Ao chão, jogada, estava a Rosa,
com a alma machucada pelas palavras de aço. O ego cheio de hematomas doía bem
mais que a carne agredida. Os golpes não cessavam, mesmo ao longe, ele
continuava a disparar frases cruéis, suas verdades mentirosas que rasgavam o ar
e atingiam-na em cheio. O
sangue quente fugia-lhe pelo corte no canto da boca. Por trás do olhar,
pensamentos reviravam-se em
fúria. Os sentimentos convergiam em uma única direção – a
insanidade.
Aquele maldito ébrio falastrão
confiava tanto na resignação arraigada, que sequer esperava reação. Não teve
tempo de surpreender-se quando ela cravou-lhe a faca nas costas. Mas o demônio
teve sorte e, a bela Rosa, o infortúnio. A fúria cega não planeja, age no
impulso. A faca não acertara o maldito pulsante. O dito golpe o ferira, mas não
fora definitivo. O infeliz sequer foi ao chão, suportou com solidez marmórea.
Para Rosa, jamais houve tão inoportuno momento para o regresso da razão,
principalmente porque trouxera consigo o arrependimento.
Foram estátuas por poucos, porém
demorados, segundos. Rosa sem saber se odiava mais a si pelo que fizera ou por
não haver sido competente para matar aquele que agora a olhava nos olhos. O
facínora tentava entender o que acontecia. Quando conseguiu relacionar a dor
que sentia à reação da mulher, explodiu. Avançou sobre ela tendo as mãos um destino
certo: o delgado pescoço. Pressionou-a contra a parede e pôs fim ao sofrimento
de Rosa. A constrição fora tão forte que os ossos estalaram.
Ao chão, atirada, estava a Rosa,
que acabara de contemplar a própria morte, na cena que se desenrolara em sua
mente. Ele ainda estava lá, de pé, de costas para ela. Jamais houve tão
oportuno momento para o regresso da razão. Rosa concluiu não poder com ele.
Ademais, sujar as mãos com aquele sangue era loucura. Domada a fúria, a muito
custo conseguiu levantar. Foi ao banheiro lavar as feridas. Contemplou o sangue
escapar pelo ralo. Por fim, deitou-se ao lado de seu algoz, que ainda fez
questão de possui-la. Adormeceu a resignada Rosa.
Era madrugada quando despertou. O
frio da noite quis castigar ainda mais seu corpo dolorido. Mas teve ela forças
para levantar. O marido dormia como se inocente fosse. Rosa foi até a cozinha,
apanhou uma panela e pôs a água para ferver. Aguardou calmamente. Olhou para o
pote de café, hoje o ignoraria. Caminhou lentamente com a panela fumegante em mãos. Parou ao lado da
cama e despejou o líquido quente dentro de um dos ouvidos do marido. Os gritos
só não foram mais altos que as risadas de Rosa. A resignada Rosa.