Antes de qualquer coisa,
permita-me pedir desculpas pelo recurso a tal metáfora, há muito vulgarizada,
para ilustrar o panorama atual. No entanto, conquanto a comparação remonte a
tempos anteriores ao penta, quiçá ao tetracampeonato da seleção brasileira de
futebol, o fato é que a mesma segue, infelizmente (para alguns), se encaixando
à realidade do país.
Nunca antes na história desse
país... (você entendeu a referência, eu sei, mas, asseguro que o recurso a tal
bordão foi proposital, para, dependendo da sua reação, permitir que você
identifique para que time torce, nesse campeonato onde, aparentemente, só dois
times jogam) ...a política foi tão debatida com ânimos futebolísticos. Falo
sério. Há muito tenho observado aqueles que me cercam, e percebo que a política
tem dominado boa parte dos corações (quando deveria ter por habitat natural a
razão, diria).
Aparentemente, vivemos uma
constante final de campeonato. Um clássico daqueles. Brasil e Argentina.
Fla-Flu. Gre-Nal. Re-Pa. Esquerda-Direita. Estes últimos são os times em campo.
Logo, você deve escolher sua cor, vestir a camisa, e gritar, chorar, xingar,
torcer até enr(l)ouquecer. Ainda que você não seja um ávido torcedor, é preciso
escolher um lado da arquibancada. Não há meio termo, neutralidade. Não pode
haver.
Exemplos que evidenciam esse
ponto, tivemos muitos. Vide as votações do impeachment, que tiveram os votos de
deputados e senadores sendo comemorados como se gols fossem. Até mesmo os dias,
coincidiram com o do futebol: um domingo e duas quartas feiras. Tudo
devidamente televisionado, com ampla cobertura da imprensa esportiva
política. Em todos os três jogos, o time da esquerda saiu derrotado. Há quem
diga que o esporte como um todo foi prejudicado, mas, "futebol é campo e
bola", diriam alguns. Logo, o que vale é o resultado.
E quem comemora e chora os
resultados? A torcida, claro. E, uma vez mais, tal qual ocorre no futebol, há aqui
aqueles que se organizam. De ambos os lados. Torcidas uniformizadas,
coreografadas, com gritos de guerra e tudo. Às vezes, quando não tem jogo, até
vão às ruas manifestar sua paixão. Infelizmente, como também ocorre no futebol,
há confrontos quando essas torcidas se encontram. A paixão transborda, os
ânimos não se controlam e, por fim, a resolução acaba sendo buscada no grito,
no braço. Lamentável. Mas, como já fora dito antes, no fim, todos acabam se
acomodando em seus lugares na arquibancada, para ver a partida (felizmente?).
Aqui também há vezes em que
lances polêmicos ocorrem, cabendo aos juízes decidirem a respeito da
regularidade dos mesmos. E, pasmem, também há um lado que comemora, elogia,
torce pelo juiz. Ao passo que o outro, o dito "prejudicado",
questiona a atuação do mesmo, aponta para o regulamento, indaga sobre a
honestidade do julgador. E tudo é tão volúvel, que o juiz que hoje é o herói,
no jogo seguinte pode ser o maior dos facínoras. Basta que atue de modo diverso
do esperado. Sim, política futebol tem dessas coisas.
Entretanto, o mais interessante nessa
comparação, está no fato de que, não importa o quanto aqueles que estão na
arquibancada torçam, chorem, briguem; eles, quase sempre, não passam de meros
espectadores, cujas apostas, a despeito do quão altas possam ser, independem
suas vontades, estando condicionadas ao modo como os jogadores que vestem as
cores do time vão se portar em campo. Irônico? Pois é. A política O
futebol é assim.
Claro, não se pode ignorar que há
aqueles torcedores mais ativos. Inconformados, protestam, cobram dos jogadores,
do técnico, da comissão, pedem mais comprometimento, clamam por vitórias,
títulos. Mas, esses renitentes não costumam ser bem vistos, nem mesmo pela
própria torcida. Geralmente, lhes relegam a pecha de vagabundos. Sim, pois
futebol é coisa para as horas vagas. É preciso cuidar da vida. No máximo
comentar durante os intervalos. Torcer mesmo, só quando há jogo.
É preciso, no entanto, fazer uma
ressalva: é verdade que há aqueles que tentam discutir o tema durante o
trabalho, na mesa de bar, na faculdade. Mas, de modo geral, são embates que
partem do nada para lugar nenhum. Os envolvidos no debate de digladiam, amiúde
se ofendem, e no fim ninguém muda de opinião. Não há vencedores ou perdedores.
No máximo, alguém sai levemente ressentido, e mais apaixonado pelas convicções
próprias.
Costuma, porém, haver um uníssono
entre os torcedores, o único ponto de convergência. Diz respeito àqueles que
simplesmente declaram não gostar de futebol, ou, se gostam, não torcem para
nenhum dos times. Ah, isso gera revolta. Há, inclusive, termos pejorativos para
tratar destes indivíduos que tentam fugir da dicotomia. No entanto, de modo geral,
o que se busca é emoldurar o infeliz em uma das cores, mesmo que este se
manifeste em contrário. O elogio a performance de um jogador pode imediatamente
ser interpretado como simpatia pelo time que o mesmo defende. Qualquer coisa
pode ser utilizada para fins de enquadramento em uma das faixas dessa via de
mão dupla. O que não pode é ficar no acostamento, à beira do gramado, vendo o
jogo rolar. Isso não.
Você talvez deva estar pensando
que a metáfora foi um tanto forçada. Ou então, reducionista. É possível. O
texto parte de uma inquietação de quem simplesmente observa. Sim, aquele que ao
final subscreve é um desses infelizes que insiste em sentar à beira do gramado,
apenas para acompanhar o jogo, sem torcer por nenhum dos lados. Isso lhe
incomoda? Se sim, fique à vontade para vestir sua camisa, apontar o dedo e
tentar me enquadrar em uma das torcidas. Posso até me sentar junto a você na
arquibancada, para conhecer de perto sua paixão. Porém, se a reação foi outra,
e você percebeu que há a opção de simplesmente não torcer, seja bem-vindo.
Sente-se à beira do gramado também e observe: a paixão, a torcida, o jogo.
Daqui, é possível ver e ouvir alguns lances que o barulho da torcida acaba por
abafar.