Vestiu-se de orgulho e
respondeu: "Na verdade, não lembro. Não sinto falta!"; quando
perguntada sobre há quanto tempo estava sozinha. Aquele tipo de resposta firme
combinava mais com a personagem que escolhera representar. Aquelas roupas,
maquiagem e atitudes não lhe pertenciam. Mas eram necessárias. A vida não
reconhece fragilidade, bate com força, para machucar. Ela bem sabia. Sabia
também que aquela resposta jamais fora verdadeira. Seu coração tinha o registro
perfeito de cada segundo desde aquele adeus. Ela se odiava por isso. Contudo,
na guerra não se pode fraquejar.
As amigas, diante daquela
resposta, reagiram de diversas maneiras. As jovens devotaram-lhe um olhar de
admiração. As mais maduras, ceticismo. Estas conheciam bem aquele jogo, em
algum momento da vida já haviam se utilizado de estratégia semelhante. Contudo,
não ousariam atentar contra a máscara da semelhante. O inimigo era outro. Por
fim, convencionou-se um brinde e algumas gargalhadas. É preferível o sorriso às
lágrimas. Afogue-se a tristeza em álcool, faça-se crer feliz, e o mundo a sua
volta parecerá mais belo.
Desde o término do casamento,
ela não saíra. Aquela era a primeira noite de uma nova mulher que nascia. Era o
que ela dizia para si. É certo que há muito o trabalho era seu único amante. O
cotidiano quis, aos poucos, sufocá-la com sua monotonia. Mas ela não se rendeu.
Quis recomeçar. Mas a renovação precisava ser visível, por isso a mudança
radical de estilo. Para convencer mais, uma nova postura precisava ser adotada.
Por isso as palavras e gestos falseados. Ela incorporou bem a personagem.
Atraiu atenção. Adquiriu confiança.
Após algumas bebidas, já
acreditava ser essa “femme fatale”, que dardejava olhares, intimidando até o
mais ousado dos homens. Sentia-se fera, era preciso escolher a presa. Alguém,
por fim, agradou-lhe. A barreira do primeiro olhar foi vencida. Alguém haveria
de se aproximar. Em outros tempos, o recato a impediria. Mas a mulher de agora
não podia esperar. As amigas ansiavam por seu movimento. O olhar de dúvida de algumas
era o melhor dos incentivos. A atitude é a melhor das provas. Aquele seria seu
teste.
Quis levantar-se, mas uma mão
pousou em seu ombro. O olhar de espanto no rosto das amigas confirmou aquilo
que ela já sabia. Olhou para trás: com um sorriso cínico, o ex-marido parecia
estar ali para cumprimentá-la. Contudo, a julgar pela bela mulher que o
acompanhava, pareceu mais uma afronta. Ela sentiu-se ruir por dentro. Não
estava preparada para aquele encontro. Fugiria se pudesse. Um turbilhão de
lembranças varreu sua mente numa fração de segundo. Mas tratou de matá-las.
Sentiu uma lágrima nascer.
Entretanto, como antes fora
dito, ela sabia interpretar bem a personagem. Sufocou a lágrima delatora e
voltou-se a ele. Com um sorriso no rosto, cumprimentou o ex e sua acompanhante.
O ar de rigidez adotado permitiu, inclusive, ironizar a aparência da moça.
Sentindo-se ofendido, ele se foi. Não preciso dizer que este gesto rendeu
alguns outros brindes. A atitude despertou a admiração de todas. Ela estava
orgulhosa de si. Regozijou-se de seu feito. Convencida de que não havia mais
nada a provar, quis ir pra casa. Este foi seu erro.
A
madrugada às vezes é mais fria. Ela sabia disso, mas esquecera. Quando se viu
sozinha, diante do espelho, não pode se enganar. Ao remover a maquiagem, era
como se desse adeus à personagem. Estava desprotegida novamente. Não podia
resistir nem mesmo a si mesma. A lágrima suprimida horas atrás voltou,
acompanhada de muitas outras. Ela não quis as conter. “A mudança que vem de
dentro sempre demora um pouco mais”, dizia para sim. Abraçou-se ao travesseiro
e chorou até adormecer a dor. Amanhã voltaria à personagem, afinal o mundo não
precisava conhecer sua fragilidade.
Fonte imagem: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOPnwmIE8pXIROEpyWDXLhgNNEkaMCgK5KBGCsNH-tpUI94eBPvHDxtCHartBHxh-ABE-q5qH9Hho8jthTlEIsjDy19NMdy3cVcP9-vqfuRrszJSPgaYfSF86L1Vp7nnPeYr_8tGEsWaub/s400/tumblr_lb88saa2891qb5buto1_500.jpg
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