“Feche os
olhos!”
A frase atravessou
a penumbra feito flecha, como que atirada em direção àqueles ouvidos.
“Feche os
olhos!”
A despeito
do que a exclamação fazia supor, não se tratava de uma ordem. Nem toda
exclamação é tirana, a determinar, exigir. O tom doce com que fora sussurrada,
denotava a intenção subjacente, o seu caráter de pedido. Desejo revelado,
manifesto em três palavras curtas, componentes fiéis de uma simples frase.
“Feche os
olhos!”
Eis o som
que ecoou baixinho pelo curto espaço que separava os dois corpos. A fração de
distância entre os súplices lábios, e orelha delicada, outrora comprimida entre
dentes, por carinho que pareceria asselvajado a olhares alheios, mas que se
fazia perfeitamente pertinente naquela lúbrica atmosfera.
“Feche os
olhos!”
Embora soasse
simples o pedido, não o era. Difícil enumerar os pudores que já haviam sido
abdicados até ali. Um vasto mar de pré-conceitos nutridos por toda uma vida,
barreiras físicas e morais, lançadas ao ar em prol de um desejo irrefreável e,
tal qual o seu objeto, desconhecido.
Despira-se, pois, de roupas e concepções,
para estar ali, submergindo em sensações inéditas, ignotas durante as quase
três décadas de vida. Jamais se permitira intrepidez tamanha. Parcela de si
queria pensar nas consequências, mas o restante era todo a crença de que
daquela experiência surgiria uma pessoa diferente.
“Feche os
olhos!”
Por um
instante, se viu tomada de assalto pelas memórias pouco desbotadas de um
passado não tão distante. “Devo confiar?”, indagava de si para si. Uma alma
traída tende a agarrar-se a cautelas, buscando defender-se. Conquanto o que se
pedisse não fosse amor e devoção eternos, sabia que aquilo poderia ser um passo
rumo a um novo abismo, ou a um paraíso idílico. Mas o temor de cair era maior
que antes.
“Feche os
olhos!”
O eco do
sussurro sibilou em sua mente, naquela fração de segundo em que tentava em vão
calcular as consequências vindouras, caso cedesse ao ímpeto alheio. Quis
argumentar, mas sentiu que somente daria voz ao resquício de pudor que
persistia em si. Ansiando por libertar-se, apenas assentiu com a cabeça em
silêncio, e cerrou as pálpebras lentamente.
Fechados
os olhos, se viu dominar por um misto de ansiedade, receio e excitação. Os
pensamentos oscilavam em um caleidoscópio de projeções controversas do que aconteceria
a partir de então. Os corpos já não se tocavam, mas era possível ouvir o som do
deslizar sobre o lençol da cama, era capaz de sentir que algo estava sendo
preparado, com minúcia, sem pressa, qual o artista que se organiza para trazer
ao mundo o fruto de suas inspirações.
Então, os
movimentos cessaram. E tudo se fez silêncio. E escuridão. Era capaz de ouvir o
ar entrando e saindo com certa pressa de si. “Estou só?”, questionou silente.
Como resposta, sentiu o ar quente de um suspiro, seguido do encontro úmido entre
língua e lábios. Antes que pudesse esboçar reação, sobrevieram toques, dedos,
mãos. E tudo se resumiu a espasmos, e suspiros, e sorrisos involuntários.
Inconscientemente,
pôs à prova a resistência dos lençóis, quando agarrou-os entre os dedos de
ambas as mãos, e puxou com força, extravasando o prazer que sentia, que já não
cabia em si, e transbordava convertendo-se em gemidos, suspiros, e em uma
sucessão de movimentos, a priori descoordenados, mas que apresentavam agradável
coerência, ao olhar satisfeito do responsável por aquela miríade de sensações.
Na
realidade de prazer em que imergira, o tempo se distorcia, como se segundos e
minutos se confundissem, conforme o prazer oscilava. De igual modo, era capaz
de extrair uma sensação doce do modo irregular com que respirava, ora
sufocando, ora sendo inundada por um ar quente, que vinha apenas para atiçar
seu coração em brasas.
A despeito
do clichê, sentiu seu corpo insuficiente para comportar tantas sensações, como
fosse um vulcão em plena atividade. Respirou fundo e sentiu eu o ar precisava
deixar seu corpo em erupção. E assim o fez. Suspirou forte, e de repente tudo
foi silêncio e satisfação.
Abriu os
olhos, e já era dia. Olhou para os lados. Deparou-se apenas com os móveis. A
porta seguia trancada por dentro. Os lençóis revoltos seriam o único vestígio
visível. Não fosse pela janela entreaberta, que fazia com que o ar entrasse,
embalando as cortinas sob os raios do sol matinal.
“Foi um
sonho?”, indagou em voz alta.
O
questionamento ecoou por sua mente. Seu corpo atestava que as sensações haviam
sido reais. Mas, nada lhe dava provas. Em meio às dúvidas, o despertador tocou.
Eram 7:00. Não havia tempo para pensar, era preciso abraçar a rotina novamente.
Porém, em sua mente, restava uma ponta de frustração. Confiara uma vez mais.
Novamente, fora traída?
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