Nem mesmo a beleza da blusa de
seda, cuidadosamente escolhida e passada, tampouco o colar de pedras delicadas,
foram o bastante para apaziguar a energia dos olhares que lhe foram lançados,
quando adentrou à sala de espera. Cadeiras voltadas em direção à porta, faziam
de quem entrava, uma espécie de distração aos olhos cansados de esperar. Mas
ela, embora não os visse todos, pode sentir a mudança nos olhares, quando
caíram sobre sua figura. Alguns franziam a testa, outros desviavam o olhar,
havia ainda alguns que simplesmente a encaravam. Seja qual fosse a reação, ela
sabia que os pensamentos eram similares. Estavam todos desconfortáveis com sua
presença.
Era a primeira vez, desde a
reviravolta, que saía de casa para tratar de assuntos que não envolviam a
própria saúde. A despeito de toda a relutância da família, insistira. Era
aquele o primeiro passo de um recomeço. Devotara toda a manhã à escolha da
roupa com a qual sairia, o batom que daria brilho aos empalidecidos lábios, os
sapatos, a bolsa. Enfim dava voz à vaidade, da qual tivera que abrir mão, nos
últimos meses. Era jovem e bela, embora a enfermidade houvesse embotado estas
características. Mas, estava vencendo. O tratamento se aproximava do fim, a
vida retomaria seu curso. Daí o porquê de seu entusiasmo.
Contudo, ao ser friamente
fuzilada por aqueles olhos, percebeu que haveria um caminho mais longo a
percorrer. Era como se todos fizessem questão de transparecer que sua figura
lhes era incômoda. Quis chorar, correr, sair dali. Mas, resistiu. Não saberia
explicar de onde tirou forças. Apanhou uma senha, e voltou o olhar procurando
um lugar para sentar. Todas as cadeiras estavam ocupadas. Os que sentados
estavam, se olharam, como dissessem “é preciso ceder um lugar, quem o fará?”.
Um homem sentado na primeira fileira se levantou e se afastou para um canto.
Nada disse. Era claro que não fora impelido por educação ou gentileza. Ela o
agradeceu, mas não obteve qualquer resposta.
Estava, enfim, misturada à massa,
mas ainda sentia o peso dos olhares sobre si. Sabia que, se pudessem, todos
afastariam suas cadeiras para longe. Entristecida, ela abaixou a cabeça. Olhou
para as próprias roupas. Estava bonita, mas ninguém percebera. Fechou os olhos.
Pode sentir o aroma do perfume que estava usando. Mais um detalhe a ser
ignorado. Uma vez mais, quis chorar. Era como se personificasse a morte, ou
coisa pior. Sua doença era uma mácula, que inspirava um misto de temor e
desprezo. Temor de um dia se ver em tal situação. Desprezo por ela estar ali,
mostrando ao mundo sua imagem enferma e incômoda.
“Mamãe, porque a moça não tem
cabelos, e está usando esse pano no rosto”, perguntou uma criança sentada
algumas fileiras atrás. Ela aguardou por uma resposta. Mas, tudo o que pôde
ouvir foi o som da mãe repreendendo a criança, silenciando-a. Sentiu seu sentimento
se transformar. Revoltava-se agora com aquela atitude. Seria tão difícil
explicar à criança que certas doenças afetam o corpo de forma a debilitá-lo?
Por que silenciar, e propagar a ignorância, que já inundava o local? Voltou seu
olhar para trás. Explicaria que estava doente, mas que logo ficaria curada. Que
não se tratava de nada contagioso, mas sim de uma enfermidade da qual qualquer
um podia padecer. Diria que a máscara em seu rosto era para protege-la das
impurezas do ar. Esclareceria tanto quanto fosse necessário.
Contudo, ao fazer o movimento
voltando-se para trás, percebem que todos, quase que ao mesmo tempo, se
encolheram, com repulsa à possibilidade de aproximação. Viu-se, então,
desarmada por aquele gesto. Retornou à posição em que estava anteriormente.
Baixou a cabeça novamente. Se deu conta de que seria preciso ter forças.
Indagou se estaria realmente preparada para lidar com tudo aquilo. Talvez fosse
melhor ficar um pouco mais em casa, aguardar o fim do tratamento, e só voltar
quando sua aparência já não fosse incômoda. Devia ter dado ouvido aos
familiares que tanto pediram para que ela ficasse em casa. Permaneceu envolta
em tais pensamentos por alguns minutos.
No entanto, nunca fora afeita a
resignação. Não era culpada pela ignorância daquelas pessoas. Não devia
simplesmente desistir da vida, para evitar aquele tipo de reação. Não saíra de
casa, depois de tanto tempo, para simplesmente fraquejar. Já havia lutado
tanto, era preciso vencer mais aquela batalha. De súbito, uma ideia se apossou
de sua mente. Antes de pô-la em prática, questionou se não estaria sendo
perversa demais. Porém, não devia nada àquelas pessoas, que desde o primeiro
olhar, não se preocuparam em poupá-la. Decidiu-se, então. Que a ignorância
deles lhes servisse de punição.
Ela então ergueu a cabeça. Olhou
para os lados. Levantou-se da cadeira lentamente, simulando fraqueza, embora
não a sentisse. Percebeu que a observavam. Ela estava na primeira fileira de
cadeiras, de modo que, ao voltar-se para trás, podia ver todos os que ali
estavam sentados. Cuidadosamente, tirou a máscara cirúrgica que havia em seu
rosto. Os olhares agora estavam apreensivos. Uma vez sem a máscara, sorriu,
como se desse a eles uma última chance. Ninguém sorriu de volta. Ela então,
utilizando-se de todas as forças, tossiu bem alto, fazendo questão de espalhar
o máximo de perdigoto pelo ar.
Era como se houvesse despejado
uma bomba no local. Os que sentados estavam, correram depressa em direção à
porta de saída. Empurrando-se e acotovelando uns aos outros, tentavam
desesperadamente sair da sala, temendo um possível contágio pela doença mortal
que devia acometer aquela moça. Uns gritavam por socorro, outros prendiam a
respiração. Mesmo quando todos haviam conseguido sair, ela ainda podia ouvir o
som vindo de fora, de gente caindo pelas escadas. Contemplou, então, os lugares
vazios. Tinha um sorriso de satisfação no rosto. Apanhou a máscara e pôs no
rosto novamente.
A tela presa à parede emitiu um
sinal, e exibiu o número da senha a ser atendida. Ela olhou a própria senha.
Havia cerca de doze números até que o seu fosse chamado. Mas, viu que, sobre
uma das cadeiras vazias, um papel com o número chamado fora abandonado. Apanhou
o mesmo e entrou na sala de atendimento. Naquele mesmo dia, durante o jantar, seus
familiares preocupados, indagaram como havia sido a experiência. Ela se limitou
a dizer: “Foi boa. Depois que você aprende a lidar com as pessoas, tudo fica
mais fácil”.