Já era dia quando chegou-me ao ouvido que eu só teria mais
aquele dia. A princípio julguei ser sonho, mas bastaram alguns segundos para me
dar conta que era real. Da rua vinham gritos, risadas, o barulho ensurdecedor
do motor dos carros. Ligaria a televisão para saber se era aquilo, mas o grito
de alguém veio pela janela a confirmar minhas suspeitas: “É o fim do mundo!”,
bradava o infeliz antes de ser atropelado.
Fui até a janela e o caos se desenhou diante de meus olhos.
Vi pessoas que corriam sem saber para onde ir, outras se abraçavam e choravam o
fim que se aproximava, alguns gritavam eufóricos como se estivessem alegres com
aquilo. Tudo era tão surreal, mas minha calma parecia ser ainda mais. Não
partilhava daquilo tudo, era como se não fosse acontecer comigo, como se eu
fosse um mero expectador do apocalipse iminente.
Até que fui tocado por meus pensamentos: o que fazer? O
tempo está correndo mais rápido do que antes e agora parece que pretende parar,
o que fazer antes disso? Respostas surgiam de todos os cantos de meu pensar.
Havia tanto a ser feito, porque as coisas tinham que ser abreviadas daquela
forma? Porque, se havia pouco que eu despertara para a vida, de fato? Por mais
que quisesse fazer conjecturas, era preciso definir quais seriam os últimos
passos de minha existência.
Mas escolher o que fazer não era nada fácil. Afinal, seriam
os últimos momentos dessa vida conturbada. Era preciso escolher algo realmente
válido. Mas o quê? Poderia ler um bom livro, ou até mesmo escutar, finalmente,
os CDs da minha coleção que eu nunca sequer tirei da embalagem. Poderia ligar
para meu melhor amigo e ter uma boa conversa, daquelas que fazem as horas
passarem sem que se sinta. Porém, talvez ele não partilhasse do mesmo desejo.
E se eu cedesse a todos aqueles impulsos que sempre reprimi?
Aos desejos que as convenções sociais sempre me impediram de saciar? Afinal,
não haveria amanhã para enfrentar as conseqüências ou a reprovação por parte dos
outros. Contudo, o maldito senso de pudor, já arraigado em mim, me convencia a
fazer o contrário. Talvez por não desejar ser lembrado como o cara que surtou
nos últimos momentos da vida.
Eu já havia desistido de minha idéia quando uma mulher
passou em frente à minha casa. Corria nua
cantando músicas de um tempo distante. Percebi sua felicidade insana,
mas não tive coragem para acompanhá-la. Ela passou e logo atrás vinha um homem.
Presumi estava a segui-la. Alguns minutos depois ouvi alguns gritos, que depois
se transformaram em gemidos. Decerto o homem a alcançara e estava por saciar
sua derradeira vontade.
Vi quando dois automóveis colidiram em frente à minha casa.
Vinham em alta velocidade e pude ver quando se encontraram: o metal sendo
retorcido enquanto os vidros estouravam em mil pedaços. Alguns segundo após a
colisão, vi quando os motoristas saíram de dentro dos veículos. Ambos estavam
bastante machucados, cambaleantes. Caminharam ao encontro um do outro e, em
seguida, se abraçaram. Pensei serem amigos que realizavam um desejo em comum.
A manhã avançava e eu não sabia o que fazer. Já começava a
me preocupar quando ouvi aquela voz doce: “Amor, fecha essa janela. Esse
barulho todo não está me deixando dormir. Vai, fecha essa janela e vem ficar
comigo.” Naquele instante descobri o que faria: aproveitaria o tempo que me
restava junto dela. Ficaria ali com a mulher que amo e deixaria que o mundo
acabasse sem mim.
Pensei em contar-lhe o que acontecia. Mas me contive. Seria
egoísta pelo menos uma vez na vida. Mas o seria por um amor incondicional, que
seria meu último desejo. E, apenas o fiz, por imaginar que aquela seria uma
vontade em comum. Sabia que naquele momento poderia viver o amor pelo amor, sem
preocupações ou conjecturas sobre um futuro incerto. Enfim poderia amar sem
medo, sem limites.