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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Capitalismo

     Por favor, se achegue mais, deixe eu contar uma história dessas que a vida nos dá. Coisa verdadeira, que eu vi de perto. Por isso, com detalhes eu falo. Se errar alguma coisa, é culpa da memória. Nasceu uma vez um João, na mesma rua que eu morava. Mais um no meio desses tantos, mas bom das idéia. Desses que se tivesse oportunidade ia longe, sabe. Mas, pobre nasce com pé no chão, que é pra não querer voar. Assim a gente se conforma. Mas o João não. Esse nasceu pra querer mais que nós. Mas, era boa pessoa.
     Cresci junto dele. Era coisa de cinco anos que separava a gente. O ofício a gente ganhou em casa. Meu pai trabalha com o dele e a gente aprendeu junto a profissão. Era pra levar a vida de sempre, toda vida: trabalhar pros patrão, juntar algunzinho, comprar terreno, casar e rezar pra ter uma casa boa antes de ficar velho. Eu contava meus plano pro João, mas ele era calado. Vivia de pensar nos canto. Trabalhava modo insatisfeito, como não quisesse fazer as coisas. Era mais bom de conversa que de serviço.
     Certa feita o João deu de aparecer com livro no trabalho. “Livro é coisa de gente rica”, eu dizia pra ele. Mas ele não ouvia, ficava lendo no almoço. O problema é que depois ele já fazia isso direto. Enrolava serviço pra ficar folheando. Tava ficando sabido, dava pra perceber quando ele vinha conversar com a gente. Até o dia que o chefe descobriu. Riu do João, disse que aquilo não era pra ele. João deu resposta e o patrão mandou ele embora. Justa causa, ele disse. Teve gente que gostou, achava o João metido a besta. Eu fiquei triste. Mas, fazer o quê?
     Passou um tempo e o João apareceu de volta. Chegou com nós, falando que nós era vítima de injustiça. Dizia que o patrão não gostava dele, nem de ninguém. Disse que todo mundo era explorado, ganhava menos que merecia. Até palavra nova ele arranjou, falava de um tal de capitalismo. Dizia que ele era o culpado por a gente trabalhar tanto. Que ele corrompia os homem, que era o maior dos mal. Devia de ser coisa dos livro. Ninguém entedia muita coisa, mas ele falava bonito. Pediu ajuda pra todo mundo, dizia que ia pra justiça contra o patrão. Falou que tinha sido enganado, e que ia provar. Que o chefe ia pagar caro pra ele. Que quem apoiasse ele, ia ser ajudado depois.
     Muita gente ficou com medo no começo, mas ele era bom de convencimento. No fim todo mundo tava com ele. O João se tornou como líder pra nós, sabe. Ele falava, nós ouvia. Todo mundo confiava nele. Era um de nós que tinha um conhecimento que nós não tinha. Ele falava dos direito que a gente tinha. Que depois que ganhasse o patrão na justiça, nós tudo ia melhorar de vida. Que a vitória dele era vitória de todo mundo. E nós apoiava ele.
     E veio o dia do João enfrentar o patrão. Todo mundo tava do lado dele. Se ele ganhasse, nós tudo ganhava. Se ele perdesse...ninguém nem pensava nisso. O João ia ganhar, não tinha erro. E aí nós acompanhou ele. E viu quando o juiz deu vitória pro João. Todo mundo comemorou. Foi coisa grande, dessas de sair no jornal. O patrão foi obrigado a pagar dinheiro muito pro João. Todo mundo começou a fazer plano. João tinha prometido que ia ajudar nós, de certo ia dividir o dinheiro com todo mundo.
     Pois é...passada a euforia, o João veio com nós. Agradeceu e tudo mais. Disse que era vitória importante pra nossa classe. E que ia ajudar nós tudo, conforme tinha prometido. Todo mundo se animou pensando na generosidade do João. Pois é...o que nós esquecia, é que o João sempre teve com nós, mas nunca foi um de nós. João pensava diferente, como eu disse no início. A gente nasceu pra ser peão. Mas o João, não queria pé no chão. E só quando ele disse a ajuda que ia dar, que a gente percebeu isso.
     Depois que o chefe perdeu na justiça, a empresa dele faliu. Todo mundo ficou desempregado. O João, rico que tava, abriu uma empresa. E pra ajudar nós tudo, como tinha prometido, contratou todo mundo. Pra mostrar que era bom, aumentou nosso salário em uns dez tostões. Agradeceu todo mundo e nunca mais se misturou com nós. Não tratava mais ninguém pelo nome. Só vinha pra cobrar serviço. A vida se manteve a mesma, só mudou o patrão. Ninguém entendeu o que tinha acontecido com o João. Alguns diziam que ele nunca foi gente boa, que sempre enganou todo mundo. Outros diziam que foi o dinheiro que mudou a cabeça dele. Mas, cá pra nós, eu tenho meu palpite: pra mim, isso foi coisa do tal capitalismo.




Fonte Imagem: http://www.mundoeducacao.com.br/upload/conteudo_legenda/a5142999cfbbca64068f7177a8ada318.jpg

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