Durante
muito tempo, acreditei na ilusão de que eu era a protagonista, o fio condutor
de uma trama elaborada, sobre a qual não me cabia qualquer tipo de controle,
senão aquele relativo às escolhas cotidianas, quase todas triviais. Acreditava
que tudo dependia do meu misancene
para com os demais personagens, como se caminhássemos em linha reta rumo a um
lugar comum, como formigas operárias que apenas seguem, irrefletidamente,
optando aqui e ali por um caminho diferente, mas que não desvia muito do
destino final. Porém, eu estava errada. Não somos engrenagens de um grande
mecanismo, vivendo apenas para auxiliar em seu movimento. Eu, pelo menos, não o
sou. Já não me reconheço assim.
A
verdade é que não sou, nem nunca fui, protagonista da estória. Eu sou a
estória. Sou a narrativa em construção, pulsando em orações, que às vezes se
confundem com preces, é verdade, mas que se combinam para compor o significado
de meus atos. Sou a liberdade da mão livre, que corre pelo alvo papel da vida,
deixando minha marca à minha maneira, me impondo, mesmo quando algo tenta me
impedir, estancar minha escrita.
Porém,
até hoje, ninguém conseguiu. E não foram poucas as vezes que quiseram. Tentaram
até me segurar, mas não parei. Foram linhas em que a letra não saiu tão bela
como de costume, em que precisei abreviar palavras, ocultar sujeitos, mas em que
fui capaz, por fim, de vencer, escrever, e passar minha mensagem. Não para o
mundo. Para mim. Pois escrevo para mim mesma. Não preciso de leitor para me
sentir completa. Minha mensagem me basta e, se vier admirar este conto que
ainda está por se desenrolar, saiba apreciar, pois não me pretendo resumir em
poucas páginas. Não que seja prolixa. É que é difícil converter em palavras o
que sou e o que quero ser. Por isso escrevo sem pressa, sem um destinatário que
não eu mesma.
Sou
arte mulher, minha própria poesia. Se rimo, é entre risos, ao natural, como
costumam ser as belas coisas. Tampouco me obrigo a enquadrar em métricas para
agradar ninguém. A sociedade diz, é verdade, que nós devemos ser todas versos
monossilábicos, que mostram/dizem pouco, e guardam o seu melhor para si. Mas,
sabemos que os tempos são outros, e ninguém merece ficar se economizando para
caber na forma. É certo que há ainda quem concorde, se desdobre e se minimize
para viver essa loucura. Desse mal não sofro. Digo o que tenho que dizer, faço
a minha cena, pinto os meus cenários. E sei que, quem me lê, se não se
apaixona, admira. Sei meu valor literário, meu caro. Sou mais um poema épico sendo
escrito nesse mundo contemporâneo, onde heroínas travam batalhas sem ter um bardo
que as exalte por aí. O mundo é assim, para nós, mulheres.
Eis-me,
então: verbo, verso, canção. Quer mais? Te digo, pois, que sou uma amálgama de
adjetivos que vão muito além destes todos que preenchem a tua visão. Há tanto
oculto, que não revelo, nem quero revelar. Meus tesouros, os tenho para mim.
Não, não sou egoísta. Apenas me preservo. Mas não tome isso por trauma. Não
seja assim tão leviano, senão, me arrependo, e deixo de te entregar minhas entrelinhas.
Perceba seu privilégio, por ter chegado até aqui. A maioria das pessoas somente
enxerga e se encanta pela magia. São bem poucos os que são convidados até os
bastidores, para entenderem como tudo funciona. Menor ainda é o número daqueles
que conseguem perceber a beleza por trás dos segredos. Como disse, não sou para
qualquer um. Não quero um ávido leitor, tampouco o desleixado que só se entrega
a notas curtas de jornal. Mas, é preciso estar disposto a ler e compreender
tudo sem pressa. Pois é nas entrelinhas que me revelo e me oculto. É nesse jogo
que vou te ganhar, ou podes me perder.
Já
disse demais. Não pense que vou entregar tudo assim, extremamente bem
explicado. Parte da aventura está na descoberta, no que se aprende sozinho.
Apreenda-me, se puder. Não seja ingênuo de pensar que minhas vontades irão
interfirir nesse processo. O tempo me fez discernir entre o que é mera vontade,
e o que é de fato bom para mim. Não se engane: eu me conheço melhor que você.
Sou lâmina forjada no calor frio do tempo, temperada por minhas vivências. Já
lutei batalhas que sequer podes imaginar. Se me tiver ao seu lado, esteja certo
que qualquer luta será mais fácil. Porém, jamais ouse tentar, de algum modo,
limitar minha narrativa. Como te disse, não sou personagem, sou estória. Se eu
sentir que preciso, te apago entre uma linha e outra, e sigo minha escrita,
como se nada tivesse acontecido, sem sequer tremer a letra.