado pelo amor, eu ignorara todos aqueles sinais. Como havia sido tão ingênuo, a ponto de achar que jamais chegaria minha hora. Recordo que alguém me dissera, certa vez, que aquele seria meu destino. Maldita profecia acertada.

Agora eu sabia que, entre mim e as demais coisas daquele armário, havia algo mais em comum, além do fato de partilharmos o mesmo espaço: a poeira também recairia sobre mim, e eu também seria esquecido. Ainda assim, eu não conseguia ter por ela outro sentimento que não fosse amor. Já que não mais estaríamos juntos, pelo menos restavam-me as lembranças, a elas me apeguei. Prometi a mim mesmo que todos os dias relembraria nossa história, como agora acabo de fazer. Apenas faço isso, pois, mesmo sabendo que serei esquecido, fui feito para amar, e a amo demais para esquecê-la.



Fonte imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7P68lymvxxg9DvW8h5DFuP47GGqy1Bb4reabOY3o0NlzyUSs3H72IhU5IVNwlHCezjJovHHoWw_SmBRXUc9lkO7GtGSv8mB5FbRCOJ5YqZR-JQalMsEVFLWKk6kLBOa4ICF86OtZqZmI/s400/Bear_Hug_by.jpg

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