O prazer se intensifica, assim como as carícias. Sem que
percebamos, beijos se convertem em mordidas, afagos em arranhões. Os sons
adquirem timbres mais intensos. Mesmo o tempo parece adquirir um ritmo
diferenciado. Os minutos correm como se segundos fossem, naquela redoma lúbrica
que encerra os dois. Ela detém o controle da situação, e abusa de sua condição
de poder. Embora não esteja indiferente à satisfação que sabe causar, parece
muito mais comprometida com o próprio prazer. De olhos fechados, contorce o
quadril em um requebrar incerto, como se estivesse em uma constante busca por
um ângulo exato, que se perde tão logo é encontrado. Mas, tão logo seus olhos
se abrem, ela avança voraz. Encara-me com olhar de esfinge indomável, como que
dizendo “decifra-me e eu te devoro”, num tom de ameaça que mais parece um
alerta sobre o inevitável.
Este olhar ferino alcança-me os olhos com tons de provocação,
desafiando-me os gestos. Imersos naquela atmosfera particular, prescindíveis se
tornam as palavras. Muito é dito em uma fração de segundos em que nossos
olhares se encontram. Ela, então, engue parte do corpo, permitindo que a luz se
projete sobre seu colo, para que eu contemple o movimentar de seus seios. Em uma
agitação de cabeça, atira os cabelos para trás, e seu rosto também se ilumina. Olhos
fechados e um morder de lábios que denota a intensidade do momento. É tudo o
que vejo. Não resisto. À meia luz, num movimento rápido de baixo para cima, a
mão espalmada corta o ar e vai ao encontro daquele rosto. O som do tapa ressoa,
prevalecendo sobre todos os demais, que silenciam quase que instantaneamente.
Igualmente, cessam os movimentos. O silêncio invade o quarto, e o tempo se
distorce, uma vez mais. Porém, agora, os segundos se convertem minutos,
enquanto a situação não se define. A sensação é de que, mesmo o planeta,
interrompeu seu movimento, após meu gesto vil.
Em silêncio, ela fica imóvel, com a face oculta pelos
cabelos, que se precipitaram novamente sobre o rosto, após o tapa. Eis a imagem
que tenho diante de meus olhos. “Exagerei?!”, é a primeira indagação em tom de
afirmação que, mudo, faço a mim mesmo. “Cedo demais!”, diz-me a consciência. Parcela
significativa de minha autoconfiança se vê em xeque, ante a possibilidade de
haver lançado ao vento todo o prazer alcançado até ali. Ainda assim, não me
arrependo, afinal, desejara fazer aquilo desde o princípio. Mas, havia me
controlado tanto quanto possível, ante o temor de assustá-la. Entretanto, há
sempre um ponto em que o desejo se liberta. “Talvez eu devesse ter sido mais
forte, aguardado mais alguns encontros”, dialoga comigo, minha consciência
tardia. Nem sempre as formas de prazer são compatíveis, afinal.
Estes pensamentos me assaltam em uma fração de segundo.
Porém, antes que possa chegar a uma resposta, sou surpreendido por um movimento
dela. Como se despertasse de um transe, ela se volta para frente, e a fraca luz
ilumina novamente o seu rosto. Eu a acompanho com o olhar atônito, ansiando por
uma palavra que seja. Ela, porém, não me olha nos olhos. Mantém o olhar fixo,
em um ponto na parede atrás da cama, onde há um espelho. Percebo que está a
encarar o próprio reflexo. Ela, então, parece se entregar aos próprios
pensamentos, durante cerca de cinco ou seis segundos. Uma verdadeira eternidade.
É um momento de pura introspecção, como se eu sequer existisse. Ainda sem
entender, permaneço imóvel sob ela, aguardando uma resolução para aquela
situação.
Sutilmente, ela comprime o olhar, como se buscasse afiar as
lâminas do pensamento, para esculpir melhor uma conclusão. Por fim, desperta.
Calmamente, direciona os olhos ao encontro dos meus. Tento dissimular minha
apreensão com tudo aquilo. Mas, sinto que fracasso. Ela, porém, nada diz.
Esboça um sorriso no canto da boca, e retoma seus movimentos aos poucos. Logo,
retorna ao ritmo em que estava, parecendo sentir tudo na mesma intensidade,
como se nada tivesse acontecido. Embora eu não tenha a mínima ideia de qual
linha de pensamento a conduziu até a retomada do sexo, igualmente também nada
digo. Simplesmente, embarco uma vez mais naquele momento, e volto minha atenção
unicamente à tessitura daquele êxtase a dois.
Entretanto, não sou capaz de evitar que, em algum lugar da
minha mente, ecoem questionamentos sobre o que se passou. Isto acontece, tão
logo me sinto novamente tentado a dar um novo tapa naquele rosto. “Será que
posso? Terá ela gostado, ou somente deixou passar, para não acabar com a nossa
noite?”, questiono a mim mesmo, enquanto observo a luz refletida em seu rosto.
No entanto, uma vez mais, sou surpreendido: sem cessar seus movimentos, ela me lança
um novo olhar voraz e, em um misto de sussurro e gemido, deixa escapar por
entre um sorriso devasso: “Me bate de novo!”. Então, já não há dúvidas. Somente
ela e eu, em nossa redoma.